sábado, abril 25, 2015

Os marinheiros reais da grandeza mítica

Como é que começou o "esplendor de Portugal"?  Foi com as Descobertas ou vinha de antes, do tempo da Fundação e Conquista?

A História que se conta pode ser manipulada e por isso reproduzo uma versão, a de Castelo de Morais que se publicou em 1940 na edição especial do O Século, sobre os centenários. Opto por esta versão uma vez que é a oficial, do Estado Novo de Salazar e a que merecia o olhar de propaganda do regime de então.
Eivada de um nacionalismo exacerbado e impante de grandiosidade mitificadora serve para perceber, desse ponto de vista, o tal "esplendor de Portugal".





Como se pode ler, tudo começou com o fim da conquista e reconquista do nosso território de raiz. Em 1373 os ingleses e portugueses fizeram uma Aliança que ainda perdura. A Casa de Aviz e um dos seus membros, D. João I, casou com uma inglesa, Filipa de Lencastre, no Porto, em 1387.  As raizes da aliança, porém, já viriam de trás, do tempo da batalha de Aljubarrota.

Os filhos do "Mestre de Aviz" integraram o que Camões chamou de "ínclita geração", incluindo D. Henrique, "a alma" dos Descobrimentos.

Cem anos depois, com o desenvolvimento cultural atingido, os portugueses conseguiram um feito notável: descobriram terras no Oriente usando o caminho do mar e fixaram-se nelas, utilizando forçosamente um poder militar.
O pioneiro da grande descoberta, completando o caminho marítimo até à Índia, foi Vasco da Gama.

Em 1998, a revista Oceanos, comemorativa do feito dos Descobrimentos, publicou estas páginas sobre a vida do marinheiro da nossa grandeza mítica, a Viagem que fez e o que veio depois.
Vasco da Gama partiu em 8 de Julho de 1497 com cerca de 150 a 170 homens. Mais de metade morreu na viagem.
Chegaram à Índia em 18 de Maio de 1498.



De volta a Lisboa, toda a gente ficou contente pelo feito.

Por causa desta "gesta", deste empreendimento fantástico, um poeta da época, Luís de Camões, escreveu  Os Lusíadas, poucos anos depois ( conta-se que a obra tenha sido escrita até 1556, sendo publicada em 1572).
Camões era versado em latim, espanhol e muita mitologia greco-romana. Os versos que compôs têm um herói colectivo, os lusos, ou seja, os que antes de nós foram nossos ascendentes.

É o nosso Livro por excelência e relata a tal "grandiosidade mítica".  Se Camões não tivesse existido restariam as crónicas das viagens marítimas, mormente as de Fernão Mendes Pinto que não tratam essa mítica grandiosidade fantástica, mas apenas o realismo puro e duro das viagens.

Assim, arrostamos há séculos com essa poesia épica como se tal fosse a realidade fantástica do que se passou.

Porém, o génio de Camões não se ficou pela epopeia grandiosa e encomiástica. Há umas tantas estrofes que foram metidas lá no meio que nos mostram o que se deve fazer para entender a realidade: olhá-la "de um lado, do outro e de frente" .

Aqui ficam as estrofes, rapinadas daqui:

94
Mas um velho, de aspecto venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
95
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
96
- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
97
- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Os Lusíadas, Canto IV, 94-976

Sabe-se como findou a nossa Epopeia. Assim, como se relata naquela obra de 1940. E foi por causa disto que apareceu a "Casa de Bragança".

O ouro da Mina toldou os espíritos e as especiarias inebriaram demais os comerciantes. Tudo acabou com uma bancarrota...pelo que é altura de repensar os ditos do "velho do Restelo", não só para os replicar ou aplaudir mas para ajudar a repensar esses mitos e lendas que alguns querem repristinar, porque só vêem o lado "venturoso" e esquecem a decadência subsequente.

Por outro lado, Camões, soube representar por escrito, o espírito crítico dos que pensam diferente ou até dos que se ocupam em olhar os problemas de outros lados que não os mais esplendorosos e míticos. 
Camões, ao mesmo tempo que dava asas ao realismo fantástico, tinha os pés bem assentes na terra que era nossa, por ser dos nossos antepassados. Os "Novos mundos ao Mundo" são o fruto do mito. Os mundos interiores que então havia merecem ser melhor explorados.

Questuber! Mais um escândalo!