A Inquisição Portuguesa, na mão dos Dominicanos, tomou conta do Padre António Vieira, Jesuíta, por volta do ano do Senhor de 1663.
Anos antes, em 1659, o jesuíta tinha escrito uma carta a
André Fernandes, Bispo Eleito do Japão. Essa
carta destinava-se a reconfortar D.
Luísa de Gusmão, a viúva do Rei D.João IV, falecido três anos antes. A essência da carta era a conclusão de que o Rei iria
ressuscitar em breve, para assumir as rédeas e soberania do Quinto Império
Mundial que a nós, povo luso, nos tinha sido destinado desde o início dos Tempos.
Apesar de outras profecias anteriores, assegurando tal
tarefa régia e imperial a um Desaparecido D. Sebastião, o padre jesuíta, então em missão no Brasil amazónico, acreditava
que afinal quem seria Rei viria a ser o resssuscitável D. João IV.
E quem inspirara o padre jesuíta nesta premonição
fantástica? Um humilde sapateiro de Trancoso chamado Bandarra, falecido cerca de cem anos antes e que escrevera trovas a tal propósito, revelando o prognóstico
críptico: a conversão universal do Mundo, "com a destruição do Turco e
conquista da Terra Santa por meio de um rei de Portugal". Nem menos. "O Reino de Cristo consumado na Terra por meio
de um Rei Português" . E que rei? Primeiro, D.
Sebastião, o grande Desejado. Depois, à míngua do seu aparecimento tempestivo, D. João IV que ressuscitaria de propósito
para tal empreendimento, o que fora prenunciado por métodos quase científicos pelo crente padre jesuíta.
Finalmente, perante a evidência empírica da falência
presciente, quem viesse a seguir.
No caso, calhou a D. Afonso VI e é a ele que o padre
jesuíta, grande escritor português, entre os maiores, dedica os seus estudos
acerca das profecias do Bandarra e interpretações peregrinas, já com a
aproximação da data fatídica de 1666.
O Tribunal do Santo
Officio não achou Graça nisto e suspeitou de heresia, processando o padre
jesuíta que se defendeu durante os meses de cativeiro ( em prisão
preventiva...). Escreveu então a parte
essencial da sua tese sobre o Mito nacional, à ilharga do que o sapateiro
Bandarra tinha escriturado em verso como prognóstico do nosso futuro.
O padre António Vieira glosou tais escritos como se
fossem uma História do Futuro, adaptando-os
a uma verdadeira História do Reino de Cristo consumado na Terra por portugueses
e à mão de um Rei português.
Estas considerações são plagiadas do livro A História do Futuro, Padre António Vieira, recentemente editado pela Temas e Debates.
Estas considerações são plagiadas do livro A História do Futuro, Padre António Vieira, recentemente editado pela Temas e Debates.
O Padre António Vieira, acossado pelo Santo Officio teve o cuidado de resolver a coisa a contento: há um Império à nossa espera e é o de Cristo, sendo terreal e ao mesmo tempo espiritual. Quem o comandará será um Rei Português e quanto ao problema magno de haver um Povo que já se intitulava escolhido, a questão resolvia-se facilmente: seria convertido, sem margem para dúvidas, ao nosso entendimento cristão. Como? Falta saber porque faltou tempo ao padre António Vieira para explicar, o que faria noutro livro sobre os judeus. Na época estes eram muito mal vistos e o Santo Officio também zelava por isso.
Para melhor explicação e encurtar razões, em vez de transcrições morosas,
ficam os "recortes" de scanner, mais fiéis e certeiros, sem erros
ortográficos nem pompa nas frases feitas, de seis páginas que constituem o índice parcial das grandes questões de que trata o livro:
Em resumo: o Quinto Império é o de Cristo e é ao mesmo tempo espiritual e material, tendo um Rei Português como Imperador Universal.
A Igreja Católica não gostou muito desta versão messiânica sobre o Futuro de Portugal, porque desconfiava que envolvia também outras gentes e tradições, pouco estimadas na época e que não apreciavam Cristo por aí além. E por isso, sentenciou o Padre: … seja privado para sempre da voz activa e passiva e do poder de pregar…"
E de facto, isto assemelha-se demasiado à Cabala Cristã...
Do livro L´Ésoterisme, de Pierre A. Raffard, Bouquins, Robert Laffont, 1991.
E de facto, isto assemelha-se demasiado à Cabala Cristã...
Do livro L´Ésoterisme, de Pierre A. Raffard, Bouquins, Robert Laffont, 1991.
Não obstante, estas ideias que já estavam enraizadas na crença popular, germinaram e deram pano para mangas já no século XX.
Em 1914 um poeta que ocupava os dias na Baixa de Lisboa retomou a saga e acrescentou-lhe uns pontos importantes que refizeram o Mito antigo, agora rodeado de outros de origem perversa e nada católica.
O melhor é deixar a explicação por conta de quem sabe e estudou. António Quadros publicou em 1960 Fernando Pessoa, a obra e o homem, com uma nova versão em 1981. É desta última que se respigam as páginas seguintes:
Esta novíssima mitologia do Encoberto e suas variantes místicas, de cristã já tem muito pouco e os acrescentos pagãos remetem para o super Homem que há-de vir, um dia, numa manhã de nevoeiro...
Nas décadas seguintes esta mitologia assentou arraiais. Em 1928 escrevia " Tudo é disperso, nada é inteiro/ Ó Portugal, hoje és nevoeiro.../ É a Hora!"
Este alento esotérico pegou de estaca no imaginário dos ideólogos salazaristas mais salazaristas que Salazar, como E. Freitas da Costa e ainda perdura.
E no estrangeiro como é que se olham estes mitos e lendas?
Em Abril do ano passado a revista francesa L´Histoire tentava explicar estes fenómenos portugueses a outra luz, mais distante.
Primeiro o mito fundador. o milagre de Ourique, em que cinco reis são derrotados pelo nosso primeiro rei. Segundo o historiador do mundo muçulmano, Gabriel Martinez-Gros, os cinco reis são...cinco governadores almorávidas. Sobre essa grande batalha, os magrebinos nem guardam memória escrita, enquanto preservam a de outras da mesma época.
Sobre as nossas conquistas a perspectiva também se configura de modo um pouco diverso , se lermos o que diz Sanjay Subrahmanyam, professor no Collège de France.
E sobre os mitos? Também há uma explicação: " as viagens ditas de "Grandes Descobertas" são realizadas por homens cuja visão do mundo ainda era a medieval. "
Outros historiadores esclareceram outros motivos, religiosos e messiânicos. Muitos historiadores portugueses recusam esta explicação que entendem, mal, ser de extrema-direita. Mas é preciso compreender que as motivações no séc. XVI eram diferentes e que os homens de então nem sempre eram racionais...
70 comentários:
O Pessoa era bastante apanhado. E muito embusteirozito
eehhehe
Quanto às explorações, é verdade que foram feitas com espírito medieval.
Houve viagens, dirigidas pelo Infante D. Henrique que se fizeram por terra, com emboscadas e perigos vários, em vez de mar, porque o que mandava era o ideal cavaleiresco.
O D. Manuel também foi um homem medieval e dos primeiros a encarnar o mito do Imperador; do messiânico esperado- até no nome- de Desejado.
Mas, de forma rápida e simples, o José fez uma excelente síntese da questão.
Pese embora a ordinarice da linguagem (e compreendo se não publicar o comentário) as mitificações do Fernando Pessoa tinham mais ou menos a ver com isto:
O Álvaro gosta muito de levar no cu
O Alberto nem por isso
O Ricardo dá-lhe mais para ir
O Fernando emociona-se e não consegue acabar.
O Campos
Em podendo fazia-o mais de uma vez por dia
Ficavam-lhe os olhos brancos
E não falava, mordia. O Alberto
É mais por causa da fotografia
Das árvores altas nos montes perto
Quando passam rapazes
O que nem sempre sucedia.
O Fernando o seu maior desejo desde adulto
(Mas já na tenra idade lhe provia)
Era ver os hètèros a foder uns com os outros
Pela seguinte ordem e teoria:
O Ricardo no chão, debaixo de todos (era molengão
Em não se tratando de anacreônticas) introduzia-
-Se no Alberto até à base
E com algum incómodo o Alberto erguia
Mário Cesariny
Se eu não publicar o comentário? Mas eu não controlo previamente comentários...
Uma das coisas que abomino no regime de Salazar/Caetano é a Censura.
Acho uma ideia estúpida e com resultados perversos como se pode agora concluir.
O Cesariny era paneleiro e eu não gosto desse tipo de paneleiros.
Há alguns que tolero e que são os que não se ufanam da condição.
Até tenho amigos assim. Mas precisamenre porque não há passagem de cá para lá e vice versa.
Quanto aos mitos e mitinhos: está aqui tudo.
Só falta resolver um problema: saber onde, quando, como e por quem, foi retomada esta fantasia, nos anos 40...
Não foi pelo Salazar.
E outro ainda:
Como é possível nos séc. XXI haver quem acredite nisto do mesmo modo que no séc.XVI.
XVII...
no meu entender de rústico AOS nunca seria capaz de aderir a mitos
cheira-me a coisa de A. Ferro e outros 'senis'
os países e regimes precisam de mito. Roma monárquico criou o de Rómulo e Remo; o império justificou-se através de Eneias regressado de Tróia
Wagner aproveitou-os
os 'anglo-sex-ónicos' também
um encanto a tapeçaria de Bayeux
igualmente as dos unicórnios mostradas em Paris e Nova iorque
os nórdicos têm imensos
idem os russos
......
o pai criou para D.Afonso vi a Casa do Infantado com os bens do Prior do Crato.
fizeram dele 'gato-sapato'
A base é judaica e há-de ser por isso que no Brasil o mito ainda teve mais variantes populares.
Bom, eu de mitos não percebo nada e, por isso, nada direi.
Mas registo com satisfação que se diga que Salazar nada tinha que ver com isto, porque era o que ainda estava para perceber como.
O que o Dragão diz também não me parece ter muito que ver. Pelo menos na matéria de facto e do que daí vem directamente. Mas ele que esclareça se assim o entender.
Por fim, digo que também me parece supremamente irónico que venha de um maçónico de provecta idade, que afirmou que seria benéfica para Portugal a entrada na guerra, a acusação de senilidade sobre outrém! :)
Ah, e tenho na calha a questão do prazo. E parece-me que tenho razão. Amanhã, se tudo correr bem, demonstrá-lo-ei.
O mito continua: http://oinsurgente.org/2015/04/29/um-pessimo-sinal/
Zazie o Bandarra não era de ascendência judaica?
E, segundo se diz, conhecia muito bem as Escrituras antigas.
Tal como Vieira.
É de notar que as trovas do Bandarra foram dadas a conhecer depois da sua morte, segundo julgo ter aprendido.
E muito próximo dos anos em que Vieira se instruiu.
muja: não se preocupe com o prazo porque a questão mudou.
Saber esta história dos mitos é essencial para entender os salazaristas.
De outro modo, não se compreendem.
Salazar tinha ver com isto porque foi educado de algum modo nisto.
No CADC de Coimbra, no Imparcial, com Cerejeira, estes assuntos não seriam estranhos.
No Imaginário de Salazar, aquele que é conhecido, há laivos destes mitos e a Exposição do Mundo Português em 1940 é a expressão desses mitos, plastificada.
Porém, o que eu acho é que Salazar era demasiado rural para se deixar levar por isto. E Cerejeira demasiado ortodoxo para enveredar por esoterismos.
A Igreja Católica é que sabe. Sempre soube.
Vou dizer uma heresia:
deveríamos escolher para chefe do Estado um prelado da Igreja Católica.
Assim como uma espécie de rei.
Afinal, o Mito não era isso mesmo? A reunião do espiritual com o temporal?
É o que fazem os iranianos...
espero que não levem a sério o que escrevi. Ou pelo menos literalmente.
ehehehe
Mas Portugal sempre foi muito herético.
Desde a primeira dinastia.
Estes mitos messiânicos, por cá, estão sempre ligados aos judeus e aos templários.
Mas no Brasil é que a coisa tomou proporções ímpares.
Seitas e seitas até políticas, com falsos messias e matanças.
Uma grande panca, isso sim.
Ah, e os jesuítas...
Os jesuítas sempre foram estranhos.
Ainda são.
Recentemente tive de contactar o grupo deles de "Apoio aos Refugiados" e cheguei à conclusão que é uma grande cretinice de "contrabando de ilegais"
O espírito medieval é que mantinha a ligação ao catolicismo. E o protestantismo não entrou cá.
Os reis, incluindo o primeiro, foram sempre ao beija-mão papal, metaforicamente, porque era assim naquele tempo, desde que Carlos Magno cometeu a imprudência, no dia de Natal de 800 em ir ter com o Papa.
Por cá, os grandes feitos celebravam-se com mosteiros e igrejas.
Foi assim em Aljubarrota, com o mosteiro da batalha e foi assim nos Jerónimos.
Foram sempre porque eram obrigados. Mas muitos também foram excomungados por causa do apoio aos judeus.
E não só. D. Dinis era completamente milenarista.
Nunca fomos muito ultramontanos.
No reinado de D. Manuel a cabalística era moda de corte.
"No reinado de D. Manuel a cabalística era moda de corte."
Talvez por isso a Inquisição teve dificuldades em implantar-se por cá, ao contrário de Espanha.
A questão mudou? Desculpe mas não mudou nada. Nem a verdade.
A questão continua a ser política externa.
Não estou a ver em que é que Salazar tenha sido educado nisto, para além de ter lido o Padre Vieira...
Salazar educou-se nos sociólogos franceses mas sobretudo nas encíclicas de Leão XII.
Naturalmente, pode dedicar-se às questões que quiser, mas dizer que isto serve para entender salazaristas parece-me absurdo. Parece-me que não tem mesmo ponta por onde se lhe pegue.
Mas quem, que perceba minimamente o pensamento do Salazar, é que tem que ver com isto?
Mantenho o que já tinha dito: nada disto serve para explicar coisa nenhuma, por mais interessante que possa ser.
A política externa portuguesa dos anos sessenta nada tem que ver com isto. Nada.
E mais logo mostrarei como é que se fazia essa política e depois me hão-de dizer se aquilo vem de mitos.
Ou cabalas, que é onde já vamos...
Recordo que tudo isto começou a chamar-se casmurro ao Salazar...
"mas dizer que isto serve para entender salazaristas parece-me absurdo. Parece-me que não tem mesmo ponta por onde se lhe pegue."
Pronto. Desisto.
Quem chamou casmurro fui eu. Não foi o José.
A sim chamo-lhe pior, chamo-lhe maníaco obsessivo.
Aproveite e aprenda o que é o mito para não andar para aí a fazer figurinhas, enquanto chama palermas aos outros.
":OP
E eu ralado. Já me chamou tantas coisas...
O José não precisa de desistir, porque isto não é para mim.
Eu estou a dar a minha opinião. Estou a dizer-lhe que não vejo, por exemplo, o que tem Franco Nogueira que ver com isto.
Franco Nogueira não era salazarista?
Se não era, era muito mais próximo daquela direita que podíamos ter do que esse Freitas da Costa ou António Ferro...
Resumindo: isto não serve para explicar a política externa portuguesa do EN. Ou da 1ª República. Ou da Monarquia Constitucional. E paro por aí porque o resto não conheço bem.
E acho que o problema está na maneira com que Vs. encaram o Ultramar. Como uma espécie de bagagem, de estorvo, mais ou menos mitológico. Resquícios de um passado, ou coisa do género. Uma coisa que nos atrasava.
É uma visão possível. Mas não vem daí que quem veja de outra forma seja por causa do império ou do encoberto.
Vs. acham que não se pode ir contra os ventos da história.
Outros acham que ventos da história são cantigas. Pretextos para o forte subjugar o que percepciona fraco.
É a questão do prazo.
De um lado os que vêem aquilo como resistência obstinada aos ventos da história, de outro os que viam apenas um pretexto para nos obrigar a fazer a vontade de outros.
E parece-me que, fazendo uma analogia, Vs. dizem que o miúdo pequenito que não se deixa intimidar pelo grande que o quer intimidar, e dele abusar, o faz porque se acha o próximo Alexandre o Grande ou Napoleão...
Que o melhor que tem a fazer, é amochar e ver se consegue que não lhe roubem a marmita do almoço...
Se isto é a visão de um maníaco obsessivo eu cá não sei. Mas é a minha.
Desiste de si
":OP
Está bem, isso não tem importância.
Eu não sou candidato a nada.
O que se faz aqui sempre me dá algum alento a que eu também faça alguma coisa, e isso é o que tem valor.
Mas também acho que esta polémica com o Dragão, que começou por causa do Caetano, foi à política externa e já vai em Ourique, está a toldar a vista.
Só que eu não me interessa polémica nenhuma com ninguém pela polémica em si, interessa-me esclarecer-me e ajudar a que outros, eventualmente, se esclareçam também. E ajudar a divulgar coisas que eu próprio desconhecia e acho importantes.
E não estou esclarecido com esta história dos mitos como explicação de política externa e ulterior desígnio dos salazaristas mais salazaristas que Salazar, que nem sei quem são na altura em que supostamente isto nos foi prejudicial...
Apenas isso.
Vá lendo.
Ao contrário dos outros, o José escreve para ele próprio e vai pensando as questões enquanto as escreve.
Só que para se entender uma questão- quando se está mesmo interessado em entender- é preciso ter mente aberta e saber "ouvir" em vez de se fechar em trincheiras tribais.
Eu nem sei se estou ou não estou de acordo com o José.
Mas consigo perceber do que ele está a falar.
E sei que é sempre muitíssimo rigoroso, racional e sem tendências ideológicas, o que é uma raridade.
Ah, e não é tolinho, lá por ser mais humilde. É esperto que nem um rato
ehehehehehehe
Aliás, dá para ver pelo Marcello que isto não sou eu a ser obsessivo. A política ultramarina e externa de Marcello foi tão salazarista quanto a de Salazar. Ele podia ter feito referendos e podia ter anunciado auto-determinações. Não o fez. E diz porque o não fez: não havia nem se tinham atingido as condições necessárias para que tal coisa fosse produtiva.
Ele acreditava que as coisas podiam era andar mais depressa.
E aqui é discutível se o andar mais depressa não acabou por atrasar e eventualmente deitar tudo a perder.
Mas no que toca a política externa, não se alterou nada de significativo, apesar de supostamente as visões em relação ao Ultramar serem diferentes e ele não enfermar da putativa "imperialite"...
Os mitos não explicam isto.
Eu vou lendo sim. E digo o que não compreendo.
Isso não é ser tribal. Nem estar em trincheiras ideológicas.
Se pensam que é por isso estão enganados. E eu tentei ilustrar com os exemplos de todos os regimes e governos anteriores ao EN. E a questão surgiu muitas vezes.
Mas depois estes argumentos não têm resposta, ou as questões deixam de interessar...
Mas pronto, o José que procure lá os mitos e donde eles vêm. Aposto que vai encontrar coisas interessantíssimas.
Pelo meu lado, vou continuar na minha obsessão que já levou daqui alento para mais um bocado.
Pode ser que contribuam para desfazer outros mitos, que, ao menos, nem bonitos são como estes que aqui se mostram.
"Aliás, dá para ver pelo Marcello que isto não sou eu a ser obsessivo. A política ultramarina e externa de Marcello foi tão salazarista quanto a de Salazar. Ele podia ter feito referendos e podia ter anunciado auto-determinações. Não o fez. E diz porque o não fez: não havia nem se tinham atingido as condições necessárias para que tal coisa fosse produtiva."
Já estamos de acordo e como V. se apresenta como eu, ou seja a tentar compreender, reato o diálogo.
O que não suporto são enfatuados como o Dragão tem sido.
Se se baixar e rebaixar e retomar o diálogo, apresentando humildade necessária, estaremos sempre de acordo.
Com soberbas supérfluas e atitudes de -eu é que sei e quem nao pensa assim é verme, -deixo de ouvir. Só fico a ver esbracejar e nada mais.
Agora vamos ao que interessa:
não acho nada que este assunto de Ourique e dos mitos não interesse para nada.
O Franco Nogueira não seria mitológico no sentido apontado, dou de barato, mas não conheço bem.
Agora, que essa mitologia tem muito interesse para contextualizar o que se passou em 1940, 50 e 60, tem.
E Salazar era herdeiro disso.
Estou novamente a ler o que disseram de Salazar e fico embasbacado com algumas coisas que me fazem admirar o indivíduo.
Porém, continua uma espécie de enigma que só resolvo com uma noção: a de que era genuinamente rústico e ao mesmo tempo com uma mente intelectualmente muito desenvolvida no entendimento do que eram as pessoas.
Julgava que o tipo era mesmo do género autoritário e ditador e agora acho que não era nada assim.
Julgava até que poderia ser um pequeno cobarde e fiquei com a impressão do contrário, agora.
Enfim, é um indivíduo digno de estudo.
Há quem lhe aponte a soberba como atributo principal. Nem sei se será mesmo assim, porque há coisas que não condizem com esse retrato psicológico.
Porque é que acho que o conhecimento ou estudo desses mitos básicos é importante:
Desde o Estado Novo que a ideia de História de Portugal, contada nesse tempo e apresentada como versão oficial do nosso passado é a que religa esses mitos.
Sem os conhecer não é possível saber todo o contexto da noção de Pátria, ou de Nacionalismo que os próceres do salazarismo, incluindo Franco Nogueira, professavam.
As decisões que tomavam e as ideias que transmitiam traziam sempre essa carga de peso da Pátria com o lastro dessa História.
Por isso é que o americano percebeu que afinal Salazar tinha como conselheiros aqueles nossos antepassados ilustres.
Isso resume de algum modo tudo o que se pode dizer sobre a nossa mitologia nacional.
Por exemplo, mas famílias, há pessoas que dão um valor inestimável às tradições dos seus antepassados. E respeitam o que diziam e deixaram escrito.
E há pessoas que respeitando, tentam não cometer loucuras ou puxando melhor o racionalismo decidem por vezes com sacrifício do que os antepassados disseram ou fizeram.
O segredo está no equlíbrio.
Marcello para mim tinha esse equilíbrio. Salazar era de outro tempo e não teve tempo de mudar.
Mas com a inteligência que tinha mudaria de certeza.
A "casmurrice" de Salazar em relação aos americanos, ou seja a sua recusa obstinada em ceder naquilo que julgava essencial tem a ver com esse respeito pela noção de Pátria que foi herdada.
Se isso tem a ver com os nossos interesses futuros e incertos? Não sei bem.
Salazar pensaria, como aliás Franco Nogueira pensava e tal disse, que Portugal sem as províncias ultramarinas ou "colónias", deixaria de existir?
Não me parece.
Portugal em 1926 não precisava das "colónias" a não ser para mobilar miticamente essa ideia de Pátria.
E Salazar em dois anos equilibrou as finanças públicas, com uma ditadura que aliás não gostava.
Logo...
A questão do "ultimatum" inglês devia ser melhor estudada, quer dizer, por mim, para perceber que ideia de Pátria tinham os da época.
Mais do que o ultimatum, penso que seria produtivo estudar a 1" GG.
Só havia uma questão em relação à qual toda a gente estava de acordo...
Naturalmente é por vezes necessário decidir de maneira contrária aos antepassados.
Porém, é necessário compreender antes de mais, para se poder tomar tal decisão responsavelmente, as razões que levavam os antepassados a decidir como decidiam.
Exactamente e daí a importância se se conhecerem os tais mitos.
De resto, o que o Franco Nogueira disse, também precisa de ser ponderado.
Qual é o sentido da palavra "existir"?
Porque há um sentido em que essa frase se torna verdadeira: sem ultramar, Portugal deixa de existir como país com importância estratégica global.
Faz-nos falta essa importância? Eu creio que sim.
Dava-nos a possibilidade, havendo a lucidez para tal, de transcender a nossa posição periférica. E isto não tem a ver com impérios. Tem que ver com sobreviver, por exemplo, na era das super-potências e aglomerados supra-nacionais.
Por exemplo, fazia de nós interlocutores privilegiados com países como a África do Sul, a Índia ou a Austrália. Para não falar Brasil (para além da afinidade cultural e linguística). Hoje, não temos razão para o ser.
Era crucial para a nossa existência absoluta? Veremos. Para já, não vamos muito bem.
Porque a outra tendência, a centralizadora europeia, está sujeita a uma consideração normalmente esquecida: é muito bonito querer "fazer parte da Europa". Mas para isso também é preciso que a Europa queira que nós façamos parte, em pé de igualdade. Ora isso já não me parece tão claro.
Porque os países europeus pequenos e prósperos não são periféricos em nada: nem na geografia, nem na cultura. Podem navegar mais ou menos o estatuto de protectorado e apoiarem-se numa diplomacia para a qual, em virtude da sua não periferia e afinidade cultural, estão naturalmente dotados.
Nós não. Teremos constantemente de lutar contra a desconfiança e o desconhecimento que a nossa posição periférica nos causa. O Ultramar transformava essa dificuldade numa vantagem ao transformar-nos em intermediários, para o qual a nossa periferia e relativo desconhecimento da nossa cultura nos dava vantagem dos dois lados.
"Era crucial para a nossa existência absoluta? Veremos. Para já, não vamos muito bem."
Exactamente e é assim que também entendo que as questões se devem colocar para poderem ser resolvidas.
Naturalmente, nos interlocutores privilegiados esqueci um que é hoje de imensa importância: a China.
No médio oriente também.
A convicção de Franco Nogueira pode estar certa ou errada. Para mim está errada segundo os pressupostos que julgo entender.
E quando procuro perceber a causa de tal entendimento deparo-me com dificuldades e contradições.
A menos das quais é a da nossa potência militar nos dias modernos.
No séc. XVI levamos a bom porto as campanhas na Índia, com fortificações eficazes.
Hoje, em tempo de arsenais nucleares, é apenas uma fantasia. Perigosa.
A menor das quais não sendo...
No Ultimatum demos de frosques porque não tínhamos poder.
Por isso apostamos ( Salazar apostou) no rearmamento e militarização básicas.
Com Índia Damão e Diu não tínhamos força militar para eles.
Com Angola e Moçambique fomos tendo, mas isso falhar-nos-ia.
Com a inflação de 1973 e a crise do petróleo há quem diga ( Dragão) uma coisa extraordinária e inaudita: Portugal teria uma bancarrota certa logo a seguir. Ou seja, tal como em 1976. Isto é incrível e nem me atrevo a comentar mais.
Porém, se tal fosse assim com Salazar teríamos a mesmíssima coisa. E isso Salazar não suportaria porque o povo não toleraria.
E por isso precisávamos dos americanos.
2 e 2 são 4
A teoria é: Caetano começou a gastar à tripa-forra e por isso se afundaria.
Salazar, esse, nunca cometeria tal erro...
Ora isto é uma falácia. Em 1970, quando Salazar morreu, Portugal tinha que se desenvolver e uma das estratégias era o consumo interno pelo que só se resolveria tal com aumento de salário que era possível porque Portugal crescia a 7% ao ano.
Como é possível argumentar que Portugal poderia continuar a guerra e continuar a viver numa pobreza franciscana que Salazar gostava?
Se eu fosse de adjectivar, a esta teoria teria dito cavado mais fundo no húmus das injúrias.
Sim, mas esse prognóstico do Dragão assenta na concepção económica de Marcello, que diferia da de Salazar.
Salazar não era muito de acelerações. Era muito prudente, muito melindroso. E portanto reconhecia o melindre.
Além do mais, tinha um entendimento das questões económicas e financeiras superior ao de Marcello, provavelmente ao de qualquer pessoa no país e não me admirava que estivesse entre os primeiros do mundo.
É preciso não esquecer que o trabalho de dissertação para o concurso de professor, aos vinte e poucos anos foi "O ágio do ouro".
Em 1970 as pessoas não aceitariam muito tempo a estagnação de 1967.
Lembro-me que os alferes milicianos chegavam cá nessa altura, depois de cumprida a missão, em 71 ou 72 e compravam Fiat 124 ou seja o equivalente hoje a um Mégane.
Jovens, com 26 ou menos anos. E tinham emprego em seguradoras e bancos.
O capitalismo português da época estava imparável e não seria Salazar quem o iria refrear de um modo que prejudicasse a economia.
Salazar era frugal e remediado e julgava que o padrão nacional poderia ser esse.
Estou de acordo até um certo ponto.
Porém, o tempo ( o tal vento da História) era outro e Salazar não o poderia ignorar.
Em 1972 ou para aí ainda havia 360 mil fogos sem luz eléctrica.
As reportagens da revista Observador que fui publicando dão uma imagem perfeita, a meu ver, do que era o Portugal de Caetano.
E tinha razões para se desenvolver ainda mais sem bancarrota alguma que para mim, seria coisa impensável nesse governante.
Uma perfeita hecatombe pessoal se tal acontecesse. Uma vergonha que o conduziria à morte moral.
Não creio sequer que tal possa ou deva ser equacionado como possível.
Também não creio nisso. Mas acho que o propósito do Dragão era mostrar que o caminho é perigoso, e ilusório porque muito melindroso, e se Marcello tinha a lucidez e a ombridade de arrepiar o dito se visse que era caso para tal, e ainda fosse a tempo de o fazer, os peregrinos sucessores nem por isso.
Era uma diferença fundamental de personalidade: Marcello estava disposto a correr mais riscos e como tal estava mais sujeito a que as coisas lhe escapassem da mão. Vê-se até pelos colaboradores com que se rodeou, que acho foram a sua fraqueza crucial.
Salazar não. Preferia sempre ir pelo seguro.
Acho que não entendi nada. A hipótese do José é que Salazar teimava em manter as colónias (contra os ventos da História) por causa do mito do V Império?
Acho que a teimosia era muito mais real, prendia-se sobretudo com a noção de Pátria, com razões morais, com aspectos económicos e com a forma como é visto, internacionalmente, um país com a dimensão que tínhamos (sobretudo em águas territoriais).
"O segredo está no equlíbrio.
Marcello para mim tinha esse equilíbrio. Salazar era de outro tempo e não teve tempo de mudar. julgava que o tipo era mesmo do género autoritário e ditador e agora acho que não era nada assim.
Julgava até que poderia ser um pequeno cobarde e fiquei com a impressão do contrário, agora.
Julgava que o tipo era mesmo do género autoritário e ditador e agora acho que não era nada assim.
Enfim, é um indivíduo digno de estudo.
Mas com a inteligência que tinha mudaria de certeza."
Caramba, José!, até qu'enfim que leio as frases por que esperava escritas por si (embora o José já tenha deixado por aqui, há anos talvez, algo de bastante semelhante). Os meus duplos parabéns! Estes seus testemunhos são de antologia, dignos de ficarem registados para a posteridade se mais não fora por duas razões de peso.
Primeira, pelo seu autor ser alguém profundamente esclarecido bem como possuidor de uma inteligência muito acima da média. Segunda, porque elas traduzem de facto a essência do pensamento político de Salazar, a sua absoluta genuinidade como pessoa e a prossecução da sua acção governativa criteriosa e sábia sem munca vacilar ou desanimar perante as múltiplas adversidades e as ameaças vindas do interior e do exterior do País, seguindo uma conduta d'acção rigorosa por si antecipadamente traçada e jamais interrompida, sem nunca tergiversar e muito menos desanimar por um segundo sequer que fosse.
Seria Salazar casmurro? Teimoso? Prepotente? Intolerante? Obstinado? Terá porventura sido um pouco de tudo isto ou talvez não. Do que ninguém o pode acusar foi de não ter sido um defensor inflexível das agressões do inimigo contra o território português no seu todo, bem como um intransigente protector dos portugueses quanto à sua segurança absoluta e ausência total de violência. Estas traduzidas no que um povo afinal mais acarinha, agradece e louva: uma alegria singela e uma felicidade genuína, usufruídas dia após dia, que nos confortavam o coração e nos aqueciam a alma.
Salazar podia ter tido todos os defeitos do mundo e alguns teria, mas possuía pelo menos duas qualidades excepcionais, sendo as principais e imprescindíveis que caracterizam um governante, na verdade um Estadista e que anulavam (ou faziam esquecer) pràticamente todos os seus defeitos e que eram claramente perceptíveis por todos os portugueses e por estes aceites de bom-grado enquanto governou. Foi um Português de cepa e um Patriota acima de todas as coisas, que por tudo quanto fez por Portugal e foi muito, perdurará na memória de todos nós e ser-lhe-á prestado tributo pelas futuras gerações, nos séculos a advir, igual ao que a presente faz aos seus Heróis passados.
José, permita-me que deixe duas opiniões sinceras, um das quais vai d'encontro à sua, digamos, pouca aceitação d'algumas opinões de Muja.
Na minha humilde opinião, este seu leitor leal e atento, que muito o considera, é uma pessoa extremamente inteligente, um investigador incansável da nossa História recente e passada, que dialoga sincera e honestamente, um sabedor profundo do que diz e escreve. Por todos estes motivos é um prazer enorme ler os seus interesantes e, na minha perpectiva, lógicos e razoáveis comentários - concorde-se com eles ou não, cada qual tem direito à sua opinião - cuja atempada e igualmente inteligente contra-argumentação da parte do José enriquece imensamente os debates que por aqui vão decorrendo, assim como empresta a este seu nobre espaço blogosférico um prestígio só alcançado por alguns outros de igual valor.
Obs.: Não conheço de parte alguma Muja nem ele me passou procuração para o defender. Achei-me porém no dever de o fazer face a alguns ataques, civilizados, esclareça-se, por que tem aqui passado, a que se junta o facto de ser grande admiradora de tudo quanto ele escreve. And last but not least... pelas suas opiniões serem coincidentes com as minhas.
Uma palavrinha de muito apreço ao Apache com cujos comentários e opiniões neles expressas, que muito me agrada ler, estou pràticamente sempre d'acordo.
Ainda um elogio especial para o sapientíssimo e diligente Floribundus, que sempre me surpreende com certos adágios curiosíssimos e mais ainda com importantes informações e preciosos dados históricos de um passado longínquo (e também recente e pelo que se deduz das suas palavras muito tem padecido) que nos vai transmitindo, graças a uma memória prodigiosa a que se soma uma vastíssima cultura e uma não menor erudição.
Leia-se: "Na minha humilde maneira de ver..." (duas palavras iguais e muito próximas entre si significa uma redundância desnecessária).
"... interessantes"
"... (e também recente, durante o qual, pelo que se deduz das suas palavras, muito terá padecido)"
Obrigado pela atenção, Maria.
Com a inflação de 1973 e a crise do petróleo há quem diga ( Dragão) uma coisa extraordinária e inaudita: Portugal teria uma bancarrota certa logo a seguir. Ou seja, tal como em 1976. Isto é incrível e nem me atrevo a comentar mais.
Porém, se tal fosse assim com Salazar teríamos a mesmíssima coisa. E isso Salazar não suportaria porque o povo não toleraria.
José,
Este post abaixo traduz em números a semântica do Dragão (e ele tem razão).
http://viriatosdaeconomia.blogspot.pt/2013/07/breve-historia-da-inflacao-em-portugal.html
Obrigado, Maria. É simpatia sua, que retribuo agradecendo os seus comentários.
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