sexta-feira, junho 19, 2015

Caso Marquês: a irmandade em falta...

O acórdão do TRLisboa sobre a questão da "especial complexidade" do processo da Operação Marquês suscita algumas perplexidades e preocupações.

À míngua de um acesso integral ao seu teor e particularmente à declaração de voto de um dos desembargadores- José Alberto Martins dos Reis, novel desembargador na 3º Secção Criminal do TRL, com cerca de 25 anos de serviço, depois de ter sido juiz nas Varas Criminais de Lisboa...- socorro-me das transcrições que o jornal Sol desta Sexta-Feira efectua para mostrar que esse juiz considera que "branqueamento e corrupção são faces da mesma moeda, irmãos siameses da mesma mãe. Se um falta dificilmente se pode falar em irmandade. "

Logo em seguida conclui que não há "descrição da origem dos fluxos financeiros", para evidenciar que a falta de tal origem impossibilita a definição da genealogia criminosa e fica-se apenas com um filho bastardo que obrigaria à libertação imediata do prisioneiro vítima desta cabala agora enunciada por um desembargador, porque não existindo nada se está a investigar o vazio, ou vice-versa...

Portanto, o que temos no processo e nos foi dado publicamente a conhecer através da divulgação do conteúdo de peças processuais, em segredo de justiça que já não o é de todo, é um "abundante achado de fluxos financeiros" na expressão do desembargador que é...nada.
Todo o conteúdo argumentativo dos vários juízes desembargadores e conselheiros sobre a consistência de indícios fortes dos crimes imputados resulta afinal num nada embrulhado num vazio.

Preocupante, sem dúvida e a merecer melhor análise do acórdão e desse voto de vencido, com um pormenor estranho: o desembargador em  causa não se limitou a juntar o seu voto de vencido, mas integrou-o com o projecto de acórdão que elaborou.

Sobre este assunto nada mais se poderá de dizer de relevante sem ler o tal "projecto" libertador do recluso 44.

Para já, no entanto e para complicar um pouco mais estas considerações, deixou um pequeno excerto de um estudo de 2013, da autoria da drª Ana Brito, no CEJ , sobre o valor da prova indirecta em processo penal.



 "(...) a apreciação das provas indirectas pressupõe “grande capacidade e bom senso do julgador”, que “as complexas operações mentais que o manejo da prova indiciária implica exigem raras qualidades”

E enumera: “inteligência clara e objectiva, experiência esclarecida,integridade de carácter, ausência de fácil ou emotiva impressionabilidade”.

Avançaria três notas elementares:

- A prova indirecta é muito frequente e muito importante.

- Nada impede que a convicção assente exclusivamente em prova indirecta.

- Uma conclusão segura sobre a força persuasiva das provas – directas ou indirectas – retirar-se-á, sempre e só, no concreto caso.

Sobre a força latente da prova indirecta pode ver-se o trabalho de Euclides Dâmaso, dando notícia da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de Madrid sobre provas indirectas.

Aí, em 2007, o autor incita a um “movimento de ultrapassagem dos rígidos cânones de apreciação da prova que leve descomplexadamente à assunção dos critérios da prova indirecta, indiciária ou por presunções, como factores válidos de superação do princípio da presunção da inocência”. 

Se não se enveredar por aqui, temo bem que o processo do Marquês recluso e inocente jurado, fique em águas de bacalhau, atenta a dificuldade em convencer desembargadores, como o referido, para além da prova directa, imediata e evidente que parece ser a única que existe e é aceite como tal.

As provas em processo penal, muito tarifadas, não podem servir apenas para absolver inocentes. Devem servir para aferir a culpa de inocentes excelentíssimos que só por isso o querem ser e portanto suscitam toda a cautela quanto às desculpas que apresentam para os factos devendo o cuidado ser acrescido quando se pretende modificar a natureza dos factos judiciários em políticos.
O senso comum é um dos factores diferenciadores  da tal  "grande capacidade e bom senso do julgador” e podemos pressupor que isso não é dado assente em todas as circunstâncias.


Em tempo:

O Expresso ( Hugo Franco e Rui Gustavo) exulta com esta decisão singular do juiz José Alberto Reis, novel sexagenário do TRL: "Numa extensa declaração, o juiz José Reis arrasa com o trabalho do Ministério Público (em concreto com o do juiz de instrução criminal Carlos Alexandre) no caso que envolve José Sócrates, suspeito dos crimes de fraude fiscal agravada, branqueamento e corrupção."

Não se percebe bem porquê, mas entende-se o motivo exultante: finalmente, depois de mais de uma dúzia de juízes de tribunais superiores dizerem de sua justiça em conformidade com o sentido comum das coisas, aparece um que diz o contrário. É o caso do homem que morde no cão?
Vejamos mais pormenores:

Numa extensa declaração, José Reis arrasa com o trabalho do Ministério Público no caso que envolve o ex-primeiro-ministro, suspeito dos crimes de fraude fiscal agravada, branqueamento e corrupção. 

O magistrado lembra que os dois últimos dois crimes enquadram-se no conceito de criminalidade altamente organizada. Só que, frisa, "criminalidade altamente organizada não significa, só por si, que o procedimento se revele complexo". E nem o facto de o processo contar agora com sete arguidos significa que seja mais complexo. "Trata-se de um número de arguidos frequente, mais que normal e muito longe de ser excepcional". 
Sobre o primeiro interrogatório judicial realizado a Sócrates, logo na altura da sua detenção, em Novembro do ano passado, o juiz considera que em momento algum o arguido "foi confrontado com quaisquer factos ou indícios concretos susceptíveis de integrar o crime de corrupção. E seguramente não o foi porque simplesmente no rol de factos eles inexistem."

Portanto, todos os demais magistrados consideraram o contrário e aparece um a dizer o contrário dos demais...o que deveria desde logo suscitar alguma apreensão e indagação pela simples razão que é estranho. Pura e simplesmente estranho.
Será este juiz o mais fino entre todos os demais  que não viram tal coisa? Será este afinal a referência jurídica fundamental para a resolução do problema que aflige a troupe socialista que apoia o recluso 44 desde a primeira hora, a começar pelo decano deles todos, com declarações deste género?
O Expresso que assim exulta não nos diz mais porque se limita a transcrever passagens do acórdão só no que respeita ao voto de vencido do referido juiz José Alberto Reis. E nem sequer explica por que razão um relator escolhido para decidir acaba por ficar vencido e afastado da decisão vencedora por maioria, apesar de protestar com junção do projecto da sua decisão como sendo a declaração de voto de vencido.
Sobre as considerações jurídicas vencedoras nada. Nicles. Niente.
Estranho, não é?
Será isto o tal jornalismo de referência?
É, para o Expresso é mesmo assim. E se é, então poderiam dizer mais alguma coisa sobre o tal juiz José Alberto Reis. Por exemplo saber quem é e como se explica esta decisão que dá alento a tanta  gente que andava já com a esperança perdida...
No fundo, a justiça quer-se transparente e o cidadão se souber quem decide este tipo de pleitos ficará mais ciente de que essa justiça se aplica em nome do povo, como manda a Constituição. É que não foi uma máquina a decidir, mas uma pessoa concreta com uma idiosssincrasia concreta e como o caso se configura como de um juiz contra todos é uma situação de alcance noticioso notório.

Ou não será?

Ainda em tempo ( Sábado):

O jornal i de hoje traça um breve perfil do juiz em causa. Diz que nasceu em 1952, tem 26 anos de magistratura, dois de Relação onde é auxiliar e..."não é nenhum truta", ou seja, é um mediano como a esmagadora maioria dos magistrados ( e em todas as profissões, aliás). Por outro lado, parece "querer ensaiar algum protagonismo" segundo "um dos magistrados" ouvidos pelo jornal . Mau sinal se for verdade. Para já tem os dez minutos ou dez dias de fama mediática, mas falta perceber o que dizem os colegas que o desacompanharam na decisão algo insólita, pela temeridade que evidencia.

Entretanto, o advogado Araújo que faz do segredo de justiça gato-sapato e diz o que lhe apetece para aviltar a magistratura, anda a proclamar agora que a Justiça em Portugal é dominada totalmente  pelo Ministério Público ( "João Araújo, advogado do ex-primeiro-ministro José Sócrates, considerou na sexta-feira que há um “domínio absoluto do Ministério Público” em Portugal e o país atravessa uma situação “perigosa” na Justiça.") e acolita-se com uma luminária de um senso aperfeiçoado como Garcia Pereira ( o que representou  um tal Pequito e queria à viva força perseguir meio mundo, incitando o MºPº de Cunha Rodrigues a tal tarefa inquisitória) e que agora diz que este Ministério Público anda dominado pela "direita e extrema-direita".

São estes cromos que agora aparecem com os holofotes todos focados a dizer da sua Justiça particular em defesa dos seus interesses privativos de causas evidentes e sombrias. 

No caso do advogado Araújo, antigo defensor de supostos terroristas das FP25,  sabemos já de ginjeira o que pretende: mediatizar de tal modo o caso do Marquês e radicalizar o assunto de molde a colocar a discussão fora dos factos e no âmbito político, .a fim de salvar o cliente excelentíssimo de uns dez anos de prisão que se afiguram mais que prováveis... se forem provados os factos já conhecidos.
Quanto à luminária Garcia Pereira ainda continua no MRPP, um partido cuja representação é um colosso democrático de meia dúzia de saudosos do maoismo.

A loucura em Portugal, com estes indivíduos na ribalta, parece ser o costume a que nos habituaram há 40 anos. Porém, já é mais que tempo para lançar estes cromos no caixote de lixo da História e não os repetirem sempre que surgem casos de atentado ao senso mais chão.

Isso para que a inteligência mediana do jornalismo não sofra ataques tão solertes e não caia nas mãos de um prec serôdio e de efeitos deletérios.

Questuber! Mais um escândalo!