terça-feira, fevereiro 25, 2020

Carnaval, há 50 anos

O Carnaval de 1970 calhou na semana de 7 a 10 de Fevereiro. Revendo as revistas desse tempo o destaque foi moderado.

No dia 1 de Fevereiro publicou-se a Mundo Moderno, quinzenal e  que dava duas páginas ilustradas com motivos alusivos e sem grande interesse.


Outra revista de espectáculos- Rádio & Televisão- de 7 de Fevereiro de 1970 dava um destaque de "número dedicado ao Carnaval", com pouca substância dentro.

No interior, na parte dedicada ao assunto, estas duas páginas com um concurso de adivinhas e nada mais:


A programação de tv, detalhada, dos dias de Carnaval. Uma belíssima programação, ainda hoje:


No grupo de O Século, a revista Século Ilustrado era a estrela. No número saído em 7 de Fevereiro de 1970 nada a lembrar o Carnaval, mas tinha uma notícia interessante, sobre um leilão de arte em que foi arrematado por 1300 contos um quadro de Almada Negreiros, retratando Fernando Pessoa.
Entre os licitantes estava um conhecido defensor dos "gostos e interesses do industrial Jorge de Melo" mas não foi tão longe nos lances quanto um outro conhecedor do meio.

Assim, quem o arrematou por tal quantia exorbitante para a época, foi um comerciante de arte, um "marchand" de Lisboa, antiquário de origem russa e alemã, naturalizado português, fugido à Alemanha anterior à guerra,  Obviamente judeu mas não é dada tal informação pela jornalista que é Maria Antónia Palla, mãe do actual primeiro-ministro.

O que o mesmo diz sobre o mercado da arte a partir de então é interessante porque revela o espírito especulador que se veio a revelar certeiro e inevitável. Quanto ao autor, Almada Negreiros, então ainda vivo ( até tinha ido no ano anterior ao Zip-Zip) vendera a obra-prima, 16 anos antes a um tal Fernando Guisado, por...30 contos. e depois disso a Gulbenkian tinha recusado uma proposta de venda por 400 contos. O administrador da fundação devia ser o Perdigão. E o curador de arte um perdigoto.


Sobre este quadro poder ler-se aqui o seguinte que complementa a informação de que adquirente no leilão já tinha um comprador para o mesmo:

O banqueiro Jorge de Brito, que ainda em 1970 comprou a pintura a Mitnitzky no Salão de Antiguidades, doou-o anos mais tarde à Câmara Municipal de Lisboa, e actualmente pode ser visto na Casa Fernando Pessoa.

Em 1964, Almada Negreiros realizou uma cópia deste quadro, uma simetria do primeiro, que foi encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian.

Ambos os quadros representam Fernando Pessoa sentado num restaurante (discutido muitas vezes qual restaurante é, existindo como hipóteses: Irmãos Unidos, Martinho da Arcada e Brasileira) com o número dois de Orpheu sobre a mesa

A mesma Palla escreve sobre outro fait-divers: a morte do filósofo Bertrand Russel, o "filósofo da felicidade e da paz", obviamente um filósofo caro à esquerda utópica: "no cumprimento das suas ideias, colabora com todas as organizações que se propõem defender a paz mundial e ataca, intransigentemente, todas as manifestações imperialistas, sejam elas a intervenção dos Estados Unidos no Vietname ou da União Soviética na Checoslováquia."  Isto é da lavra da jornalista...que só não referiu a nossa "guerra imperialista" nas então províncias ultramarinas porque havia censura. Mas o recado estava dado...


Aliás, este filósofo de utopias esquerdistas era indivíduo muito estimado no grupo de O Século. No ano anterior, em 1 de Agosto de 1969 até tinha dado a capa, com foto do homenzinho tramado pelo símbolo hippie. No interior várias páginas consagradas à filosofia do indivíduo. Sem censura.


Era este o caldo de cultura mediática que originou o 25 de Abril de 1974 e parece que não haverá muitas dúvidas disso porque não havia contraponto para denunciar a verdadeira filosofia de Russell e os propósitos a que conduziria.
Tal contrapondo inexistente não se fazia mediaticamente porque a maioria dos órgãos de informação escrita estava nas mãos e mentes da ideologia das Pallas...nos olhos.

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