domingo, setembro 24, 2023

O Ministério Público é uno...mas os seus magistrados obedecem à legalidade e objectividade


Este artigo de opinião, no Observador,  de um jurista sobre o Ministério Público e os seus magistrados, em processo penal, coloca questões interessantes e enganadoras. a meu ver. 

 



 




O ponto de vista do autor do artigo é o de que as acusações deduzidas por um Ministério Público uno, ou seja, interligado na respectiva hierarquia, e cujas decisões individuais o comprometem num todo, deviam ser sustentadas nas diversas fases processuais, mormente na última e principal fase, a de julgamento, por aqueles magistrados que a deduziram efectivamente. 

A justificação para tal reside na circunstância de nos processos mais complexos e com milhares de páginas, ser relativamente mais fácil o acompanhamento até ao fim do processo de quem trabalhou inicialmente no inquérito e deduziu a acusação. 
Efectivamente assim será, como é evidente. Porém, há outros factores a ter em conta na dificuldade em realizar tal desiderato. 
Não se trata apenas da diversidade estrutural do MºPº nos diversos departamentos, desde a fase de inquérito, passando pela instrução e terminando na de julgamento. Seria difícil conciliar tarefas diversificadas nessas fases, entregando-as ao mesmo magistrado quando este se encontra em departamento diferente daquele para o qual transita o processo. Se tal suceder, fatalmente haverá disfunção operacional nos respectivos departamentos e tal não é questão de somenos. O quadro de magistrados do MºPº, em todas as instâncias atinge neste momento um número um pouco superior a 1500, em efectividade de funções. Ou seja, há escritórios de advogados que congregam quase um quinto de profissionais totais do MºPº...
Por outro lado e para mim essa é a questão mais importante, o papel do magistrado que dirige o inquérito é  fundamental na recolha dos elementos factuais e na sintetização dos mesmos numa peça acusatória, que pode ser isso mesmo, sintética qb e capaz de abarcar tudo o que um inquérito contém de relevante para a definição do objecto da acusação, assim definida. No entanto, após tal tarefa de sintetização, o mais importante é perceber em relação a cada facto, onde está a prova do mesmo, em documentos ou depoimentos prestados ou a prestar. 
E isso, o magistrado que investigou saberá melhor à partida onde procurar, porque sabe onde encontrar. Porém, o o estudo processual do magistrado que representará o MºPº no julgamento será sempre necessário e não se afigura susceptível de justificar aquela alteração na estrutura organizativa do MºPº, salvo casos muito contados e de complexidade para além do normal. 
Por outro lado, há uma circunstância muito importante que permite outro efeito não referido no artigo do jurista: nem todos os magistrados do MºPº têm ou devem ter um entendimento uniforme acerca do mesmo assunto jurídico e mormente relacionado com os factos em julgamento. 
Seria preferível que assim fosse, ou seja, que houvesse sintonia entre a posição jurídica do magistrado que investigou e acusou e aquele que está no julgamento, mas isso nem sempre sucede desse modo. 
E tal acontece porque quem investiga e deduz acusações pode cometer mais facilmente um pecado fatal para a justiça concreta: assumir o MºPº como parte interessada em determinado desfecho, mormente o de eventual condenação, esquecendo, mesmo involuntariamente, a obrigação estrita de obediência ao princípio da objectividade, para já não falar da legalidade. 

O MºPº, sendo uno, não deve ser unificado num entendimento jurídico relativamente aos factos da vida real, tendencialmente distorcido nesse dever de objectividade e tal acontece frequentemente, a meu ver. Daí as tais absolvições a que o artigo se refere.  
A lei processual penal define o que deve pautar uma acusação criminal: conter factos, indícios e provas que constituam um acervo suficiente para se entender que existe pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. 
Este entendimento é por vezes demasiado subjectivo e inquinado por práticas processuais que deixam os princípios de direito penal a ver alguns navios distantes, porque há uma rotina de procedimentos no MºPº que tal encoraja e justifica, mormente as inspecções. 
É muito mais fácil, barato em termos de tempo e esforço e rende muito mais mérito ao magistrado, acusar do que arquivar processos em que os indícios dos crimes sejam de algum modo duvidosos. Na dúvida, acusa-se...e por isso, perante as dúvidas consolidadas em julgamento, os juízes absolvem. 
Os magistrados do MºPº que assim actuam, e a meu ver serão mesmo a maioria esmagadora, esquecem aqueles princípios e pautam-se pela facilidade que lhes garante mais resultados profissionais, olvidando de caminho o que significa para um acusado algo que pode não ser justo. Quando tal acontece em termos claros, o abuso de poder não anda longe. 
É este, para mim, um dos pontos fundamentais do MºPº actual que temos em Portugal: a rotina e a ausência de verdadeira personalidade dos magistrados que na maioria dos casos se tornam apenas carreiristas, porque não têm nenhuma vantagem em não o ser...

Daí que um magistrado de julgamento, diferente do que efectuou a investigação criminal em inquérito possa efectivamente constituir uma maior garantia de objectividade e de aplicação da justiça como deve ser: a de dar a cada um aquilo que merece. 
E sobre este fenómeno não vejo ninguém a escrever. Ou sequer a falar no assunto...

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