Hoje comprei o Correio da Manhã por causa da capa que é esta:
O termo "luxo" e "saldo" fez-me arrebitar o bestunto e tentar perceber o significado dos nomes, julgando logo que estaria perante um artigo da celebrada epítome do rigor, adequação e sensatez jornalística que assina como Tânia Laranjo.
Não era. Afinal até era assinado por pessoas que aprecio e respeito. A perplexidade, porém, aumentou à medida que li o artigo...
Qual a questão central do "luxo" e do "saldo", afinal? Ora, uma avaliação do preço das obras da casa e o valor patrimonial tributário que lhe foi dado pela Repartição de Finanças local.
Consultando através de uns clicks, ( o que pressuponho que os jornalistas tenham feito...) conclui-se:
"O Valor Patrimonial Tributário corresponde ao valor administrativo do imóvel que serve de base ao cálculo do IMI e do IMT, por exemplo.
O cálculo do Valor Patrimonial Tributário (VPT) permite à Autoridade Tributária avaliar os ativos imobiliários em Portugal.
Como tal, sabemos que o VPT não representa o valor comercial do imóvel, mas antes o valor fiscal do imóvel.
Assim, o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) incide sobre o VPT dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, o que constitui receita dos municípios onde os mesmos se localizam.
Para isso, o VPT deve ser determinado por avaliação, com base na declaração do sujeito passivo."
Lendo isto, onde é que fica o sumo da notícia e até o lead? Num tinteiro fundo de águas turvas- é o que me parece. Vejamos:
Quem lê o título da primeira página, a gritar sensacionalismo por todas as teclas, fica perplexo quando percebe que afinal o "sujeito passivo" fez o que toda a gente faz, eventualmente quem escreveu a notícia: deu conta das suas contas e o Fisco contabilizou como devia contabilizar. Há alguma irregularidade, mesmo fiscal ou ética? Nem sombra, segundo me parece...e o mais engraçado é que na própria notícia se dá conta disso ao escrever-se que "o Fisco atribuiu à casa um VPT de cerca de 575 mil euros, em 2022".
Ora, lendo estas coisas ocorreram-me outras com uma pergunta sempre a impôr-se: Porquê isto, este jornalismo da sensação que é o equivalente ao populismo político mais rasca?
Há apenas uma explicação: dinheiro! Sobreviver com o maior lucro possível na selva mediática da actualidade, ou seja, mais populismo que o populismo porque aprimorado com o sensacionalismo que se afigura algo hipócrita, lendo crónicas nobres como esta, da Sábado desta semana:
É fácil escrever assim e Eduardo Dâmaso tem-no feito muitas vezes, sempre a bater na mesma tecla e tenho-a replicado por aqui quando se justifica- e tal acontece muitas vezes, embora o tema seja sempre o mesmo e a ideia uma réplica de uma ética repetida: há gente que se aproveita da política para levar a sua vidinha, sem uma pontinha de idealismo que se veja, a não ser para si e os seus...
Não obstante, meter tudo na mesma panela de uma sopa desta pedra rolante pode ser perigoso porque aviva precisamente o populismo e tal já é evidente através de um fenómeno que se comenta também aqui nesta crónica da Sábado de hoje:
Os responsáveis da antiga Cofina e os seus jornalistas não sabem disto? Estão carequinhas de saber...só que...lá está: sobreviver economicamente nesta selva é difícil e torna-se tudo muito mais facilitado quando se justifica essa autêntica irresponsabilidade através de um autoconvencimento acerca de um serviço cívico mediático que pode muito bem ser deletério e contraproducente.
Afirmar que o jornalismo é imprescindível para dar a conhecer estes fenómenos é de uma evidência que grita mas esconde uma outra: não vale tudo e logo que se perceba o logro o melhor é recuar e pedir...desculpa. Antes de o mal estar consumado e tendo em atenção que o populismo é mesmo um mal e o sensacionalismo a sua arma preferida.
Deste modo, o CM, a Sábado e o Chega são aliados objectivos nesta cruzada, embora os objectivos sejam aparentemente diversos. Só aparentemente porque todos andamos ao mesmo: a vidinha. É ou não é assim?! Mas...não vale tudo.
Esta campanha contra o Montenegro começou há um mês e teve o seu início em 15 de Fevereiro com esta cronologia, apresentada com grande pompa na edição do jornal de 16 de Março de 2025, Domingo, entre notícias variadas e anúncios ainda mais diversos acerca...bem, acerca do costume: prostituição a que o CM alegremente dá cobertura de há anos a esta parte num exercício activo de lenocínio consentido pelas autoridades e isso nem parece chocar nenhum dos jornalistas da casa. E porquê? Pelo mesmo motivo pelo qual se fazem capas como as de hoje do jornal e outras que aqui estão:
Em todas estas notícias, algumas delas, como a de hoje, pseudo-notícias, não há e não houve uma única vez a preocupação em dilucidar a verdade por trás da suspeita. É curioso que um dos títulos do jornal, o da edição de 6 de Março seja " Risco de obras ilegais nas casas de Montenegro". Repare-se no cuidado com o "risco"...e que vale para se acolher a uma inocência salvífica.
Também fiquei perplexo com essa, mas tirei as dúvidas através do Observador que deu a notícia de que as inspecções da CML às casas tinham dado com "os burros na água" ou seja, com a ausência de qualquer ilegalidade detectada.
Onde ficou a primeira página do jornal a anunciar que errou ou pelo menos a corrigir o tiro ao lado? Não houve porque isso não é sensacional e portanto nem sequer seria populista. Mas...onde fica o exercício do mais básico contraditório, qual seja o de averiguar se a notícia teria fundamento real para além da aparente verossimilhança que poderia não se verificar? Antes de publicar tal "risco"?
É isto um jornalismo digno de crónicas tão solenes como aquela? Não é, desculpem todos, mas não é.
Principalmente quando se investiga a origem do dinheiro, das casas e casinhas do visado, onde nem sequer falta a menção a "família e o amigo", numa associação que o contexto político não deixa de perceber exactamente o que pretende seja passado como ideia básica: são todos iguais e todos trafulhas à espera da oportunidade para mergulhar no pote do dinheiro público.
Este jornalismo enviesado e já numa fuga para a frente, parece-me subsidiário do sórdido populismo travestido de sensacionalismo político.
Populismo mediático que aproveita ao sensacionalismo político- é o que me parece.
Em Democracia não vale tudo e muito menos em nome de uma moral que se afigura hipócrita e mistura casos e casinhos com casarões em Paris e arredores.
Triste. Principalmente quando depois de se ter feito mal se faz a caramunha também, como no caso de Miguel Macedo...