
"O caso que o CM hoje publica sobre uma investigação ao presidente da Câmara de Braga, Mesquita Machado, é exemplar sobre aquilo que a nossa Justiça não alcança e por que não alcança. Uma investigação ao património do autarca, no poder há 32 anos, demorou oito anos mas não chegou a conclusão nenhuma.
Melhor: concluiu que o enriquecimento de Mesquita tem muitas zonas de sombra mas não consegue atribuir-lhe uma origem ilícita. Tudo isto apesar dos factos do processo e das ligações perigosas a empreiteiros, onde avulta a Bragaparques. Suspeitas de corrupção, tráfico de influências e outros indícios perpassam pelo inquérito, na tentativa de explicar o património de Mesquita, mas a Justiça não chegou a lado nenhum. E não chegou porque a possibilidade de atingir este tipo de interesses está absolutamente blindada na Lei e nos meios de investigação.
Não há crime de enriquecimento ilícito em Portugal e é impossível provar, neste tipo de casos, uma relação directa entre um favor no domínio da decisão política e o recebimento de uma contrapartida. A corrupção em Portugal funciona de forma totalmente diferente do espírito das leis existentes – mas como todos preferem viver nesta podre democracia formal do que partir a louça, cá vamos cantando e rindo, como se tudo estivesse bem no podre reino da Dinamarca."
Ao contrário do que Dâmaso escreve, a excelente reportagem da autoria de três jornalistas (incluindo Tânia Laranjo), pode ser exemplar daquilo que a Justiça não alcança, mas não por que não alcança.
Para este efeito, seria necessário compreender e ir um pouco mais além. Tentemos, então.
O caso começou há quase dez anos, por uma denúncia não anónima, de um vereador do PP. Como é que se investigou, segundo o jornal?
Investigação da PJ do Porto, com análise de contas bancárias, o que implica uma autorização judicial para tal e trabalho de comparação com os rendimentos do autarca e família.
Como se sabe muito bem, nestes casos e não necessariamente o concreto de que fala a notícia, "o dinheiro não fala" e as explicações para a sua origem, podem ser as mais fantasiosas que a ausência de outros indícios comprovadores de malfeitoria, sossegam os implicados.
Já foi assim no caso daquele senhor de Matosinhos e noutros por esse pais fora em que os sobrinhos dão azar.
Esse azar, no entanto, só bate à porta dos poucos ingénuos que não sabem defender-se com boas explicações ou são apanhados com a boca na botija. Por isso, há poucos casos, uma vez que a investigação policial, nestes assuntos, é sempre a posteriori e por denúncias de rivais ou parceiras despeitadas, apressadas e que geram resultados cegos.
O despacho do titular daquele processo, no Ministério Público, segundo o jornal, é taxativo: "não se consegue afirmar que foi este ou aquele quem corrompeu e determinar quem foi corrompido, ou sequer se terá havido corrupção".
Nestes casos ( e não necessariamente no caso concreto em causa), o velho ditado sobre quem vende cabritos, sem ter cabras, fica totalmente ultrapassado nesta lógica de apuramento processual de factos. Há cabritos, não há cabras... mas sobram cabrões.
Este mistério da natureza, não suscita qualquer atenção especial das autoridades que devem investigar, para ultrapassar a dificuldade em encontrar as megeras. Nem tão pouco, preocupação de maior. A estatística cumpre-se com o arquivamento e assim fica, porque mais nenhuma obrigação resta.
Os métodos de investigação não são equacionados ou revelados na notícia, ficando a impressão de que tudo se passou no reino dos papéis e testemunhos deletérios.
Pura e simplesmente, ninguém questiona como se faz uma investigação deste género e se é possível fazer, com as leis processuais que temos. Ou seja, ninguém dos jornais, neste caso do Correio da Manhã, se pergunta como se procuram as cabras, sem perguntar aos cabrões por elas. Como é que se apanham e que armadilhas são legalmente possíveis. Dâmaso conclui, candidamente, que a inexistência de legislação que exija explicações sobre enriquecimento ilícito, é o óbice de vulto para esta inconsequência. Mas não é. A investigação sobre o caminho do enriquecimento não está tapado. Está apenas escondido e é para isso que a investigação deve servir: dar à luz o rebento da verdade.
O Jornal informa ainda que neste caso, foi a PJ do Porto que fez a investigação, durante oito anos.
Nestes casos ( e não necessariamente no caso concreto) não há notícia de escutas telefónicas, de investigação de factos correlacionados e esclarecedores de mistérios e maravilhas, de estratégia especial de investigação ou de métodos eficazes e legalmente admissíveis de obtenção de prova. Tudo se passa como se uma investigação deste género se circunscrevesse a aspectos meramente administrativos e burocráticos: análise de contas, projectos e contradições eventuais nos depoimentos. E assim passa como se uma investigação deste género fosse isto e assim devesse ser.
Na ausência de indícios claros, derivados destes elementos, o resultado previsível está à vista e suscita o comentário do director do Correio da Manhã: uma sensação de impunidade e impotência que o Ministério Público e a Polícia Judiciária não resolvem.
Quem acaba punido, nestes casos irresolúveis, acaba sempre por ser a sociedade em geral. E como se vê, sem saber exactamente porquê.