sábado, fevereiro 14, 2009

A impunidade da impotência


Sobre a notícia que faz capa do Correio da Manhã de hoje, Eduardo Dâmaso, director-adjunto, escreve assim, com o título de "Democracia formal" :

"O caso que o CM hoje publica sobre uma investigação ao presidente da Câmara de Braga, Mesquita Machado, é exemplar sobre aquilo que a nossa Justiça não alcança e por que não alcança. Uma investigação ao património do autarca, no poder há 32 anos, demorou oito anos mas não chegou a conclusão nenhuma.
Melhor: concluiu que o enriquecimento de Mesquita tem muitas zonas de sombra mas não consegue atribuir-lhe uma origem ilícita. Tudo isto apesar dos factos do processo e das ligações perigosas a empreiteiros, onde avulta a Bragaparques. Suspeitas de corrupção, tráfico de influências e outros indícios perpassam pelo inquérito, na tentativa de explicar o património de Mesquita, mas a Justiça não chegou a lado nenhum. E não chegou porque a possibilidade de atingir este tipo de interesses está absolutamente blindada na Lei e nos meios de investigação.
Não há crime de enriquecimento ilícito em Portugal e é impossível provar, neste tipo de casos, uma relação directa entre um favor no domínio da decisão política e o recebimento de uma contrapartida. A corrupção em Portugal funciona de forma totalmente diferente do espírito das leis existentes – mas como todos preferem viver nesta podre democracia formal do que partir a louça, cá vamos cantando e rindo, como se tudo estivesse bem no podre reino da Dinamarca."

Ao contrário do que Dâmaso escreve, a excelente reportagem da autoria de três jornalistas (incluindo Tânia Laranjo), pode ser exemplar daquilo que a Justiça não alcança, mas não por que não alcança.

Para este efeito, seria necessário compreender e ir um pouco mais além. Tentemos, então.

O caso começou há quase dez anos, por uma denúncia não anónima, de um vereador do PP. Como é que se investigou, segundo o jornal?

Investigação da PJ do Porto, com análise de contas bancárias, o que implica uma autorização judicial para tal e trabalho de comparação com os rendimentos do autarca e família.

Como se sabe muito bem, nestes casos e não necessariamente o concreto de que fala a notícia, "o dinheiro não fala" e as explicações para a sua origem, podem ser as mais fantasiosas que a ausência de outros indícios comprovadores de malfeitoria, sossegam os implicados.

Já foi assim no caso daquele senhor de Matosinhos e noutros por esse pais fora em que os sobrinhos dão azar.

Esse azar, no entanto, só bate à porta dos poucos ingénuos que não sabem defender-se com boas explicações ou são apanhados com a boca na botija. Por isso, há poucos casos, uma vez que a investigação policial, nestes assuntos, é sempre a posteriori e por denúncias de rivais ou parceiras despeitadas, apressadas e que geram resultados cegos.

O despacho do titular daquele processo, no Ministério Público, segundo o jornal, é taxativo: "não se consegue afirmar que foi este ou aquele quem corrompeu e determinar quem foi corrompido, ou sequer se terá havido corrupção".

Nestes casos ( e não necessariamente no caso concreto em causa), o velho ditado sobre quem vende cabritos, sem ter cabras, fica totalmente ultrapassado nesta lógica de apuramento processual de factos. Há cabritos, não há cabras... mas sobram cabrões.

Este mistério da natureza, não suscita qualquer atenção especial das autoridades que devem investigar, para ultrapassar a dificuldade em encontrar as megeras. Nem tão pouco, preocupação de maior. A estatística cumpre-se com o arquivamento e assim fica, porque mais nenhuma obrigação resta.

Os métodos de investigação não são equacionados ou revelados na notícia, ficando a impressão de que tudo se passou no reino dos papéis e testemunhos deletérios.

Pura e simplesmente, ninguém questiona como se faz uma investigação deste género e se é possível fazer, com as leis processuais que temos. Ou seja, ninguém dos jornais, neste caso do Correio da Manhã, se pergunta como se procuram as cabras, sem perguntar aos cabrões por elas. Como é que se apanham e que armadilhas são legalmente possíveis. Dâmaso conclui, candidamente, que a inexistência de legislação que exija explicações sobre enriquecimento ilícito, é o óbice de vulto para esta inconsequência. Mas não é. A investigação sobre o caminho do enriquecimento não está tapado. Está apenas escondido e é para isso que a investigação deve servir: dar à luz o rebento da verdade.

O Jornal informa ainda que neste caso, foi a PJ do Porto que fez a investigação, durante oito anos.

Nestes casos ( e não necessariamente no caso concreto) não há notícia de escutas telefónicas, de investigação de factos correlacionados e esclarecedores de mistérios e maravilhas, de estratégia especial de investigação ou de métodos eficazes e legalmente admissíveis de obtenção de prova. Tudo se passa como se uma investigação deste género se circunscrevesse a aspectos meramente administrativos e burocráticos: análise de contas, projectos e contradições eventuais nos depoimentos. E assim passa como se uma investigação deste género fosse isto e assim devesse ser.

Na ausência de indícios claros, derivados destes elementos, o resultado previsível está à vista e suscita o comentário do director do Correio da Manhã: uma sensação de impunidade e impotência que o Ministério Público e a Polícia Judiciária não resolvem.

Quem acaba punido, nestes casos irresolúveis, acaba sempre por ser a sociedade em geral. E como se vê, sem saber exactamente porquê.

21 comentários:

Karocha disse...

Touchê José!

Eu que diga como a investigação funciona em Portugal...
Espero que estejam melhores, as voltas que tive que dar para ajudar!
Só contado...

Anónimo disse...

Os que povoam a AR têm uma responsabilidade absolutamente criminosa e na actual legislatura nem sequer houve preocupação em o esconder, a começar pelo chefe da bancada socialista e associados, que produziu umas frases e opiniões notáveis aquando da "expulsão" de Cravinho. Só uma solução bombástica, exclusiva de algumas pérolas da casa, mudará alguma coisa.

lusitânea disse...

Segundo ouvi dizer são cerca de 30% do PIB que "desaparecem".Sem castigo.Por isso é que eles são como lapas no lugar... não há tempestade que as desagarre!

AAA disse...

De acordo, José. Mas as leis também dão uma ajuda à impunidade geral.
Veja-se, por exemplo, o recente caso da fruta da Pinto da Costa.
Ou não será ssim?

josé disse...

O recente caso de Pinto da Costa e da fruta tem a ver com outra coisa, a meu ver, claro:

A extrema dificuldade que alguns juízes têm em ver. Precisam de toda a claridade quando os factos são obscuros.

Isso costuma ser fatal.

A fruta e o diálogo sobre a mesma, tem interpretações surrealistas e anedóticas até, por causa disso.

Há pessoas que se recusam a ver, mesmo que as coisas estejam claramente à frente dos olhos e da inteligência.

Miguel disse...

A investigação em Portugal tem de ir à pesca com as próprias mãos...tiram-lhes a cana...a rede....e depois pedem peixe!

josé disse...

Não...o problema é que não querem mesmo sujar as mãos. Esperam que lhes tragam o peixe ao prato.

Anónimo disse...

José,
não seja injusto.
Se há alguém com vontade de "chafurdar" são - a maior parte das vezes- os investigadores da PJ. Contudo o MP ( por questões que não se compreendem) trabalham " com pinças" certos processos ( quer um exemplo? O que aconteceu ao processo da Camara da Amadora?).
Uma coisa é certa: 8 anos é tempo demais para investigar ( a menos que sejam necessário aceder a contas off-shore via rogatória) e não lançasr neste caso mão de meios de obtenção de prova como as intercepções é muito estranho.
Só mais duas coisas:
- é estranho como a nossa sociedade convive com os politicos " milionários", ou seja o que enriquecem com a causa pública ( mas não se ganah tão mal????); exemplos há muitos: para além dos inúmeros autarcas: o Dias Loureiro, Duarte Lima, Jorge Coelho and so on.
- penso que o processo em questão deveria ter sido da competência da DCICCEF e não da PJ do Porto ( e muito menos de Braga) há certos crimes - leia-se todos aqueles que não são " crimes de Cenário" - que há muito não deveria ser da competência dos Departamentos da PJ ( agora pomposamente denominados Unidades Locais).
E olhe que falo com conhecimento de causa José, e não violei o segredo de Justiça (......)

josé disse...

Investigador criminal:

Também subscrevo o que escreve.

E hoje o Correio da Manhã dá mais pistas que vou desenvolver daqui a bocado.

Isto está de rastos. Há anos que está assim e ninguém se preocupa seriamente. Todos fazem de conta.

Karocha disse...

Eu nunca fiz de conta José, lutei contra o Sistema e foi o que se viu.
Mas não paro, vou continuar.

Colmeal disse...

Essa da Câmara da Amadora, segundo me contaram é de bradar aos céus ...

Mas o tipo é um Raposão (até de nome ...) e segundo consta também teve uma ascensão "socrática" dentro do partido.
É mais uma para juntar aos "milagres financeiros em proveito próprio" que os nossos autarcas tão bem executam.

Anónimo disse...

Caro José ainda bem que subscreve (ainda que estranhe não defender a sua dama, pois segundo percebi- talvez mal - pertence ao MP ).
Isto efectivamente está de rastos ( ou será de ratos?), mas muito por culpa da Magistratura Judicial e do MP que - salvo raras e honrosas excepções- foram na "onda" da politica, "lugarzinho" ( eu percebo que despachar milhares de processos seja um enfado e que é bem melhor ser Director ou um cargo pomposo - incluindo secretário de estado...... - mas ninguém pediu aos senhores Magistrados para irem para o CEJ...)e depois vem o jeitinho, a consideração neste país de respeitinho e de (ex)celências.
O que a Magistratura ( aliás como outras classes profissionais) ainda não percebeu é que para serem respeitados têm de se dar ao respeito, e olhe que não é veste preta que ipso facto dá isso.....
Só mais uma achega: não acha estranho caro José que com excepção daquele caso com um solicitador há uns anos atrás ( exemplo crasso aliás de incompetência investigatória da PJ) nunca se ouviu falar de corrupção em que o alvo sejam as Magistraturas? Pero que lá hai...

josé disse...

investigador:

V. refere o caso do solicitador, coitado ( já morreu e levou com ele o opróbrio alheio), e bem.

Sabe de quem estamos a falar, não sabe?

Sabe a que nível baixou a pouca-vergonha e o desplante, não sabe?

Sabe o que tenho escrito e algures a propósito da personagem, não sabe? ( esta é retórica, mas só dá a medida da minha indignação).

josé disse...

E outra coisa: ao contrário do que possa parecer, só defendo damas de honor ou seja, as que ainda têm honra profissional.

Karocha disse...

Caro Investigador
Sabe porventura, porque está tudo a sair em catadupa agora?
E não estou a falar do Armando Torres Paulo!!!

Anónimo disse...

José,
ambos sabemos das personagens que estamos a falar ( é um casal....e não é de pombos correio).
Karocha, sai tudo em cataputa como diz como saem ( desculpe a imagem sórdida) os vermes da boca do cadáver quando se lhe destapa a boca . Houve alguém a abafar ( calma Jóse que não foi só o seu colega amigo do Ministro) o caso, mas a pressão dos subditos de Nossa Majestade ( e o azar do Freeport ter sido vendido aos Americas- um fundo do Carlucci e CA- e a contabilidade estar tipo queijo emental) deu nisto. Ele há dias que um gajo só devia fazer projectos para serem aprovados na Covilhã. Foi azar.....E o Tony que já nem dá uma mãozinha.

Karocha disse...

É natural... o Tony já fez o que tinha a fazer e agora charco com eles.
Quanto a casais de pombos correios existem vários, é tão só pegar numa caçadeira e, dar cabo deles, Investigador!

Prof. Coisasdocaneco disse...

Cum caneco e podia ser muito mais do que vem no CM. Bastava que o MM não tivesse sido tão amigo do sogro para pôr tudo quanto recebia ( excepto o vencimento )em nome dele. Abençoado genro! Chatice foi o velho ter morrido tão cedo! Não é que os velhacos dos filhos exigiram fazer partilhas de todos os bens incluindo os que o MM lhe tinha dado?...Por mim estão perdoados por cem anos.

Colmeal disse...

Nesta Câmara de Braga deve ser sempre a "facturar" ...

C. M. - 'Vice' de Mesquita Machado é milionário

Colmeal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Zé de Braga disse...

Para os criminosos de colarinho branco são, os processos quando não caducam, são arquivados por falta de provas (mesmo que existam), mas nunca por inocência. No final ainda pedem avultadas indemnizações.
Coitados dos pobres que por roubarem para comer, levam porrada da polícia e ainda são condenados, apenas por não ter dinheiro.

O Público activista e relapso