terça-feira, fevereiro 10, 2009

A lei do silêncio

Em todos os casos de corrupção, relatados pelos media e que envolvem políticos de topo, topa-se sempre um problema notório e que apesar disso, alguns querem esquecer ou obnubilar, porque dá muito trabalho a investigar: o modo como os partidos políticos obtêm dinheiro para campanhas eleitorais.
Uma das formas de tentar controlar esse cancro que mina a confiança nas instituições democráticas que são os partidos políticos, é a de verificar as contas a posteriori e segundo os documentos enviados pelos próprios partidos.
A entidade que fiscaliza essa contabilidade é o Tribunal Constitucional que aprecia os relatórios da Entidade das Contas, organismo independente e qeu funciona junto do TC, criado expressamente para o efeito, nem sequer há meia dúzia de anos, com grandes proclamações dos habituais núncios, e credibilizadores, em causa própria, do sistema político e que passam atestados de bom comportamento a eles mesmos.
Ao longo destes poucos anos de vida, a Entidade das Contas, tem dado conta que as contas dos partidos e candidatos políticos da democracia, estão geralmente erradas e são passíveis de sanções com a gravidade que as tais proclamações grandiosas dos Albertos Martins, merecem.
Alguma sanção foi alguma vez aplicada, que se visse? Não. Nunca. Tirando um ou outra coimazita discreta, as proclamações grandiosas são para Assembleia ver e jornais relatarem, mostrando o vigor das nossas instituições e transparência dos seus gastos. Todos os partidos colaboram nesta farsa.
Aliás, as sanções são as previstas no artº 24º da Lei de Financiamento: até três anos de prisão ( obrigatoriamente suspensa). Mas isso, só se for apurado algum comprometimento pessoal dos candidatos, directamente. Se não for apurado e isso implica inquéritos criminais aos responsáveis e eleitos, o efeito é simplesmente nulo, como tem sido. Portanto, grande sanção e ainda maior tipificação...
Mesmo assim, com todas essas garantias de impunidade assegurada legalmente, houve chatices entre o presidente do Tribunal Constitucional e o presidente da Entidade de Contas, porque o presidente da Entidade não queria ser apenas um verbo de encher. O presidente do Tribunal Constitucional, que é quem manda, também não gosta de ruídos e prefere o silêncio sobre estas coisas da democracia.
Assim, surgiu o problema que se foi avolumando e o presidente da Entidade das Contas, cansou-se do papel de faz-de-conta, por causa de banalidades como estas relatadas pelos jornais :
Tudo aponta, no entanto, para que as causas sejam internas à própria relação entre o TC e a ECFP (que é o braço técnico do Tribunal para a fiscalização das contas políticas).
O primeiro sinal de algo não ia bem surgiu quando os dois organismos tiveram entendimentos diferentes sobre as contas da candidatura presidencial de Mário Soares (2006).
A Entidade das Contas considerou que deveriam ser considerados financiamentos da campanha, e contabilizados para efeito dos limites legais impostos, iniciativas oferecidas por terceiros à candidatura (por exemplo: almoços e jantares de campanha).
Se essa doutrina tivesse vingado, a irregularidade da candidatura seria punível com pena de um a três anos de prisão.
O TC, a quem compete a apreciação final dos relatórios feitos pela Entidade das Contas, assim não o entendeu. As ofertas não seriam contabilizadas para os limites dos gastos. E assim a candidatura de Mário Soares livrou-se de ser condenada.
Os dois organismos desentenderam-se também sobre a publicidade a dar aos relatórios feitos pela Entidade sobre contas políticas antes de neles serem reflectidas a contra-argumentação dos próprios partidos.
A Entidade achava que podia publicitá-los na net, mas o Tribunal Constitucional proibiu.
Recentemente, José Miguel Fernandes insurgiu-se contra a tentativa da maioria PS de viabilizar no Orçamento do Estado uma mudança legislativa que voltaria a permitir os financiamentos em dinheiro vivo. Representaria uma "mudança conceptual que altera completamente os equilíbrios vigentes".
Vitalino Canas, porta-voz do PS, respondeu com agressividade dizendo que se espera da Entidade "maior eficácia, menos queixas e mais trabalho".
Perante estas sucessivas desautorizações e enxovalhos, vindas do presidente do próprio Tribunal Constitucional e de responsáveis partidários, o presidente José Miguel Fernandes, em Novembro passado, demitiu-se. "Bateu com a porta", escreveram os jornais. Com ruído, mas pouco.
Sem grande alarido mediático que o Freeport ainda vinha longe e o financiamento partidário é coisa de somenos, a não ser para as grandes proclamações de Alberto Martins no Acção Socialista.
Para o seu lugar, foi agora escolhida Margarida Salema. Está portanto garantida a normalidade democrática. E as contas dos partidos relativas à última campanha eleitoral, todas gatadas já estão sossegadas e sem ruído audível. O MP entendeu nada haver de novo, debaixo do sol.
O Sol que dá a notícia em 4.2.2009, diz também o seguinte:
“O pedido de demissão de Miguel Fernandes ocorreu duas semanas depois de o Presidente do TC ter qualificado, em declarações ao SOL, como «ruído desnecessário» alertas da Entidade das Contas sobre o financiamento partidário.
Dias antes, o presidente da Entidade das Contas, citado pelo mesmo semanário, tinha declarado, numa conferência no ISCTE, que é impossível «fiscalizar toda a corrupção que possa existir no financiamento partidário», e lamentou a falta de meios."
Portanto, para o presidente do Tribunal Constitucional, Rui Moura Ramos, estas coisas é só ruído do submundo. Uma vergonha, portanto. E o silêncio, o melhor dos mundos.

5 comentários:

Anónimo disse...

Podridão total! Por falar nisto, reparei que no site da presidência a visita do Governador para prestar contas da situação económica e financeira do Estado não mereceu imagem (há que reparar nos detalhes).

PJMODM disse...

Postal muito pertinente. Parece indesmentível hoje a incapacidade, em termos objectivos, do sistema de repressão criminal (independentemente do que se afigure determinante: regras processuais, direito penal, capacidade subjectiva dos magistrados, vícios das estruturas judiciais, condições operacionais) para lidar com fenómenos de circulação de dinheiro ou outro tipo de transacções dissimuladas no núcleo do poder (em particular os partidos políticos, poderes fácticos e actores dos dois). Fenómenos que mesmo em sociedades onde não se apresentam banalizados, são identificados como um dos principais problemas da democracia que urge combater em nome da mesma democracia. Cá parece que quaisquer pretensões indagatórias são vistas por ameaças à democracia, contra as quais os amigos da democracia desembanham rapidamente a espada (aliás um dos lugares informais mais relevantes no rectângulo é o desses espadachins, como já foi foi ressaltado pelo José em vários posts, destaca-se a omnipresença de um antigo presidente da RTP, classificado por F. Sá Carneiro há uns anos como ministro da propaganda).
Noutros países onde as previsões penais não são verbo de encher ressaltam como dois outros mecanismos fundamentais para as salvaguardas contra a «corrupção», em sentido amplo, a força da administração fiscal e das entidades reguladoras das contas. Em Portugal, aquela há muito que se encontra captada (apesar da sobrevivência de alguns funcionários com zelo que, pontualmente podem dar origem a alguns processos como o da operação furacão). A entidade reguladora de contas no nosso sistema é o tribunal de contas, que vê o seu poder confinado no que interessa a pareceres distantes dos factos, recebidos com a indiferença inerente à cultura nacional sobre a legalidade. De qualquer modo dado o perigo de atribuir o controlo formal a esse tribunal, onde existe alguma competência e sobretudo alguma independência, optou-se por atribuir o controlo das contas ao tribunal constitucional, entidade sem perfil de análise além da referenda burocrática. Um anterior presidente do TC achou que aquilo em princípio devia ter alguma seriedade e decidiu contratar para o efeito alguém que percebia de contas. Pelos vistos este não quis ser verbo de encher, fez ruído e foi agora substituído por uma jurista (sem quaisquer juízos sobre o carácter dos envolvidos, a diferença de perfis de Miguel Fernandes e MArgarida Salema devia ser devidamente sublinhada, algo que está muito para além do curso universitário).

Doca Seca disse...

É fartar vilanagem

Colmeal disse...

Enquanto os José Miguel Fernandes deste País desistirem de lutar para mudar este estado de coisas, isto não muda, pelo contrário a tendência é para piorar ainda mais, é que o polvo é um animal muito voraz...

Há mais um que deixou de acreditar no "Pai-Natal" :

Ramalho Eanes - Clima de medo em Portugal

Anónimo disse...

Colmeal,

Eu vi. Passou hoje à noite, penso que no noticiário do Mário Crespo. Muita atenção a isto porque o conteúdo nas entrelinhas foi "pesado" e na plateia estavam militares.
Ele fartou-se, nitidamente.
De memória, disse que isto não está a funcionar bem.

O Público activista e relapso