domingo, maio 24, 2015

Os políticos enquanto vítimas da investigação criminal

RR

O presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta, critica a possibilidade de "prender pessoas para investigar depois", considerando que a reforma da Justiça tem de olhar seriamente para este problema porque se trata da defesa de direitos fundamentais.

"Até quando, até quando se pode prender pessoas para investigar", questionou Basílio Horta, numa intervenção no encerramento da conferência "Administração Pública. Fortalecer, Simplificar, Digitalizar", organizada pelo PS, no Centro Cultura Olga Cadaval, em Sintra
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Deixemo-nos de rodeios, porque o que este discurso pretende dizer, vindo de um mano Horta que já foi candidato presidencial em nome de uma direita qualquer,  é muito simples de entender: não se devem prender preventivamente políticos para  investigar o que terão feito, porque tal atenta contra um direito fundamental.

É uma grande chatice ponderar-se como legalmente admissível que as autoridades possam andar a vasculhar documentos, fazer buscas domiciliárias e outras, ouvir testemunhas de factos e analisar práticas criminais, normalmente associadas a actos de corrupção ou similares, como branqueamento de capitais e falsificações variadas, visando políticos no activo ou no defeso. O ideal seria evitar tais desmandos, mas na impossibilidade prática de o conseguir, o melhor é limitar os estragos e permitir que os suspeitos se desfaçam das provas enquanto são investigados...

E é uma grande chatice acrescida de imensa preocupação uma vez que um político é alvo das invejas, querelas e inimizades políticas de adversários, internos e externos que os colocam sempre na berlinda da investigação criminal. Sendo vulgar já nem é tão desonroso, mas enfim, ainda há os correios da manhã que fazem manchetes com a suposta vergonha que já nem existe.
Então o que se propõe para evitar tal atentado a direitos humanos fundamentais ( de políticos)?
Acabar com a prática, impondo limites à lei que o admite.
Como a lei constitucionalmente deve ser aplicada com critérios de igualdade para todo e qualquer cidadão, incluindo o político, a solução é estender a todos os cidadãos tal prerrogativa que se procura para um grupo restrito.A distorção de senso começa logo aí, porque os exemplos que se podem oferecer para demonstrar a insensatez da proposta seriam chocantes e reveladores do objectivo pretendido e oculto.

Este discurso eivado de demagogia é apanágio de outro comentador, formado em Direito, Marinho e Pinto de seu nome. Também agora candidato presidencial,  não se cansa de dizer que os métodos actuais de investigação criminal que a tal conduzem são próprios da Inquisição e até oferece exemplos das bruxas condenadas pelo Santo Officio, para chocar demagogicamente o discurso tosco.

Porém, para entender a razão oculta a tais entendimentos é necessário chamar um caso concreto. Por exemplo o do actual recluso 44 e atendendo ao que já é conhecido publicamente.

Como se sabe, a investigação criminal que visa o mesmo começou com uma participação bancária que suscitou suspeitas sérias e fundadas da existência dos tais crimes de branqueamento de capitais. Como é que se investiga um crime destes? É necessário prender alguém para investigar os factos?
Aparentemente, não. Os factos estão relacionados directamente com actividades criminosas subjacentes à circulação de dinheiro, no caso milhões e milhões de euros.
Assim, um político no defeso é suspeito de possuir, por interposta pessoa, contas bancárias recheadas de milhões de euros cuja proveniência atira para outras suspeitas: corrupção no exercício do poder político.
É possível investigar estes actos de corrupção, mantendo em liberdade o suspeito? Em princípio deve ser.
E como é que se faz? Analisam-se fluxos contabilísticos e bancários, mediante uma autorização judicial específica e dirigida aos bancos que têm o dever de guardar sigilo. Descobre-se que afinal as transferências, relativamente a uma conta específica ( pode haver mais, noutras paragens que nem sequer se sabe que existem...) envolvem duas pessoas, directamente, e as transferências para o suspeito revelam-se como ocorrendo às pinguinhas, sempre em dinheiro vivo e com uma regularidade e frequência intervalada em poucos dias.

Estas suspeitas avolumam-se quando se descobre que o parceiro pensador é amigo de infância e encarregado de empresas que lidam com dinheiros do Estado em obras públicas. As suspeitas tornam-se evidentes e obrigam a outros meios de obtenção de prova, ou de investigação. Entram as escutas telefónicas susceptíveis de revelar tudo o que se faz e seja dito ao telefone: conversas sobre tudo e todos, incluíndo políticos, hábitos pessoais, preferências gastronómicas e de vinhos, encontros ocasionais e regulares, viagens e ordens de transferência bancárias para certas e determinadas contas, incluindo a que serve de alimentação ao modo de vida oculto aos demais cidadãos eleitores e que só vêem as aparências da realidade.
De súbito a vida do político em causa torna-se um espelho cuja realidade o senso comum obriga a identificar como criminosa.

Que fazer então? Prender e julgar? Ou manter em liberdade provisória ( Marinho e Pinto afirma que tal não existe...e que afinal a liberdade não pode ser provisória porque ainda não se decidiu sobre a definitiva) e continuar a investigar?

Para os preocupados políticos da vitimização criminal, há que assegurar que nesta fase de investigação criminal não se deve prender nunca. Atenta contra os direitos fundamentais, porque se presume inocente alguém que ainda não é condenado.
E sendo verdade, como se resolve este dilema?

Os penalistas mais famosos deram voltas e voltas às teorias e concluíram que há situações concretas que obrigam efectivamente a que se restrinja a liberdade de circulação e actuação de suspeitos para que estes não prejudiquem a investigação que afinal pode também ser a seu favor porque nem todas as investigações a suspeitos logram reunir provas dos crimes em suspeição.

Ora é neste interstício de pormenor que se esconde o rato malicioso que não quer ser apanhado com o bocado de queijo roubado que o senso comum percebe logo de onde terá vindo, ao olhar para a iguaria ratada.
Sempre em nome dos mais sagrados princípios dos direitos humanos que implicam que ninguém deva ser condenado sem provas, limitam o acesso a estas, reforçando essa presunção e acenando sempre com o espectro da Inquisição. Proíbe-se a tortura que era o modo habitual de obter confissão de relapsos na época em que tal era prova rainha e daí em diante é acrescentado ao catálogo das proibições de prova um leque de situações que se aparentam a tal efeito.
Uma das últimas é proclamada até pelo grande professor Costa Andrade, especialista máximo nestas matérias, ao dizer que o video que passou nas tv´s  sobre o bullying entre adolescentes escolares pode ser prova proibida uma vez que não obteve o consentimento de todos para se captarem imagens...

Portanto, os investigadores criminais movem-se numa floresta armadilhada de proibições, todas com o objectivo de se evitar a eventual condenação de inocentes, num sistema penal como o nosso em que as penas de prisão em muitos casos são apenas simbólicas quando comparadas com as de outros ordenamentos que estabeleceram aquelas proibições e têm penas capitais. O crescente  aumento dessas proibições faz pensar que se tenta inverter o sentido das mesmas a fim de se evitar a condenação de culpados, particularmente políticos.

É este, claramente, o sentido das preocupações dos hortas da política, acolitados pelos marinhos demagógicos, sempre eivados de proclamações grandiosas sobre os direitos do Homem, para melhor ocultar o desiderato.

Portanto e retomando o fio da meada: qual o sentido de se prender um suspeito enquanto duram as investigações criminais? É a lei que o diz, essa tal lei que pretendem mudar e que existe em vários países.
Em primeiro lugar é sempre uma medida de coacção do suspeito e arguido, não significando uma punição mas uma medida de cuidado a manter durante um curto espaço temporal que se pretende o mais pequeno possível. Tem que haver uma suspeita bem forte da prática de um crime punível com pena de prisão superior a um dado número de anos, no caso três.  Há desses crimes, no caso concreto? Há.
Depois entram em linha de conta outros critérios que aliás assentam num circunstância bem específica nestes crimes que envolvem políticos: a possibilidade de perturbarem essas investigações se estiverem em liberdade.
É essa a questão fundamental, porque a recolha de provas, perante as dificuldades e obstáculos legais, que aliás os mesmos suspeitos gizaram como norma de actuação, dilata os prazos de investigação ao pressupor formalismos e exigências que se não forem cumpridos tornam as provas nulas.

Portanto, a investigação de crimes de corrupção envolve formalismos que estendem demasiado o prazo da investigação e ao mesmo tempo implicam diligências que podem ser frustradas e portanto eliminadas as provas, com os suspeitos em liberdade.

Será isso que acontece no caso concreto do recluso 44?  os advogados  de defesa dizem que não e que tal perigo nem existe, para atacar quem afirma tal facto baseado em elementos concretos e raciocínios de senso comum. O problema é que não o deveriam dizer  uma vez que se limitam a contraditar o que dizem os investigadores que por seu lado não podem replicar. Ficam com a última palavra, neste tempo de investigação e procuram influenciar a opinião pública, incluindo a de políticos como o Horta e Marinho e Pinto que aproveitam estas buchas como se fossem sopa no mel dos seus interesses.
E é por isso que a discussão, para ser séria, tem que abranger outras particularidades que incluam a discussão das razões pelas quais o legislador ( os políticos e académicos) de vários países entenderam que se justificava em casos precisos, prender para investigar.

É que por vezes não há alternativa a tal modo e por isso mesmo se torna desejável que qualquer investigação desse tipo seja célere. E quanto a isso entra outro problema que aqueles políticos não querem discutir: os meios ao dispôr da investigação para que tal aconteça.

Porém, isso depende exclusivamente deles, políticos. Se o não querem fazer e agora reclamam alterações à lei que protege direitos fundamentais, talvez fosse melhor ponderar em primeiro lugar por que razão não resolvem aquela questão bem mais simples: o que é que os impede de estudar e resolver o modo de tornar a investigação mais rápida e permitir que os presos preventivos fiquem nessa situação menos tempo do que o necessário estritamente?

A resposta está no vento da demagogia que agitam.

Questuber! Mais um escândalo!