domingo, outubro 17, 2021

Estratégias anti-corrupção: desincentivar delatores.

 Entrevista da ministra da Educação, futura e próxima Conselheira do STJ (!) ao DN de hoje: 



Antes de comentários é necessário dizer que esta senhora faz parte da nomenklatura socialista e da oligarquia governante, com todas as prebendas, perks e privilégios associados, como muito poucos podem ter acesso e que tal estatuto tem décadas de uso e proveito. Magistrada do MºPº prè-CEJ, foi sempre "provida" em cargos com relevância político-institucional, mesmo no interior da hierarquia do MºPº, tendo trabalhado efectivamente em processos, concretos e como qualquer magistrado, escassos anos ou meses. 

Depois dizer que enquanto ministra da Justiça, por solidariedade governamental e socialista,  nunca se ocupou verdadeiramente dos problemas reais da magistratura e em particular da investigação criminal, com propostas e decisões concretas que pudessem favorecer o exercício efectivo da Justiça, olvidando recomendações e solicitações de décadas, tais como o provimento de magistrados suficientes ou de agentes policiais, particularmente na PJ.  Basta ler isto no CM de hoje: 


Finalmente, com esta entrevista que replica muitas outras, ilude mais uma vez os problemas apresentando e anunciando soluções retóricas para problemas práticos que se eternizam, como seja por exemplo a questão do direito premial contido na chamada "delação premiada".  

Lendo a entrevista, aliás de rotina e com perguntas de manga de alpaca destes assuntos, vê-se que a inépcia das explicações para a inacção na contratação de pessoal policial ou na magistratura se enquadra na mistificação habitual nesta senhora. 

O mesmo DN aqui há uns dias publicou uma reportagem sobre o assunto da corrupção, sendo o primeiro este artigo: 





Estas declarações dos intervenientes desmistificam todas as afirmações da ministra que está. 

Sobre a tal "delação premiada" importa saber primeiro do que se trata e para a maioria das pessoas isso é assunto equívoco, incluindo o jornalismo de manga de alpaca, exercido na mesa junto ao computador. 

A Ordem dos advogados num escrito relativamente recente em forma de parecer dizia assim, resumindo:



A Ordem dos Advogados, onde estão neste momento advogados como Rui Silva Leal, membro do CSMP, entende que não deve ser coisa que possa ser negociada, seja com o MºPº seja mesmo com o juiz de julgamento ou de instrução. Tudo deve ter lugar num julgamento, com tarifa prévia de imposição de isenção de pena para quem merecer tal prémio. 



Tal é a posição do Governo, nesta matéria, depois de em 2015 ter sido outra. Explicação da ministra: seguiu pareceres de especialistas, como Euclides Dâmaso e Maria José Morgado que alertaram para o risco dos delatores poderem ser a final condenados, em julgamento. 

Euclides Dâmaso, a propósito destas estratégias erráticas e de governos, publicou em tempos na Sábado este artigo sobre o direito que premeia os amigos, particularmente os entalados:



O que diz Euclides Dâmaso ( e a ministra omite na entrevista de hoje...)? Que afinal a proposta do Governo sobre a matéria é mais uma mistificação ao rendilhar a lei com artifícios que a complicam e outro propósito não tem do que dificultar a aplicação de Justiça neste campo minado. Como? Fazendo aquilo que os juristas melhor sabem: aldrabar de modo secante uma lei que poderia ser simples, directa e eficaz, inventado uma distinção artificiosa entre corrupção própria ( relacionada com os deveres do cargo)  e imprópria ( sem tal particularidade) imputando maiores requisitos à primeira das modalidades, para se poder equacionar uma dispensa de pena. 

O que é a "dispensa de pena" no processo penal e qual o efeito prático? É isto, segundo o CPP: 


Quando é que poderá haver dispensa de pena? Diz assim este acórdão:



Qual a importância disto tudo? A melhor forma de combater eficazmente o fenómeno de corrupção, obviamente. E tal deveria ser possível logo no inquérito, como diz este pequeno estudo na FDUL...


Vai ser assim, com a proposta da ministra e do governo? Não, não vai...




E porquê, afinal? 

Não sei, mas ocorreu-me um caso concreto já com muitos anos e que se conta resumidamente através de recortes online que mostram onde está o verdadeiro ninho de ratos, literalmente em alguns casos semânticos:


Este caso tem muitos anos e quem sabe melhor que ninguém o que se passou com o já falecido Francisco Canas, "Zé das Medalhas" por causa de uma telenovela brasileira é o juiz Carlos Alexandre e o MºPº que tem o respectivo inquérito que aliás se eterniza. O caso tem em si o germe da corrupção nacional bem espelhado e dos seus protagonistas às dezenas e dezenas. Alguns deles, bem escondidinhos em gabinetes, até ministeriais...

Ora imagine-se que o falecido Canas antes de tal evento e logo durante o inquérito tinha a facilidade de poder falar nos nomes concretos, nos montantes concretos e nas circunstâncias concretas que permitiam ao MºPº identificar os prevaricadores contra o Estado e a economia nacional, corruptos, alguns deles e simples vigaristas outros mais os habituais hipócritas que mandam no país, no seio da oligarquia vigente.
Imagine-se que até resolvia contar ao juiz de instrução, numa fase interlocutória, coisas e loisas sobre tal gente, sabendo que ao fazê-lo poderia beneficiar de isenção de pena logo ali, nessa fase processual...e portanto ver o processo arquivado, sem ter que ir a julgamento.

É fácil imaginar o terror de certa gente perante a mera hipótese de tal ter acontecido, tal como continua a ser um fantasma a possibilidade de alguém saber quem foram verdadeiramente os primeiros clientes do falecido Canas que entravam pela porta da inconspícua loja de medalhas, na baixa de Lisboa, sobraçando embrulhos de notas em pastas convenientes, às dezenas ou centenas de milhar de eurinhos   bem escondidinhos com destino à bem aventurada Suíça do tempo em que ainda não havia quebras rotineiras de sigilio bancário e portanto sem necessidade de offshores. 

O problema das dificuldades nas leis e estratégias anti-corrupção são apenas estes...e também aqueles que sabem que é assim e ainda podem descobrir a careca a certos hipócritas, mesmo na pele de ministros ou ministras. 
Um deles é o juiz Carlos Alexandre que em virtude de estar há muitos anos no terreno minado destes problemas magnos, sabe onde estão as bombas. E quem as quer despoletar, eliminando o efeito previsível, minando por seu turno as leis que os poderiam entalar. 

Aliás, uma das razões porque quiseram correr com tal juiz do sítio onde está será essa. Os idiotas úteis que tal aplaudiram fazem o jogo de quem? Da Justiça e da sua boa imagem?

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