sexta-feira, outubro 08, 2021

A ética do Estado ao serviço de interesses particulares

O jornal Diário de Notícias publicou esta semana, vários artigos sobre o sempiterno problema da corrupção em Portugal. 

Na Segunda-Feira convidou três juristas ( o procurador Rui Cardoso, o académico Paulo Pinto de Albuquerque e a juíza Sónia Moura) para falarem e dizerem de sua justiça. O que disseram foi simples: não adianta fazer boas leis se não forem aplicadas e para tal são necessários meios de investigação que não há como deve ser, neste momento. 

Na Terça-Feira, o jornal fez uma retrospectiva dos processos mais mediáticos dos últimos dez anos ( Marquês, Monte Branco, Face Oculta, Monte Branco, Bes, Vistos Gold, Lex, Fizz, E-toupeira), com estatísticas. 

Na Quarta-Feira uma entrevista a um especialista do fenómeno- Luís de Sousa- que fala sobre ", "comportamentos de eleitos no exercício de funções" e particularmente com o emprego de políticos após exercerem as funções, que é apresentado como um problema grave e que só tem solução se houver um escrutínio apertado, antes de os ditos cujos tomarem posse dos cargos. Assim: 



Ontem foi a vez de se retomar tal problemática com uma entrevista a Susana Coroado acerca do fenómeno das "portas giratórias" e da completa ineficácia da legislação a propósito de tal assunto. Diz que " a entidade da transparência não passa de areia para os olhos".  Por outro lado equaciona muito bem o problema, desta maneira: 



No artigo de opinião sobre o mesmo assunto o advogado Luíz Menezes Leitão, actual Bastonário, diz algo interessante sobre a corrupção ao definir o efeito da mesma como o de colocar o Estado ao serviço dos interesses particulares.  Se lhe falarem de alguns casos concretos, que cito a seguir, desviará logo o foco para outros problemas, mas enfim, fica a pérola. 

A propósito disto e da inutilidade de um combate à corrupção, pelo modo inconsequente, voluntário e premeditado, actualmente figurado pelo sistema político que temos, com os actuais detentores de cargos a poderem servir de exemplo flagrante de tal, como é o caso da ministra da Justiça mai-lo seu marido advogado e professor, importa repescar um assunto antigo que agora aflorou mediaticamente num dos seus protagonistas. 

Tal&Qual de Quarta-Feira: 

Nuno Morais Sarmento é um político do PSD que pode muito bem servir de exemplo para o problema acima exposto e o modo como a ética do Estado se colocou ao serviço de interesses particulares, porque os factos assim o mostram.

A sua biografia mostra-o como familiar de condes e viscondes, licenciado em Direito em 1984 e político desde muito novo, sendo governante durante vários anos, desde 2002 e político desde sempre, além de advogado, actualmente sócio da PLMJ cujo cabeça pensadora foi José Miguel Júdice até se reformar. 

Para atalhar razões, pode ler-se aqui e aqui algo sobre o dito Sarmento familiar de condes e viscondes e alvo da notícia do Tal&Qual, que aliás repica notícias sobre o escândalo das offshores divulgadas por um consórcio de jornalistas coscuvilheiros.

Dali tiro esta passagem já de 2013 sobre uma factura que faltava pedir e com uma história encantada, tal como este personagem ( no caso Júdice) da  nossa opereta trágica, já foi por diversas vezes contada por aqui, mas que nunca é demais lembrar:

O caso particular da firma de advogados PLMJ, já por aqui foi várias vezes citado, mencionando uma interpelação do deputado socialista António Galamba, ao governo de então, liderado por Santana Lopes. O mesmo que tinha como ministro, Morais Sarmento, um dos advogados da firma PLMJ que saira como sócio vulgar, para reingressar como sócio de capital, com inerências respectivas, após o prestígio do ministério.

Sobre este caso, a denúncia interpelatória de António Galamba, era muito simples: o Público tinha escrito que a firma PLMJ, receberia cerca de um milhão de dólares, quinzenalmente, enquanto durasse o período de negociação da eventual privatização da GALP e saída da ENI, no âmbito da reestruturação do sector energético.
O artigo do Sol, a este respeito, é confuso, não permitindo entender claramente se a firma PLMJ recebeu ou não esse montante e durante quanto tempo. Quem pagou efectivamente e quanto, exactamente.
Os números de milhões atropelam-se à medida que as responsabilidades de pagamento, são transferidas da Parpública para a EDP ou para a REN.
Uma coisa é clara, segundo o jornal: o governo PSD de Durão Barroso, em 2003, obrigara a Parpública a contratar os serviços da PLMJ, para a reestruturação do sector energético e no período de três anos, a factura da PLMJ atingiu os três milhões de euros. Longe do milhão de dólares quinzenal, portanto. Mas há mais dossiers e mais honorários facturados. Contam-se dossiers sobre a Portucel, Gescartão e outros.


O assunto reportava-se aos contratos que as firmas de advogados obtinham do Estado e prosperavam com tais encomendas. De tal modo que Bagão Félix dizia então, já há uma boa dúzia de anos [à data de 2013...] (e entretanto tudo piorou e muito neste aspecto...):

Bagão Félix e depois Campos e Cunha não apadrinhavam a PLMJ e uma secretária de Estado do segundo, até dera ordens à Parpública, para cessar pagamentos à firma, por se lhe afigurarem escandalosos perante os resultados alcançados, escrevendo mesmo em nota que "a Parpública, funcionara como uma agência de contratação de consultores financeiros e jurídicos ao serviço do Executivo".
Os governos seguintes desdisseram esta orientação e a consultadoria paracerística pôde continuar, sob a orientação de Teixeira dos Santos que autorizou o pagamento de novos honorários, de ordem milionária e por conta pública.

Bagão Félix, ouvido pelo jornal a este propósito, diz:

"O valor de outsourcing dos serviços especializados ( incluindo os jurídicos) era muito elevado: 200 milhões de euros. E disparou no actual governo para um valor anual de 400 milhões de euros."
E adianta, revelando a falência do Estado, no enriquecimento das firmas:

" Enquanto cidadão e contribuinte, repugna-me que muitos projectos de leis e decretos-lei centrais, sejam feitos nos grandes escritórios".
Que por sua vez, são constituidos por advogados com interesses privados, como é natural. É por isso, provavelmente que Bagão Félix diz, sem papas na língua que o jornal transcreve:

"Estado é refém dos advogados" e que por sua vez actuam em oligopólio. As firmas são, quase sempre as mesmas...

Morais Sarmento, por sua vez, não tem qualquer pejo em declarar ao mesmo jornal que:
"Interrompi o vínculo com a PLMJ quando entrei para o governo ( era o que mais faltava, não interromper...).
E ainda: A PLMJ acabou por ser prejudicada porque não permiti que trabalhasse directamente com a...RTP" . Mas ainda assim, contratou duas advogadas da mesma firma, para lhe prestarem assistência jurídica em assuntos com a RTP e enquanto ministro.
De facto, por causa disso, terá sido uma desgraça para a firma. Porém, logo esquecida, no fim do período governativo do advogado. Regressado, como filho pródigo , à firma em causa e depois de lhe ter causado esse prejuizo, foi recompensado, pelo grupo restrito dos donos da firma, como um par, atribuindo-lhe o estatuto de sócio de capital. Notável.

 Como então se escrevia

Sobre as facturas dessas firmas de advogados com esses serviços, Marinho e Pinto, agora estranhamente preocupado com o assunto, nunca se esforçou muito em denunciar embora tenha por vezes balbuciado umas incoerências, de vez em quando, como pelos vistos o terá feito agora, num programa da noite, na tv, onde perora com Rui Rangel que exerce profissão de juiz de direito.
Relativamente a esta voragem de dinheiros públicos em parecerística, uma edição do jornal Sol de 2008 ( antes da queda por causa do incrível e inenarrável Rui Pedo Soares), mostrava uma infografia assim:



Estes assuntos têm já muitos anos em cima, leis a eito e planos de luta contra corrupção. Surge agora esta notícia sobre o tal Morais Sarmento, personagem político ligado a Rui Rio e ao PSD actual e de sempre. Ninguém se incomodou particularmente porque ter dinheiro em offshores não é crime algum, em si. 

Resta dizer o seguinte, em conclusão: o problema da corrupção em Portugal é insolúvel porque para o resolver seria necessário acabar com isto que acima se expôs e é apenas um exemplo, no caso de Morais Sarmento. Que aliás não é corrupto nem perto disso. Quem o disser, difama-o. E quem disser o mesmo dos actuais advogados que ajudam o primeiro.ministro em funções, provindos de escritórios recheados deles, idem aspas. Nicht wahr? 
Pode o Diário de Notícias e outros jornais continuarem a fazer reportagens, no caso do DN, magnífica e merecedora de parabéns. Para quê? 
Eu digo: para esta gente se rir de nós, na nossa cara e em directo nas televisões que os contratam para botar faladura. 
Para os Morais&Batalha continuarem a escrever aleivosias  associando crime comum a delitos sem normas penais e confundindo as pessoas que os lêem. 
A discussão de base sobre a corrupção deveria começar neste patamar: tomar o exemplo de um destes personagens e escalpelizar o modo como actua(r)am, para se poder ver como foi e prevenir o que é, mas ta nunca será possível a não ser que apareça um escândalo qualquer que lhes destape a careca. 

Sobre tal assunto ainda tenho este postalzinho,  quase com dez anos, mas que pode ser revisitado...


Em 2012 alguém actuou?!

Sem comentários:

Megaprocessos...quem os quer?