domingo, maio 14, 2023

O Estado Novo e o Estado Social

 No Observador há um artigo curto de Jaime Nogueira Pinto que me incomoda pelo relativismo que apresente em relação ao Estado Novo e pelo simplismo de amálgama do regime saído da Constituição de 1933 que perdurou até 25 de Abril de 1974, particularmente obliterando os cinco anos de Governo de Marcello Caetano, apresentados no mesmo pacote intencional e sistemático e confundindo Salazar com Caetano, num mesmo propósito, método e até princípio. 




Actualmente, torna-se corrente ver tal amálgama simplificadora que outro propósito não tem senão o de mostrar que até 25 de Abril de 1974 era tudo fassismo e tudo Estado Novo e tudo da mesma igualha que se iniciou em 1930, com o Acto Colonial, " a primeira lei constitucional do Estado Novo".
Ora tal não é verdade, pela simples razão que o regime e o Estado foi evoluindo, mantendo embora os traços essenciais e a maior eveolução operou-se a partir de 1968, com a incapacidade de Salazar e a sua morte dois anos depois. É triste ver Jaime Nogueira Pinto a entrar no mesmo caminho mistificador e no final de contas a aceitar o discurso oficial da esquerda sobre o assunto. Lamentável porque o efeito deletério que tal provoca ajuda a continuar a mistificação permanente da esquerda sobre tais assuntos. 

Em 1971 operou-se uma revisão constitucional, "ordinária" e que ocorriam de dez em dez anos. Tal revisão foi um ponto de viragem fundamental na concepção do Estado, tal como Marcello Caetano o desejava e ficou mesmo aquém de tais desígnios, com particular importância no modo como as então colónias foram consideradas, como parte integrante da Nação e províncias ultramarinas, embora com estatuto modificado e maior autonomia. 

É o próprio Marcello Caetano quem o explica num livrinho esgotado e precioso acerca das constituições portuguesas, com primeira edição em 1965 e que em 1978 foi publicado em 4ª edição contendo já a apreciação jurídica da Constituição de 1976. 

Vale a pena ler porque não se encontra isto em lado nenhum:









A apreciação da revisão constitucional de 1971 foi também realizada por outros, mormente Manuel de Lucena num livrinho de 1976 editado pela Perspectivas & Realidades, sobre O Marcelismo. 
Nele se contêm apreciações sobre o regime de Marcello Caetano em contraposição a Salazar e na parte I de tal trabalho, estudava-se a eventual natureza fascista do regime. O essencial é isto, sobre o novo regime de Marcello Caetano:




A referência explícita à passagem de "um corporativismo a outro", ou seja o do Estado Novo contraposto ao do Estado Social e às adaptações deste novo regime, melhorado do anterior, no sentido do "pluralismo, às liberdades democráticas, à sociedade de consumo", etc. 
Não devia haver qualquer dúvida quanto a isto e muito menos a amálgama proposta sempre que se fala do tempo anterior a 25 de Abril de 1974. 

Na biografia de Marcello Caetano, de Luís de Menezes Leitão, de 2014, não há dúvida acerca da Primavera marcelista e das suas modificações relativamente ao Estado Novo, com um novo sentido para Portugal, embora numa "evolução na continuidade", cuja frustração relativa não é suficiente para desmerecer a novidade e distinguir o passado do então presente:


De resto, a oposição de esquerda e extrema-esquerda entendiam estes assuntos em forma monolítica e sempre com base nos mesmos pressupostos de classe e luta revolucionária para ultrapassar as "contradições". 
Assim, como se escreve no livrinho Cadernos de Circunstância, 67-70, editado pela Luta de Classes Afrontamento em 1975, com escritos de finais dos anos sessenta, precisamente a época em causa em que já se esperava a "morte próxima de Salazar":









Estas considerações esquerdistas, "em colectivo" não oferecem qualquer dúvida acerca dos propósitos da esquerda extremista e do PCP: subverter e alterar o regime constitucional vigente na época, incluindo meios violentos para tal. 
Por outro lado, apresentam a verdadeira perspectiva do que era o regime depois de Salazar: " as condições estão cada vez mais maduras para que se instaure entre nós uma solução de tipo democrático-burguês, mais burguesa do que democrática, neo-capitalista e neo-colonialista". 
Até se admite a legalização do PCP..."se o capitalismo nacional se sentir suficientemente forte para autorizar a sua existência legal"!

De resto, a extrema-esquerda sabia perfeitamente distinguir o regime de Salazar dos novos tempos de Marcello Caetano e fazia-lhe justiça que hoje se denega. E às vezes por quem não seria de esperar. 

Quanto a Mário Soares e à sua "deportação" para S. Tomé, é ler...e perceber como é que a extrema-esquerda adivinhou o futuro a alguns anos de distância. 

E finalmente outra coisa: se alguém souber de algum sítio onde se escrevam estas coisas e se apresentem os factos deste modo, com documentação adequada, como aqui se publica, gostaria de saber, porque já me aborrece tanta solidão. 

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