terça-feira, maio 30, 2023

O Ministério Público do silêncio

 Observador, artigo de Luís Rosa, a criticar a PGR Lucília Gago, pelo perfil demasiado silencioso e reservado, escondido e sem dar contas públicas de factos, acontecimentos e situações que o exigem. Não posso criticar muito, tirando as teorias de conspiração, mas consigo compreender. 

Lucília Gago assumiu o cargo de PGR e votou-se a um silêncio que aparenta ter medo da própria sombra. Incompreensível e só explicável pelo receio de se expôr e dizer asneiras. Lucília Gago não é pessoa reservada em privado porque é simples, comunicativa e faladora e até simpática, mais do que outros que assumiram o mesmo cargo, pelo que a perplexidade ainda é maior. Haverá porém, outra explicação complementar e que apresentarei no fim do postal.












Para entender a atitude de extrema reserva da PGR Lucília Gago talvez seja necessário conhecer quem são as pessoas da sua confiança e quem a influencia em escolhas, mormente de magistrados para cargos dirigentes. 

Sem apontar nomes diria que Lucília Gago segue a escola de Coimbra, da ultra-reserva e anquilosada maneira de lidar com certos factos e de certos magistrados. Apresento um exemplo de um desses factos que fica na história da magistratura, tal como o processo do fax de Macau, com o qual aliás apresenta algumas coincidências, sendo a maior delas a de envolver personalidades de topo, socialistas e adjacentes.  Tudo isto acontece com socialistas e não é por acaso, uma vez que foram eles quem determinaram o perfil da magistratura e o estatuto do Ministério Público, através de Almeida Santos e Cunha Rodrigues.
No tempo do processo Face Oculta, sabe-se que o procurador de Aveiro, João Marques Vidal, bem como o responsável pela PJ, Teófilo Santiago, tomaram conhecimento de factos gravíssimos que envolviam o então primeiro-ministro José Sócrates. Comunicaram-nos ao então procurador geral distrital de Coimbra, Braga Themido e todos foram ter com o então PGR, o inenarrável Pinto Monteiro que desvalorizou tudo o que lhe comunicaram, não deu seguimento a qualquer processo crime que deveria ser obrigatoriamente instaurado, incorrendo em crime de denegação de justiça. Ficou tudo em águas de bacalhau, com a bênção de outro inenarrável, o então pSTJ, Noronha Nascimento. Ninguém se incomodou verdadeiramente com o escândalo, muito maior do que este caso do SIS, dos pindéricos de sempre. Ninguém pediu comissões parlamentares de inquérito, que me lembre e tudo passou à história das ignomínias judiciárias.
Foi a escola de Coimbra que tomou conhecimento de tais factos e foi essa mesma escola que optou por não accionar criminalmente o então PGR, como a meu ver devia e podia ser feito. O processo de violação de segredo de justiça, gravíssimo no caso, tendo como suspeito principal o próprio PGR Pinto Monteiro, acabou por ser inacreditavelmente arquivado, em Lisboa, por Maria José Morgado, depois de ter sido tramitado na escola do MP de Coimbra. Ninguém sindicou verdadeiramente tais factos que ficaram arrumados com o tempo que passou. Um manto de relativo silêncio e desinteresse cobriu tal anormalidade, até hoje, vertida em despacho de arquivamento que se desconhece. 

O silêncio sobre este tipo de assuntos é de ouro e foi assim que a escola de Coimbra medrou, com o ultra-reservado e silencioso procurador-geral distrital de Coimbra, Braga Themido, que nunca ninguém ouviu falar sobre o assunto e que nunca se exprimiu sobre tal ignomínia, da responsabilidade do então PGR, Pinto Monteiro. Saiu em silêncio e goza a reforma, presumivelmente em silêncio. Lembra um convento? É porque parece! Um convento com votos de silêncio, em retiro permanente e na esteira de outros monges-magistrados, ainda mais reservados e que ensinaram os então estagiários, noviços e noviças,  as regras de conduta. São estes que entretanto ascenderam na carreira, alguns já reformados e que influenciaram a actual PGR, a meu ver. É esta escola, esta mentalidade prevalecente que se impôs no MºPº e os resultados são os visíveis.  
Essa escola de silêncio e de ausência de comunicação democrática torna-se demasiado ruidoso, nos tempos actuais em que o Ministério Público é solicitado para resolver problemas criminais com foro de escândalo político à mistura e interesse público evidente e a carecer de explicações como as apresentadas pelo articulista do Observador. 
Porém, tal como naquele caso, a reserva é entendida como um biombo legitimador para tal silêncio e cultivado como dever, porque foi assim que foram educados determinados magistrados: a não falar publicamente de nada, diluindo-se num  colectivo hierárquico cujo topo faz o mesmo. É uma escola! 

Ainda há dias na tv, um procurador alemão pronunciava-se publicamente sobre um caso concreto que lhe tinha sido distribuído e para informar a opinião pública que solicitava esclarecimentos. 
Aqui, em Portugal que copia abundantemente as leis alemãs de processo penal e outras, o silêncio é a regra e não se sai daqui. Qualquer magistrado que se atreva a quebrar as regras desta escola hierárquica só pode temer o pior: um processo disciplinar, no mínimo. E isso também faz escola.
O direito constitucional  à liberdade de expressão? É para os outros; não para os magistrados. Ninguém fala, com excepção do sindicalista de serviço que está autorizado a falar por dever de função. Mas não muito e nunca fora do caco.
E assim vamos, dando azo a artigos como o de Luís Rosa. 

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