Nesta semana do mês de Fevereiro de 1973 foi "lançado" um livro de capa branca e letras pretas, sóbrias, com poucas páginas, da autoria de António de Spínola que então era general, vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.
imagem tirada da Net
O livro, um sucesso editorial com vendas superiores a 200 mil exemplares, foi então considerado uma "bomba" editorial em função do seu conteúdo, aliás devidamente escapelizado pelos jornais da época, mormente o Expresso que tinha saído cerca de um ano antes.
O livro que pouca gente terá lido integralmente, mas eventualmente compreendido na sua integralidade, punha abertamente em causa a política ultramarina seguida até então pelo Governo e regime, já suavizado pelo consulado de Marcello Caetano que tentou modificar o Estado Novo, para um novo Estado Social.
Quem quiser hoje ler tal livro não conseguirá sem recorrer a alfarrabistas porque está esgotado há muitos anos e não foi reeditado até agora. [ Segundo o comentador Carlos Guerreiro, o livro está disponível para leitura on-line, aqui].
O dinheiro para as comemorações do 25 de Abril vindo do Orçamento de Estado às carradas de milhões pelos vistos não chega para reeditar uma obra considerada fulcral para se entender...o 25 de Abril! Coisas de um futuro atrasado...
Assim, como faz agora 50 anos há um outro livro que aproveitando comercialmente a efeméride, tenta explicar o aparecimento do original no seu contexto da época.
O livrinho de agora é da autoria de João Céu e Silva e tem mais páginas que aquele sobre que se escreve.
E não há lugar a dúvidas em considerar o referido livro muito importante porque é considerado "talvez o livro mais devastador alguma vez publicado em Portugal", o que se afigura curioso porque quem o quiser ler, não pode fazê-lo a não ser do modo indicado. Pelos vistos um livro "tão devastador" não suscitou curiosidade aos neófitos que andam por aí a preparar comemorações do 25 de Abril de 1974, o que diz muito sobre a respectiva cultura que os enforma:
Curiosamente, entre todos os depoimentos avulsos que tentam explicar a génese do livro, falta o mais importante, o do próprio autor.
E no entanto seria perfeitamente possível tal coisa, se o autor do livro agora editado tivesse o cuidado de ler outro livro de António de Spínola, País sem Rumo, editado em 1978, já não por aquela Arcádia, mas por outra editora, Scire e cujo intróito reza assim:
E a explicação do autor:
É estranho que alguém se proponha escrever um livro sobre um livro sem procurar saber nem sequer mencionar a opinião do próprio autor do livro sobre que escreve...
Será que não conhecia o livro posterior de António de Spínola ( que aliás tinha escrito outro antes deste, em 1976, intitulado Ao Serviço de Portugal) ? Não encontrei uma única referência ao mesmo, na obra de agora, o que é estranho. Duplamente estranho porque as opiniões dos entrevistados no livro actual são todas apócrifas.
Por outro lado não se compreende que as habituais cassandras que desancam no Estado Novo como se fosse o reino do obscurantismo, ignorância e perversidade, não tenham comentado a ausência de censura a um livro que questionava um regime, ao colocar em crise um dos seus aspectos fundamentais como era a política ultramarina.
De resto compreende-se a ausência de referência a tal livro e principalmente a ausência de reedição do livro original: um dos comentadores, o historiador Luís Nuno Rodrigues diz ( a fls. 216) que "O livro ainda é revolucionário no dia 24 de Abril de 1974 e torna-se um livro conservador a 26 de Abril de 1974".
Quanto ao de 1978 apesar de o tal historiador não dizer, é fácil de adivinha o que pensa de tal livro: reaccionário. Vai uma aposta? Um anacrónico e outro reaccionário, para quê reeditar tais obras perdidas para o futuro que se atrasa?
É por isso que simplesmente é censurado, omitido, literalmente obliterado na memória de quem deveria saber melhor e não precisa porque se alimenta a progressismo para um futuro atrasado. Sempre atrasado.
Foi isso que Spínola chamou ao livro de 1978, adivinhando o que viria a seguir: Um país sem rumo. Tal e qual. Perdão! Sem rumo, não! Ficou na Constituição de 1976 que o rumo era o socialismo e a sociedade sem classes, ipsis verbis.
É esse o problema, ainda hoje, do nosso país com futuro atrasado: a bempensância literata continua acorrentada a tais mitos...e António de Spínola compreendeu-o logo na época. Por isso foi afastado, perseguido e olvidado. Hoje escrevem-se livros sobre o livro que escreveu sem sequer ser possível lê-lo...
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