sábado, abril 25, 2009

O dia 25 de Abril de 1974 foi no rádio



Durante o dia 25 de Abril de 1974 o que mudou na vida prática dos dias comuns e para o cidadão comum, não foi muita coisa. Além da suspensão das aulas, com as primeiras notícias que havia golpe de Estado, a maior mudança sentia-se no...rádio.

A imagem abaixo mostra Luís Filipe Costa, à esquerda, um comunista que leu muitos dos comunicados das Forças Armadas que se seguiram, no rádio do RCP, em gesto de brinde para com...Galvão de Melo, um dos elementos da Junta de Salvação Nacional. Esse gesto tornar-se-ia irrepetível alguns dias depois: precisamente o tempo de o PCP e o PS tomarem os destinos do PREC. Galvão de Melo passou rapidamente à condição de reaccionário, denunciado publicamente como perigoso direitista e assim foi a Revolução, passadas que foram escassas semanas do dia 25 de Abril de 1974.

A imagem e o artigo da revista quinzenal Cinéfilo, assinado por Mário Contumélias ( outro esquerdista), relata precisamente o que se passou no dia 25 de Abril no rádio e que me lembro bem: os primeiros comunicados do dia, cautelosos e o comunicado fundamental, pelas 20 horas em que dizia que o Governo de Marcelo Caetano tinha caído e Marcelo se tinha rendido de modo "incondicional" a "Sua Excelência o general António de Spínola".
Ainda informava esse comunicado inesquecível e fundamental que alguns membros do governo se encontravam "sob custódia" e outros "refugiados em dois aquartelamentos cercados pelas nossas tropas e cuja rendição se aguarda para breve".

O meu dia 25 de Abril foi um dia de rádio. Do RCP, precisamente. Com a voz nasalada de Luís Filipe Costa e as marchas militares misturadas com canções de Sérgio Godinho, já ouvidas e as de José Mário Branco, nunca escutadas, algumas delas. Por exemplo, a Ronda do Soldadinho que tinha sido proibida de passar no rádio. Adiantou o quê, essa proibição? Nada de nada.




A música tinha mudado, definitivamente. Marchas militares desconhecidas, música de intervenção dos cantores baladeiros que dias antes tinham cantado no Coliseu em Lisboa, eram os sinais inequívocos da mudança que se anunciava em comunicados parcimoniosos e lidos por Luís Filipe Costa que aparece nesta foto da revista Cinéfilo.

Esta revista, dirigida por Fernando Lopes e António- Pedro Vasconcelos, tendo ainda na redacção Adelino Cardoso, Pedro Sousa Dias e João César Monteiro, todos de Esquerda, surgiu em 1973 e foi um dos cometas mais brilhantes no panorama da nossa imprensa cultural.
Graficamente arrojada e fantástica na composição organizada por José Araújo, ( quem é e que será feito deste artista?) durante alguns meses foi aquilo que nunca tivéramos por cá: o símbolo do modernismo cultural que não desmerecia em nada o que se fazia lá fora e por cá se via sem restrições ou censura, é bom que se diga, porque não se costuma dizer. Todas as revistas que contavam lá fora, se liam cá dentro. Menos a Playboy ou a Lui, por exemplo. Mas havia contrabando disso...

A revista cuja imagem se junta, seguia-se a uma outra que já estava pronta no dia 25 de Abril de 1974 e sairia dois dias depois, portanto sem tempo para mostrar as imagens do golpe de Estado e do Movimento dos capitães.
Essa revista saira ainda com artigos censurados. Este número já não. E o exemplo que a mesma apresenta de textos censurados mostra a estupidez da censura que se praticava e a mesquinhez cultural de quem a orientava.
Foi para eliminar estas coisas que o 25 de Abril surgiu, que não haja dúvidas disso. Mas que também não haja dúvidas que essa censura era relativamente inócua porque o essencial da informação passava e solidificava ideias, principalmente de Esquerda, nas pessoas que liam.

O dia 25 de Abril de 1974 teve adesão popular maciça porque as pessoas estavam preparadas e o fruto tinha amadurecido. E para tal contribuíram em muito os media portugueses, mesmo com censura, porque era lá dentro que estavam aqueles que depois apoiaram os partidos de Esquerda e transformaram Portugal no que temos, ideologicamente.

Esta imagem abaixo, mostra por isso, a principal razão de incómodo de muitos portugueses que então se defrontavam diariamente com a imagem do regime: a Censura.
Era uma constante, mas de contornos diferentes daqueles que hoje se pretendem mostrar e que desvirtuam o verdadeiro sentido da Censura praticada pelo Regime de Salazar/Caetano: um desfasamento de uma certa realidade mostrada, da que se vivia em todos os sectores da sociedade e que as pessoas sentiam. Um desfasamento semântico, principalmente, mas com fugas e rachadelas no muro de contenção que originaram o desmoronamento do Regime em Abril de 74. A mudança seria inevitável, como o foi em Espanha, pouco tempo depois.

E no entanto, a Censura portuguesa desse tempo teria eventualmente menor impacto que a censura nos países de Leste. E não foi por isso que nesses países a ditadura comunista também caiu. Em Portugal, os que defendiam essa ditadura, eram muitos dos que se opunham à que tínhamos. Absurdo? Absolutamente.

Para se entender melhor o sentido da Censura, vejam-se os cortes no texto abaixo ( basta clicar na imagem).
Todos reflectem a preocupação da Censura em não deixar passar o discurso abertamente comunista do texto.
Sem qualquer tergiversação, sabendo bem que a Censura se dirigia em primeiro lugar ao discurso comunista, para o cortar, evidentemente, os seus autores que são nada mais nada menos que José Nuno Martins, hoje na maçonaria da provedoria radialista, e ainda Mário Contumélias, tentam a sua sorte e escrevem coisas como " aculturação social de massa", "alienação", "sirvo uma classe".
Estas expressões quase inócuas, são a essência do discurso comunista. E a Censura, apesar de estúpida, muitas vezes, sabia-o. E como se disse, a principal razão de luta do regime, era precisamente o Comunismo.
Como se provou passadas poucas semanas, tinha razão nessa luta. Passados mais de uma dúzia de anos, alguns daqueles que escreviam assim, acabaram por dar-lhe razão também. Passadas algumas dezenas de anos, outros se juntaram. Ainda assim, o discurso dominante nos media, também o da mediania, ainda reflecte estas ideias de Esquerda que nasceram bem antes de 25.4.1974 e que nenhuma Censura impediu de florescerem e pegarem de estaca, na mente de alguns intelectualóides.




1 comentário:

CCz disse...

José,
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Para mim que tinha 10 anos, comecei a perceber o que era a mudança no noticiária da noite na RTP a 26 de Abril.
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Nas notícias sobre o conflito israelo-árabe, os árabes passaram a ser os heróis e os israeitas os maus da fita.
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Lembro-me tão bem de ter sentido essa diferença.

O Público activista e relapso