quarta-feira, abril 29, 2009

O estranho caso das Três Marias censuradas

Flama de 17 de Maio de 1974, com a história na capa.

O Expresso desta semana publicou um livro muito bem feito, organizado por José Pedro Castanheira, sobre a Censura do Exame Prévio, antes de 25 de Abril de 1974, durante o tempo em que o jornal se publicou. Pouco mais de um ano porque o Expresso saiu em 6 de Janeiro de 1973.

Uma das histórias dessa censura de corte radical já foi contada pelo autor Castanheira, na tv, na Sexta-Feira passada. Trata-se da história do julgamento das Três Marias, cuja notícia a censura cortou. Era, aliás, uma história em segunda mão, contada originariamente pela revista Time, americana, mas com edição europeia.

O que conta Castanheira desse corte selectivo, mas radical? Que o texto noticiava a entrevista da Time às três escritoras e relatava brevemente o motivo do julgamento em curso, das Três Marias: o livro Novas Cartas Portuguesas, "Posteriormente considerado de conteúdo `insanavelmente pornográfico` e atentatório da moral pública" , conforme dizia o despacho de pronúncia.

Não está em causa contestar aqui a Censura existente no regime de Caetano. Era um facto e o livro do Expresso demonstra amplamente o carácter minucioso e cirúrgico das reservas que os censores impunham à liberdade de expressão.
Aqui está apenas em causa a natureza desta censura noticiada agora, à notícia de então.

A revista Time vendia-se livremente em Portugal. Já publiquei aqui um número posterior ao de 22 de Maio de 1973 a que se refere a notícia do livro do Expresso, bem mais subversivo para o regime de Caetano do que esse. E comprei-no na época, sem problemas.

Por outro lado, descobri agora um suplemento do vespertino de então, A Capital, de 17 de Maio de 1972, com uma página inteira consagrada ao livro das Três Marias ( clicar para ler algumas das cartas coligidas pelas Três Marias).


Sem dúvida, não aparecem as passagens mais picantes. Seriam necessariamente censuradas.
O que na altura, todavia, não acontecia só por cá. Na Inglaterra, eram proibidos por efeito de Censura, manifestações do género. E sobre este tema tórrido, veja-se por exemplo, o caso de Linda Lovelace...

Portanto, o assunto, aqui deve ser outro: em que medida a Censura, em Portugal se distinguia da existente noutras latitudes. Não é com este exemplo das Três Marias que é possível fazer o retrato impressivo de tal ambiente e respectiva circunstância. Por uma razão:

O livro Novas Cartas Portuguesas, saiu à rua num dia de 1972, vendeu-se aos milhares ( num mês foi-se a primeira edição de 3 mil cópias, segundo a Time de então. No entanto , para aferir o rigor da Time, convém dizer que a Flama indica 2 mil cópias da primeira edição , com metade vendidas ao fim de um mês...em Abril de 1972) e só algum tempo depois, por denúncia do jornal Época ( uma espécie de jornal oficial alternativo) foram as autoras processadas e julgadas, sendo essa a notícia.

No entanto, falta algo substancial a essa história e que a Flama de 17 de Maio de 1974 contava assim:


Como se pode ler, o tribunal absolveu as Três Marias, considerando que o livro não era pornográfico ou imoral. A sentença foi dada um pouco mais de uma semana depois do 25 de Abril de 74, a 7 de Maio.
O magistrado do MP, no decorrer das sessões, ainda antes do 25 de Abril, "num gesto raro", como conta a revista, já tinha pedido a absolvição. E conta ainda mais, ao dizer que o agente da Polícia Judiciária que interrogou as três Marias, teria dito ás mesmas: " Eu sei que foi apenas uma das senhoras quem escreveu essas partes. E até sei qual foi. Mas uma vez que ela se recusa a confessar, fica com a sua consciência. Irão as três a tribunal". E foram.

Quanto à natureza verdadeira da Censura da época, uma das Três Marias, no artigo da Time de 5 de Novembro de 1973, dá uma imagem muito mais aproximada que o livro de Castanheira . As provas deste, simplesmente provam demais:

"Como todos os autores em Portugal, os seus escritos tem de passar pelo censor. Mas elas ( as Três Marias) dizem que não há viglância constante da polícia sobre elas. `Em Portugal não é assim. A repressão não é aberta ou ofensiva. É mais subtil. Estamos um pouco ameaçadas mas não corremos qualquer perigo`, dizia Isabel Barreno à revista.

Pensando bem, não faz grande diferença dos dias de hoje. Nesse aspecto particular, note-se.

6 comentários:

Waco disse...

"Pensando bem, não faz grande diferença dos dias de hoje."

Essa é que é essa.

Tenho conhecimento do caso de um controleiro do PCP, antes do 25 de Abril, já com responsabilidades distritais, que veio a saber-se no dia da revolução, quando a rapaziada invadiu a delegação da PIDE, ser infiltrado da PIDE.

Nenhum dos controlados foi alguma vez detido pela PIDE, andavam sim "controlados pelo controleiro".

Hoje, os desalinhados, como eu, que me assumo, também são controlados pela nova PIDE, mas alguns, incluindo eu, já foram detidos pela PIDE de agora, suspeitos do crime grave de escrever.

Por isso é que hoje, quando oiço falar de liberdade, e essas coisas, dá-me vontade de... arrotar.

Waco disse...

Recordar... Agosto:

A Comissão Independente de Juízes estranhou hoje que o Presidente da República tenha promulgado a legislação sobre segurança interna depois de ter sido alertado para «inconstitucionalidades», que aquela comissão considera «só viáveis em regimes totalitários». Para Florindo Pires Salpico, o novo sistema é um mecanismo criado pelo executivo de José Sócrates para «ter acesso e controlar» a investigação criminal, viabilizando uma excessiva concentração de poderes na figura do primeiro-ministro, através da nomeação do secretário-geral se Segurança Interna. «É um sistema que só em regimes totalitários é viável. Nem Salazar nem o Marquês de Pombal concentraram tantos poderes nas suas mãos», afirmou o presidente da Comissão Independente de Juízes. - 26 Agosto 2008, SOL

Dr. Assur disse...

De passagem e por curiosidade já que não se fala do assunto.

"O preço médio dos combustíveis caiu na semana passada nos mercados europeus, acompanhando a evolução do barril de petróleo em Londres. Evolução que pode ditar a descida dos preços nos postos de abastecimento em Portugal.

As petrolíferas a actuar em Portugal têm vindo a aumentar os preços nas últimas semanas. O preço da gasolina sem chumbo 95 sobe consecutivamente desde o início de Março, de acordo com os dados da Direcção Geral de Energia e Geologia. No final da semana passada o custo médio fixou-se em 1,201 euros por litro, acumulando um aumento de 4,44%. O gasóleo sobe desde a última semana de Março, período em que ficou 5,3% mais caro, passando a custar 0,981 euros. "

Ou seja, enquanto os combustíveis descem lá fora, por cá aumentam. Mas não desesperem. Num acto inédito de benevolência das gasolineiras existem algumas hipóteses de descerem brevemente.

Dr. Assur disse...

Pequena correcção:

Afinal os preços desceram. Vejamos. A Cepsa baixou o preço da Gasolina para 1,209 euros e o do gasóleo para 0,979 euros. A Galp diminuiu o preço do gasóleo para 0,979 euros, e manteve a gasolina nos 1,219 euros. A BP, que não mexeu, manteve o litro do gasóleo a 0,995 euros e o litro da gasolina nos 1,219 euros. A Repsol manteve o preço do litro do gasóleo a 0,997 euros e o da gasolina a 1,219 euros. Logo o próximo passo será a BP, a Galp e a Repsol baixar os preços da gasolina para 1,209 euros e o do gasóleo para 0,979 euros…

MARIA disse...

A liberdade continua a ser uma miragem.
É sempre um conceito relacional, com medida.
O problema está em como se mede e quem mede ...
Dependendo subjectivamente sempre de alguém que avalia, nunca é um valor universal, ainda que universalmente desejada...
*
Impressionante, em todo o caso, a história judicial das três Marias.
Hoje talvez não fossem julgadas por esse tipo de crime, mas sempre seriam efectivamente julgadas e talvez mais severamente condenadas. Há muitas formas de condenar alguém e por vezes a judicial não é nem por sombras a pior delas ...
*
A repressão hoje se não é aberta é também subtil e é mesmo ofensiva vezes,algumas vezes, a vários títulos.
*
Maria

MARIA disse...

Como se já notou dupliquei as "vezes" no final do comentário.
As minhas desculpas. Bastaria uma.
:-)

O Público activista e relapso