sexta-feira, abril 23, 2010

Névoa sobre a Justiça

Sobre o desfecho do caso Domingos Névoa/ Bragaparques, a RTP1 deu o essencial da notícia que se pode ler, buscando no Google com as palavras “Domingos Névoa absolvido".

Duvido que tenha sido apenas pelos factos relatados nas notícias, tendo em atenção os motivos da defesa e que agora permitem ao respectivo advogado, Artur Marques clamar a inocência nestes termos: “"um acto de reparação de uma injustiça e de um agravo feitos a um homem impoluto, sério e trabalhador, que muito tem dado ao país e à sua economia e que não merecia o que lhe fizeram".
Duvido e verifico que mais uma vez, as notícias permitem julgar pela rama e segundo perspectivas algo idiossincráticas, os casos mediáticos, como este e que em vez de elucidarem e esclarecerem o público, suscitam ainda maior confusão e destacam a reacção dos visados como modo de apresentar o assunto. Por exemplo, o advogado Ricardo Sá Fernandes que não se coibiu de comentar o caso nestes termos:

"No país em que estamos, recebi (a decisão) com a naturalidade de eu saber que a grande maioria da população portuguesa é complacente com a corrupção. Sendo a maioria da população portuguesa complacente com a corrupção, não estranho que haja sectores da magistratura complacentes com a corrupção", acrescentou Ricardo Sá Fernandes, sublinhando porém que voltaria a agir da mesma maneira.
Em conclusão, o advogado não deixou de lamentar que "o sinal que é dado aos portugueses seja 'aceitem o dinheiro dos Névoa'".

Estas declarações de Ricardo Sá Fernandes são inaceitáveis num advogado. Não é assim que se contesta uma decisão dessas nem é assim que se esclarece este problema da Justiça que tem a ver com matérias bem mais subtis e complexas do que o simplismo objurgatório ao nível de um comentador de táxi.

Segundo a notícia da RTP, “O presidente do Tribunal da Relação, Vaz das Neves, explicou esta tarde que os juízes consideraram que "os actos que o arguido (Domingos Névoa) queria que o assistente (José Sá Fernandes) praticasse, oferecendo 200 mil euros, não integravam a esfera de competências legais nem poderes de facto do cargo do assistente", pelo que a decisão da Relação aponta que "não se preenche a factualidade típica do crime de corrupção activa de titular de cargo político".

Segundo outras notícias, “Sobre Domingos Névoa recaía a acusação de ter praticado o crime de tentativa de suborno de José Sá Fernandes, de quem pretendia que desistisse da acção popular de contestação do negócio de permuta entre a CML e a empresa Bragaparques dos terrenos do Parque Mayer pelos terrenos da Feira Popular. Ricardo Sá Fernandes gravou conversas mantidas com Domingos Névoa, nas quais este oferece dinheiro para José Sá Fernandes declarar publicamente que apoiava o negócio e desistisse da acção movida em tribunal. “

E o que apanhou o advogado Ricardo Sá Fernandes nessas conversas ( ilicitamente?) gravadas? Isto, entre outras coisas que foram publicadas:

«Se quiser receber em cheque pago hoje, se fôr em dinheiro pode demorar um pouco mais tempo». «Conforme faço uma escriturazinha rapo 2 mil aqui, 10 mil euros acolá. Fica pronto a curto prazo». «Ponho lá isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices. Nisto não sou virgem, esteja à vontade»

Em tempos comentei alguns aspectos da defesa de Domingos Névoa, particularmente um parecer do professor Costa Andrade, nestes termos, referindo-me aos "académicos da injustiça":


Lusa/ Sol:
O recurso da Bragaparques, baseia-se, entre outros, num parecer do penalista Costa Andrade para quem, «no direito positivo português vigente não é permitido o recurso a agente encoberto para investigar o crime de corrupção activa para acto lícito, dirigida a um titular de cargo político».
Isto porque - sublinha - «a investigação deste crime não legitima as escutas telefónicas, medida menos invasiva e danosa que só é válida para crimes superiores a três anos».
Observa que «entendimento diferente determinaria a inconstitucionalidade da norma, por violação do princípio da proporcionalidade».
Para Costa Andrade «a ilegalidade da acção encoberta determina a ilegalidade e proibição de valoração das provas que ela tornou possíveis, nomeadamente o teor das gravações das conversas de 24 e 27 de Janeiro de 2006», que Ricardo Sá Fernandes manteve com Domingos Névoa.
Afirma que foram feitas em violação frontal do Código Processo Penal e da Lei n.º 5/2002 e que sofrem, ainda, de «falta de fundamentação do despacho de autorização e das exigências de acompanhamento e controlo judicial».
«As provas ilícitas são inadmissíveis no processo» , afirma, frisando que Ricardo Sá Fernandes terá incorrido na prática de um crime ao gravar uma conversa privada, em 22 de Janeiro de 2006, sem autorização do interlocutor."

O problema principal do nosso processo penal é este que está à vista de todos: as exigências e requisitos para recolha e validação das provas de crimes, são tão apertadas e rigorosas que fatalmente acabam no que se tem visto: a absolvição dos poucos corruptos e suspeitos que ainda vão sendo encontrados.
O poder legislativo que engloba pessoas como o professor Costa Andrade, a escola de Direito Penald e Coimbra e agora também a de Lisboa, com a professora Fernanda Palma, durante anos a fio, teceram uma teia de renda jurídica cujos fios são tão juntinhos que nada deixam escoar para a condenação. Fica tudo filtrado na fase de investigação - quando e se tal acontece, o que aliás se vai tornando cada vez mais raro. O que passa, ficará depois retido em recurso e sucessivas aclarações de acórdãos que duram anos e anos a transitar em julgado.
As regras de processo penal, facilitam, incentivam e cerceiam a Justiça, em Portugal, sempre com as melhores razões teóricas, geralmente associadas aos direitos, liberdades e garantias de bandidos e trafulhas. O direito penal português, tem-se transformado num verdadeiro direito penal dos inimigos da sociedade, sempre com o apoio e aplauso daqueles teóricos que assim devem ser denunciados como inimigos da mínimo ético para uma ordem social decente. Inverteram a prioridade de valores, elevando à categoria máxima, os direitos e garantias que impossibilitam a Justiça.
As ideias jurídicas de Costa Andrade e das escolas de Direito Penal português, fixadas em letra de lei, não permitem o combate à corrupção, em Portugal, neste nível da corrupção activa, em caso de acto lícito ou da passiva para acto lícito, também. As molduras penais destes crimes, são meramente simbólicas e o CPP proíbe a utilização de escutas telefónicas em investigação de crimes com pena inferior a três anos de prisão, no geral.
Logo, nestes crimes, é proibido escutar. E como é proibido, se por acaso se escutou por causa de crime de moldura superior, como foi no caso Bragaparques em que o arguido foi pronunciado por corrupção activa para acto ilícito e agora, em julgamento, se mudou para acto lícito, com pena manifestamente inferior, a doutrina de direito penal, agora assente até pelo Tribunal Constitucional ( caso da "fruta" do dirigente do FCPorto), proíbe o uso dessa prova.
Obviamente, os advogados dos arguidos agradecem. Artur Marques, neste caso Bragaparques em que a condenação foi meramente simbólica mas perfeitamente razoável segundo as leis penais que temos, aproveita e como é dever de qualquer advogado, defenderá o seu cliente.
Não adianta mais andar com paliativos jurídicos porque é esta a verdade que todos têm que ver e denunciar: as leis penais protegem estes corruptos e os teóricos do Direito penal aplaudem e emitem pareceres nesse sentido. Há que denunciar isto e tentar mudar este estado de coisas, começando em primeiro lugar por inquirir os teóricos sobre os fundamentos daquilo em que acreditam e nos valores que verdadeiramente defendem e que nos conduzem a estes escândalos evidentes e que só eles parecem não querer ver.
Vejamos as normas aplicáveis. O crime do patrão da Bragaparques, insere-se no artº 374º nº 2 do CP ( que não permite o uso de escutas). Na pronúncia, tinha sido incluído no artº 374º nº 1 ( que permitia a utilização de escutas):
Artigo 374.º do C. Penal:Corrupção activa 1 - Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.2 - Se o fim for o indicado no artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º

7 comentários:

Mani Pulite disse...

O NÉVOA,MERECIDA RECOMPENSA,DEVIA IR AGORA PARA PRESIDENTE DO EUROJUST.DEPOIS DAS CINZAS DA ISLÂNDIA E DA FALÊNCIA GREGA O MAIS OPACO NEVOEIRO PORTUGUÊS FARIA UM ENORME BEM À EUROPA.

João Pais disse...

caro José:

pelo que julgo ter percebido por aqui - http://arrastao.org/sem-categoria/corrupcao-crime-sem-castigo/ -, Ricardo Sá Fernandes gravou as conversas em coordenacao com a polícia. Pelo que vi nas notícias, estas foram aceites como prova em tribunal.

Gostava que me confirmasse uma coisa: foi factualmente provado, como se diz por aí, que Névoa tentou oferecer dinheiro a Sá Fernandes? E nao o contrário, como o advogado do primeiro diz? É que faria pouco sentido Sá Fernandes ir ter com Névoa para pedir dinheiro, e ao mesmo tempo instruir-se como assistente numa investigacao, nao?

Carlos Medina Ribeiro disse...

Caro José,

Incluí, no 'Sorumbático', um link para este seu post.

http://sorumbatico.blogspot.com/2010/04/nevoa-sobe-justica.html

josé disse...

João Pais:

Está a ver, por esse pequeno exemplo como a informação que temos é quase sempre incompleta, fragmentada e por vezes desinformativa?

Segundo julgo perceber do que fui acompanhando, Domingos Névoa chegou a oferecer dinheiro ( 200 mil dele) a José Sá Fernandes para que este não accionasse qualquer processo para eventualmente impedir a obra daquele.
Foi essa tentativa de corrupção que se deu como provada na primeira instância. Mas não sei com que provas exactamente. Nem sei se as escutas e gravações de conversas, entre Sá Fernandes e o arguido, autorizadas e monitorizadas pela PJ, serviram de prova uma vez que a defesa daquele, com um parecer de Costa Andrade ( pago eventualmente a peso de ouro como é de rigor), contestou a validade jurídica dessas gravações como escrevi noutro postal e que aqui reproduzo.

Portanto, ficamos como diz: sabemos que houve uma tentativa de cometimento de um acto de corrupção. O tribunal de primeira instância considerou que era crime de corrupção tentado. A Relação veio agora dizer que era nada disse e nem crime era porque o vereador Sá Fernandes não tinha poderes para estancar ou perturbar o negócio. Portanto, não poderia ser corrompido como funcionário...
Foi isso que percebi da leitura das notícias.

Mas desconfio sempre o rigor destas.

josé disse...

Por outro lado, não percebo porque pagam ao professor Costa Andrade para ele repetir em parecer o que já escreveu em livro...bastaria citá-lo, parece-me a mim.


E por vezes apetece citá-lo para lhe contrariar os pareceres...ahahaha!

victor rosa de freitas disse...

José:

Em Tribunal (quer na 1ª instÃncia, quer na Relação) provou-se que Domingos Névoa deu 200 mil a Sá Fernandes.

Na 1ª instãncia dizia-se que havia corrupção para acto lícito uma vez que o pedido de Névoa era para que Sá Fernandes violasse os seus deveres funcionais como político, o que a Relação não aceitou existir.

Tão simples como isso.

O resto é apenas mera "confusão".

joserui disse...

José, esse tribunal da relação, de muito duvidosa, competência, é só mais uma nódoa retinta na nossa sociedade. Excluindo meter nojo aos cães, nem incomoda muito. Só temos é que nos manter longe dele.
Eu não me acredito que num sector tão de rastos e de tão reles credibilidade, que os principais intervenientes nunca têm culpa de nada. São os juízes na justiça, os professores na educação. Sempre a sacudir água do capote.
Se a tese que aqui defende continuamente for verdade e não me custa nada admitir que sim tendo em conta o calibre da pandilha que tomou conta do país, a lei não serve. E cada dia que passa serve menos.
Se a lei não serve, os juízes se tivessem metade do prestígio que julgam que têm, já tinham feito um levantamento de rancho e fechado os tribunais. Tinham acabado com a palhaçada. Com o circo.
Não se dão ao respeito e não se enxergam. E a isso junta-se PGD, STJ e gente como aquele senhor a ler a carta do indivíduo Vara e a negar que tivesse visto a carta do indivíduo Vara, numa cena "montypythonesca" lamentável. Estão bem para os políticos. Bem uns para os outros.
A tese que aqui defende começa a não ser sustentável só pela incompetência da comunicação social—nem se pode explicar tudo só com isso. Há um país incrédulo de Norte a Sul. Saindo dos meandros da justiça, desafio-o a encontrar uma dúzia de pessoas que se manifestem a favor de juízes, advogados, procuradores e companhia limitada. Enfim, a favor da "justiça".
E vem aí mais circo: Casa Pia, Freeport, Face Oculta, etc, etc, etc. Um pagode completo. Um nunca acabar. E por sorte, vivemos numa era em que há sempre um microfone disponível para todo o idiota debitar dislates, sobre estes e muitos outros casos. E debitam continuamente. Já não se aguenta. -- JRF

O Público activista e relapso