sábado, novembro 22, 2014

O juiz Carlos Alexandre à D.N.



O Diário de Notícias de hoje, ao contrário de outros matutinos, não diz nada sobre a detenção de José Sócrates mas faz um pequeno retrato perfilando o juiz do TIC de Lisboa, Carlos Alexandre.

Ora o que se diz do juiz que hoje vai ouvir José Sócrates e outros detidos em mais uma maratona de interrogatórios judiciais para aplicação de medidas de coacção em sede de inquéritos?

Diz-se o que dizem os advogados que não apreciam o estilo do juiz e o que alguém da PJ que aprecia também diz.
Os advogados que é um "justiceiro", com "total falta de imparcialidade sob uma enorme convicção de que se prossegue um bem maior" e portanto, "despreza o Estado de Direito" mas "é rápido e eficiente". Os da PJ que não tem jogos palacianos e não protege os interesses de ninguém.

E quem dizeis vós que eu sou, perguntaria Cristo nesta sondagem à boca dos interrogatórios? Falo por mim que sou apóstolo deste crucificável e digo já:

Carlos Alexandre é o juiz de instrução ideal para o Ministério Público que temos. Um privilégio. Porquê? Porque se dá bem com o Ministério Público e as polícias, no sentido de os respeitar e não ter aquela ponta de arrogância auto-suficiente que uma antiga juiz que ocupou a mesma cadeira e agora está no Constitucional tinha ao dizer que um dos papéis do juiz de instrução é "saber dizer não às polícias e ao Ministério Público".
Esta maneira de ver o papel funcional do juiz de instrução é errada porque parte do pressuposto que um juiz de instrução deve levar a independência estrutural, apanágio do juiz,  ao âmbito recôndito da prova pública permanente do distanciamento do objecto do processo em favor de uma opinião pessoal distinta dos demais operadores judiciários.
No limite, esta concepção nega a própria independência porque acantona as decisões a originalidades rebuscadas na análise subjectiva de provas e concepções doutrinárias. No afã de se mostrar independente, um juiz de instrução com esta preocupação permanente pode denegar a justiça para mostrar que não depende de polícias ou ministério público e que por isso mesmo é "independente".
No fundo, esta arrogância  tipifica quem se julga superior por confundir a expressão supra partes com super parte.
Carlos Alexandres não é assim e cumpre a função de análise de prova recolhida pelo ministério público e polícias tendo em conta o trabalho e resultados desenvolvidos e recolhidos por estas entidades, sindicando-as apenas à legalidade vigente. E nisso tem sido exemplar. Colabora pessoalmente com os magistrados envolvidos na investigação, sem esquecer o papel equidistante que obriga sempre à ponderação da legalidade estrita, mas não complica com interpretações arrevezadas e destituídas de senso comum o sentido de uma decisão que se imporia sempre perante a prova recolhida.
Neste aspecto é necessário dizer qual  o papel funcional do juiz de instrução enquanto dura um inquérito que é instaurado no MºPº e que  esta entidade dirige: propor ao JIC medidas processuais que podem afectar os direitos, liberdades e garantias legais e constitucionais das pessoas. Estas medidas são essencialmente as que contendem com escutas telefónicas para recolha de prova ou até como meio de prova; buscas domiciliárias e em estabelecimentos reservados como os bancos e escritórios de advogados e acompanhamento pontual destas diligências e prova assim recolhida com vista a sindicar a legalidade da mesma.
O que pode fazer um juiz de instrução nestes casos? Pode dizer não às polícias e ao ministério público, sem mais? Não, não deve, apesar de o poder fazer na prática, porque dependendo de interpretação jurídica, o teor das propostas do ministério público, perante um juiz de instrução menos propenso a acolher favoravelmente, podem efectivamente contribuir negá-las e assim assegurar uma maior dificuldade na obtenção de prova essencial à descoberta da verdade. É isso que os advogados de defesa esperam e querem.
E é neste ponto que conflui a essência do papel do juiz de instrução: tal como as entidades que investigam directamente, deve contribuir para o supremo bem jurídico destas matérias criminais que coincide com o bem comum: descobrir a verdade material que é limitada e até aniquilada muitas vezes, pela verdade formal que resulta da manipulação abusiva do jogo dos direitos, liberdades e garantias consagrados na lei e tanto do agrado das defesas dos entalados excelentíssimos, aliás autores directos, muitas vezes, de tal legislação.
A verdade formal que muitas vezes denega a justiça é o reflexo directo daquele entendimento espúrio sobre o papel do juiz de instrução, o de "saber dizer não às polícias e ao ministério público" por princípio e lema.
Quem assim pensa, deveria estar na advocacia das elites...porque as nossas leis penais já são tanto dadas às garantias que conseguir provar um delito de certa natureza como a que está agora em jogo nos últimos processos mediátios é muitas vezes um feito histórico.

Para além desse adequado e correcto entendimento da função, o juiz Carlos Alexandre conjuga ainda outros factores de excepcionalidade: colabora directamente com o ministério público, polícias  e as pessoas concretas que aí trabalham, nos pormenores logísticos de recolha de prova em que deva funcionalmente intervir, sem esquecer e por vezes reivindicando e lembrando a estrita legalidade a observar por todos, sem excepção. Ou seja, não se distancia num gabinete de falsa independência e reserva fátua, mas aproxima-se no terreno dos factos e das ocorrências concretas e é assim que deve ser. Ao mostrar, por vezes literalmente, o papel da lei, cumpre o que lhe é exigido nessa matéria: fiscalizar o que o ministério público e polícias fazem nesse domínio, autorizando ou negando em conformidade com a legalidade. E é isso que tem acontecido nestes anos que leva de JIC no lugar que ocupa.
O resto são pormenores, mesmo os que resultam do descontentamento que tal atitude provoca em quem preferiria um juiz menos interventivo e mais formal, distanciado de uma realidade prática que contende afinal com a criminalidade de alto coturno e que por isso sendo mais facilmente enganado pelos poderes fáticos.

As tentativas infrutíferas, ao longo dos anos e já lá irão cerca de dez, de o apear do lugar, por vezes com recurso a golpes baixos de diversa índole, em que avultam mesmo traições de colegas menos dignos de lhe calçar os sapatos, dizem muito sobre a excepcionalidade do modus operandi deste juiz de instrução. E que ninguém tenha a mínima dúvida: se alguma coisa de menos correcto fosse possível apontar-lhe, em termos pessoais e profissionais, já o teriam feito porque sendo um juiz que incomoda certos poderes fácticos tem sido permanentemente um juiz a abater ao efectivo da verdadeira independência. Portanto, um crucificável no altar dos interesses espúrios da criminalidade de alto coturno.
Isso, porém, não é qualquer mata-mouro que entende.

Questuber! Mais um escândalo!