A leitura, nos últimos dias, de alguns escritos
mediáticos, suscita-me algumas
considerações sobre o assunto dos juízes em Portugal.
Em primeiro lugar a leitura de algumas passagens de um
pequeno livro de Rui Verde- Juízes-o novo poder, 2015 Rui Costa Pinto edições-
que apresenta um pequeno vademecum sobre o tema, com a opinião do autor que julgo interessante. As propostas? Simples: acabar com os juizes de instrução, JIC( e para substituir por quem?); pugnar pelo sorteio dos juizes de primeira instância ( não sei como nem para quê); fim da profissionalização da carreira ( teríamos então juizes amadores, escolhidos por sorteio, como os jurados?) e extinção do CEJ ( naturalmente). São propostas que não garantem uma coisa básica: uma melhor justiça do que a que temos. E para melhor, está bem; para pior já basta assim...
Depois, na terça-feira, um artigo de Pedro Soares Martinez,
no O Diabo, sobre o Barão de Montesquieu e por último, no dia de ontem, um
artigo de Estrela Serrano no Público sobre
" a função política da justiça".
E.S. lembra os últimos processos mediáticos, envolvendo
figuras públicas de relevo, para dar corpo a uma ideia: os juízes que se tornam
protagonistas dos casos acabam por ser actores principais da descredibilização
da justiça.
Será assim?
E.S. cita os casos do
Brasil ( operação Lava Jato) e Itália ( Mani Pulite) para mostrar exemplos
desse protagonismo. De caminho cola o
caso Sócrates, sem o mencionar...porque é disso que se trata, neste artigo
que me parece manhoso, na medida em que pode obter um efeito lateral ao assunto exposto e que deveria ter sido ponderado por quem se julga inteligente.
São dois casos em que se questionou e questiona a actividade de políticos que receberam dinheiros de proveniência
duvidosa e enquadrada em actividade criminal de corrupção. Factualmente não saem deste contexto, tal como o caso Sócrates. Puxar o assunto para a política é desconversar e entrar na chicana que os visados pretendem sempre.
O estranho nas
pessoas que questionam a Justiça mediatizada nestes casos é assestarem baterias
críticas aos juízes e desviarem o foco de tais políticos, operando uma transposição de valores que em si mesma é
duvidosa porque suspeita de anomia, para sintetizar um lugar-comum.
Estas pessoas nunca escrevem sobre esses fenómenos que
implicam a intervenção da Justiça e passam a analisar o funcionamento dessa
mesma Justiça a propósito da
intervenção nesses fenómenos, em
consequência de imposições constitucionais, legais e de princípios civilizacionais.Os tribunais são o órgão do Estado encarregado da Justiça porque a nossa civilização assim o definiu há séculos e andar sempre a questionar o modo como opera a Justiça pode ser positivo, mas releva quase sempre da preocupação de evitar que se possa fazer Justiça que é sinteticamente atribuir o seu a seu dono. O caso Casa Pia é paradigmático e é a pedra de toque de todos estes artigos e artiguelhos. Sempre. Antes disso, a Justiça não existia para este jornalismo de pederneira. A pedra no sapato destas pessoas comprometidas politicamente com uma certa esquerda socialista, jacobina e democrática que se julga a detentora do espírito das leis, do direito e da moral.
Os juizes fazem parte do poder judicial que os Estados modernos consagram como um poder paralelo aos
demais, o legislativo e executivo e com uma função específico que já tem alguns
séculos de experiência: dirimir
conflitos, incluindo os que envolvem a sociedade, através do direito publico,
como o penal.
Porém, para estas pessoas, poder a sério são os dois últimos
e o primeiro é uma espécie de excrescência que só aparece para perturbar os
demais. Estas pessoas não respeitam o poder judicial sempre que este poder interfere com pessoas que integram os outros poderes, particularmente da área política que lhes é afecta. É isso que denotam estes escritos duvidosos e isso é um problema maior do que aquele que aparentemente querem discutir.
Porque é que aparece um processo "mãos limpas" na
Itália? Porque a sociedade da época estava em tal forma deslassada de princípios e valores consentâneos
com o Direito que a consequência foi a intervenção do poder judicial, para além
do que seria normal. Uma intervenção necessária porque legal e obrigatória. O que deveria fazer
o poder judicial italiano perante a avalanche de casos, provas e suspeições de
comportamentos lesivos do interesse do povo ( em nome de quem se aplica
justiça, em último caso)? Calar e
esconder? Silenciar e resguardar a reserva de protagonismo? Actuar nos gabinetes, sem rosto e sem nome? Arquivar nas gavetas em processos administrativos, rasgando as provas?
A resposta a estas questões é muito fácil e a sua ponderação
por breves instantes evitaria escritos como o de Estrela Serrano e outros que
denotam a mesma intenção.
Por outro lado, o tal protagonismo judicial só acontece
porque a sociedade em geral não está preparada para lidar com estes casos de maneira normal e os media ( de que E.S. é
uma representante) são verdadeiramente
os responsáveis por estes protagonismos escusados.O tratamento destes casos, assim mediatizados, revelam uma grande ignorância teórico-prática das funções do Estado e da Justiça e Tribunais em particular e ao mesmo tempo uma arrogância desmedida na crítica ao seu funcionamento, porque se espelham no parece que é. Resumidamente, os jornalistas em geral ( mas felizmente cada vez menos) revelam um desconhecimento atávico dessas realidades e entram nelas de chancas e sem o cuidado que deveriam ter. Acresce a isso a tal arrogância de pretenderem transformar-se em síndicos de tudo e de todos, excepto da sua classe profissional, tão cheia de traves nos olhos.
Em Portugal não há qualquer magistrado, para além de um ou
outro que gostam de mostrar o que fazem profissionalmente, nas tv´s, que possa ser acusado desta forma, como
"protagonistas", o que aliás é epíteto para desqualificar e descredibilizar o
exercício da justiça.
Os magistrados mediatizados, em Portugal são vítimas dessa
voragem mediática e de bom grado a dispensariam, estou certo do que escrevo. Algum se atreve a falar publicamente esclarecendo o que aliás até deveria sê-lo? Nenhum. E devia. Por mim, acho que o dr. Carlos Alexandre já deveria ter dado uma entrevista a explicar o seu papel como juiz de instrução, porque qualquer dia devoram-no mediaticamente. Porém, estou certo que tal é condicionado por estes artiguelhos judiciosos e manhosos. Quase ninguém entende devidamente a solidão e pressão mediática sobre este juiz ( ou outro que desempenhe papel idêntico) e quase ninguém protege estes magistrados devidamente destas investidas de lobos vestidos com peles de cordeiro que afinal fazem sempre o jogo daqueles que pretendem condicionar esse poder judicial e tudo tem feito para tal ao longo dos últimos anos, particularmente desde o caso Casa Pia. Tal é público e notório mas não se vêem escritos sobre o assunto, a exigir um recuo em tais pretensões. É ler o que Rui Verde escreve sobre a independência dos juizes, particularmente desde 2007, com a lei de responsabilidade civil...
Então porque razão estas pessoas, tipo Serrano, andam sempre
às voltas com o assunto?
É preciso procurar razões noutro lado que não o que tentam
mostrar e parecem-me escondidas nos recônditos intencionais. Por isso evito
prosseguir o processo e fico apenas pela denúncia. Quem quiser que investigue.
Ficam por isso aqui os artigos citados e algumas páginas do
livro de Rui Verde que recomendo às Serranos do nosso triste panorama
mediático.