O que é o Mal? Onde está o Mal? Quem são os génios do Mal?
À míngua de estudos de filosofia que me permitam esportular
opiniões alheias como se fossem próprias, com citações avulsas para emoldurar o efeito,
vou citar ideias alheias para recolher opinião.
De Platão a Nietzsche, o Mal e o Bem já foram escapelizados conceptualmente
e a ideia que mais me seduz é a de Santo Agostinho: o Mal que vem associado à
morte e ao sofrimento e privação do Bem está
em cada um de nós. E mais: o Mal associado ao pecado, dependerá da nossa vontade se tivermos o arbítrio
livre e desempenado.
A Guerra, como palco exponencial da natureza do Mal que se
inflige ao próximo pode ser um campo de análise do maligno.
A Guerra depende da vontade das pessoas, de um grupo de
indivíduos reunidos numa nação, tribo, clique, credo etc.
O exemplo mais flagrante e próximo é a Segunda Guerra
Mundial que começou em Setembro de 1939 com a invasão da Polónia pelas tropas
alemãs de Hitler e terminou faz agora 70 anos, com a derrota estrondosa do mesmo führer.
Para analisar o Mal nesta IIGM é preciso colocar uma questão
inicial: é possível ser neutro nessa análise? Ou seja, olhar para os factos
históricos, entendê-los no seu contexto de época, sindicá-los de acordo com
critérios morais, éticos e desprendidos de enviesamentos político-ideológicos? Não me parece possível.
Por isso, não tendo vivido os acontecimentos nem o tempo
deles, só com a reflexão sobre opiniões
alheias poderia afirmar algumas ideias
avulsas que nem sequer tentaria colocar como máximas de sabedoria própria e infusa.
Mesmo assim vale a pena tentar algumas opiniões sobre as
quais a leitura deste postal me deu azo
a reflectir.
Qual foi o acto maléfico mais hediondo da IIGM? Terá sido o lançamento de duas bombas
atómicas em cidades japonesas, já no final da guerra, há cerca de 70 anos e que dizimou num instante, muitas dezenas de milhar de pessoas, ou terá sido a decisão de extermínio de uma raça inteira de seres humanos, da ordem de mais de uma dezena de milhões de almas?
Para os factos que seguem vou citar o livro História da II
Guerra Mundial, de André Latreille, da editorial Aster, sem data mas comprado por
mim, na feira do livro de Maximinos, Braga, em 18.6.1971. Custava 90$00 e
estava com 50% de desconto e o assunto era um dos que mais me interessavam na
altura. Para além disso, o livro tinha um aspecto gráfico apelativo e por tal foi irresistível. Nunca o li integralmente, motivo porque tive mais olhos que barriga, mas é quase sempre assim com os livros que se apresentam graficamente tentadores.
O balanço de vítimas rondaria os 50 milhões . Os EUA que
entraram mais tarde na guerra perderam cerca de 300 mil militares. A URSS terá
perdido entre 13 e 17 milhões de pessoas, de longe o povo mais sacrificado. A
Europa central e ocidental contaram cerca de 15 milhões de mortos , tendo a
Polónia sido a mais atingida, com 5 milhões, dos quais metade seriam judeus. A
Alemanha teria cerca de 4,5 milhões de mortos, com 150 mil civis. A França 600
mil mortos, incluindo 250 mil militares e o Reino Unido 326 mil soldados e 62
mil civis.
Relativamente ao Japão não há números exactos, mas a
população, entre 1941 e 1945 diminuiu cerca de 870 mil indivíduos.
Todas estas mortes decorreram da guerra e de actos de
guerra, como bombardeamentos, combates e eliminações físicas directas ou
indirectas.
A seguir à Guerra vieram as inevitáveis deslocalizações e
vagas de refugiados, aos milhões, particularmente na Alemanha já devastada.
Muitos desses refugiados tiveram que ser acolhidos nos
antigos campos de concentração alemães ( Dachau é um exemplo disso) e
implicaram um esforço de ajuda importante, particularmente dos americanos. A
fome, devastação de habitações e ausência de condições mínimas de subsistência
foi uma consequência acrescida a esse Mal.
Quem foram os causadores desse Mal?
Para elencar alguns factos sobre este assunto, sirvo-me da
revista Philosophie de Maio de 2013, copiando descaradamente algumas passagens.
Na senda de Santo Agostinho, uma judia contemporânea dos
acontecimentos, Hanna Arendt ( que se refugiou em França e nos EUA, escapando
aos campos, mas que se relacionou amorosamente com o filósofo Heidegger, 17
anos mais velho) , escreveu sobre o assunto e concluiu que esse Mal afinal era
"banal", corriqueiro entre a natureza humana.
Não encontrou entre os
seus conterrâneos alemães os algozes diabólicos e perversos, susceptíveis
de figurarem como bodes expiatórios. Portanto, será um Mal que está no sangue da
natureza humana. Devido a essa
"compreensão" da natureza
humana , em 1961, depois da publicação da obra As Origens do totalitarismo (
1951), Arendt chegou a Jerusalem para acompanhar o processo de Adolf Eichmann,
raptado pelos israelitas, um ano antes, na Argentina, onde se encontrava
refugiado. Dois anos depois publicou na revista New Yorker ( direcção judaica)
uma sequência de artigos sobre o processo Eichmann em Jerusalem:
"Relatório sobre a banalidade do mal" em que qualificava o referido
nazi como um "palhaço escrupuloso e sem consciência. Arendt informa que
Eichmann se inscreveu no partido nazi, em 1932 por oportunismo, sem motivo
ideológico ou por convicção. Integrando
os serviços especiais das SS, especializar-se-ia na questão judaica.
Sob as ordens do SS Reinhard Heydrich estuda o problema
judaico e pensa numa solução de emigração forçada para uma terra própria, como
Madagascar ou o Leste. Em menos de 18 meses, a Áustria livrou-se de mais de
metade da população judaica, através desta emigração forçada.
Eichmann, segundo Arendt que consultou as 3 567 páginas do
interrogatório de 1961-62, achava que tal solução seria a ideal: para os judeus
que desejariam emigrar e para os nazis que pretendiam um Reich expurgado da
raça judaica ( "purificado de judeus").
No Verão de 1941, porém, as coisas mudam de feição, com o
evoluir da guerra. Afinal, o
"problema judaico" carece de uma "solução final" e rápida.
Hitler ordenara o extermínio dos judeus, final, teria informado Heydrich a
Eichmann. Para encontrar essa "solução final", altos dignitários
nazis reuniram-se numa estância aprazível, em Wannsee, a um pouco mais de 20 km
de Berlim, junto a um lago e que os alemães usam hoje em dia como estância de veraneio.
A.Eichmam, o especialista em judeus, redigiu as actas da reunião,
como secretário. Actuou como um funcionário zeloso e cumpridor de ordens
alheias, sabendo perfeitamente o que fazia uma vez que esteve várias vezes nos
campos de Treblinka e Auschwitz e organizou metodicamente as deportações maciças
de judeus para os campos de concentração que eram de morte, de extermínio, declaradamente.
Sobre esse local em Wannsee as fotos que seguem ajudam a percebe o
ambiente em que decorreu tal conferência em que se discutiu o extermínio de
milhões de pessoas de raça judaica, em campos de concentração criados para o efeito.
Os participantes na conferência de Wannsee não eram demónios ou fanáticos tresloucados. Eram seres banais, como escreve
Arendt a propósito de Eichmann que conheceu e analisou.
A "villa" existente, na morada 56–58 Am Großen Wannsee, fora comprada pelo regime nazi para organização de reuniões e sítio de acolhimento de hóspedes e fica situada nas margens do lago com o mesmo nome, um local que ainda hoje é extremamente aprazível e cheio da verdura das árvores frondosas e jardins cuidados. Actualmente é uma espécie de "centro de interpretação" do nazismo relativamente ao "problema judaico", como muitos outros pela Alemanha fora...
A alameda de entrada, com foto de Segunda-Feira passada ( com 40º que se notam no andar penoso e de bolsa na mão...)
A alameda de entrada, com foto de Segunda-Feira passada ( com 40º que se notam no andar penoso e de bolsa na mão...)
Esta é a imagem da sala de 1941:
E esta é a actual:
Esta é a lista compilada por Eichmann, dos judeus então existentes e com um original que se encontra nas vitrinas da actual casa-museu, a par da acta que escreveu.
O mentor deste plano foi este Heydrich ( imagem da revista francesa Histoire, de Março-Abril de 2015), juntamente com outros:
Sobre o ataque nuclear americano a Hiroshima e Nagasaki, estas páginas daquele livro de André Latreille ( então professor universitário em Lyon) mostram como se entendia o problema moral do lançamento das bombas atómicas: a questão foi sempre delicada e com opiniões de má consciência...
Sobre o ataque nuclear americano a Hiroshima e Nagasaki, estas páginas daquele livro de André Latreille ( então professor universitário em Lyon) mostram como se entendia o problema moral do lançamento das bombas atómicas: a questão foi sempre delicada e com opiniões de má consciência...
Não obstante, hoje em dia, o assunto não é assim tão linear e uma revista francesa de Guerra e História ( pertença do grupo Science & Vie) deste mês, mostra uma entrevista com um dos elementos da tripulação do Enola Gay ( que lançou a bomba em Hiroshima), o navegador major Van Kirk datada de 2012 ( Kirk morreu em 2014, com 93 anos) e também com um médico japonês dessa localidade e que sobreviveu ao ataque, Shuntaro Hida.
A versão do americano é a de quem sempre entendeu o ataque nuclear justificado por afinal ter poupado muitas vidas, principalmente japonesas, terminando a guerra mais cedo do que seria previsível.
A versão do japonês, separados apenas por alguns quilómetros naquele instante da deflagração: as entidades oficiais garantiam que o Japão estava a ganhar, contra as evidências que o povo via.
A questão da bomba nuclear continua na ordem do dia. Como escreve a revista, nesse mesmo dia, o assalto do Exército Vermelho na Manchúria provocou numa semana mais de um milhão de mortos japoneses.
Por outro lado, continuam as interrogações sobre as verdadeiras motivações do ataque nuclear: a "bomba" não é uma bomba qualquer e o assunto remete-se para o dominio político, antes que militar, uma vez que o carácter excepcional de tal engenho de morte, com uma eficácia avassaladora, remete-o para esse campo.
E as perguntas sobre o que verdadeiramente motivou os americanos têm a ver com a ameaça vermelha de Estaline que assim fica a saber com o que deve contar se mantiver ideias expansionistas, com a imposição de uma capitulação incondicional ao Japão ou para testar a eficácia de tal engenho do Mal?
A resposta a esta pergunta conduzirá ao raciocínio de que afinal os americanos são mesmo os pais do Mal?
Por outro lado, continuam as interrogações sobre as verdadeiras motivações do ataque nuclear: a "bomba" não é uma bomba qualquer e o assunto remete-se para o dominio político, antes que militar, uma vez que o carácter excepcional de tal engenho de morte, com uma eficácia avassaladora, remete-o para esse campo.
E as perguntas sobre o que verdadeiramente motivou os americanos têm a ver com a ameaça vermelha de Estaline que assim fica a saber com o que deve contar se mantiver ideias expansionistas, com a imposição de uma capitulação incondicional ao Japão ou para testar a eficácia de tal engenho do Mal?
A resposta a esta pergunta conduzirá ao raciocínio de que afinal os americanos são mesmo os pais do Mal?
Lendo esta passagem de A. Latreille, sobre o contexto nazi na prossecução da "solução final" para o problema judaico, talvez seja necessário entender que o conceito de guerra, moral e Mal é um pouco diverso daquele que os americanos usavam.
Se o poder mortífero de uma bomba nuclear é avassalador e se conta em dezenas e dezenas de milhar de mortos por engenho, numa eficácia diabólica, assimilando-se tal efeito ao Mal, se usado naquelas circunstâncias equívocas e aparentadas a um morticínio genocida, teremos então que concluir, pelo menos duas coisas: os alemães, se tivessem montado essa bomba antes dos americanos, tê-la-iam usado indiscriminadamente, particularmente na URSS e teriam aniquilado não os milhões que aniquilaram mas uma quantidade exponencialmente maior que os levaria a uma vitória militar indiscutível.
É preciso não esquecer que na mente alemã dos seguidores do nazismo, a raça judaica esteve sempre presente como espécie a riscar de todos os mapas, com excepção dos estatísticos da mortandade genocida. A ideia inicial era eliminar tais percevejos humanos no fim da guerra, reservando esse efeito como se fosse uma girândola arrasadora. A mudança de planos ocorreu a meio do jogo, em 1941 na dita conferência de Wannsee.
A segunda é que actualmente, vários estados têm esse poder mortífero armazenado. Ou seja, o Mal está lacrado em silos e à distância de alguns cliques autorizados a algumas pessoas com poder para tal.
Sendo isto uma questão política não deixa de o ser noutro nível que é o de saber afinal o que é o verdadeiro Mal e quem dele esteve mais próximo: os americanos por terem usado as bombas como o fizeram ou os alemães por terem praticado os actos que praticaram?
Se o Mal é banal e reside na mente de cada pessoa singular e principalmente em colectividade organizada por ideias perversas, então pode não existir diferença qualitativa ( todos são capazes de tal façanha) e apenas quantitativa ( nos métodos, técnicas e objectivos).
A meu ver, importa não perder de vista esta perspectiva, porque senão estaremos a comparar um genocídio real com outro inventado...apenas por motivos estatísticos que aliás nem sequer o suportariam.
Se o poder mortífero de uma bomba nuclear é avassalador e se conta em dezenas e dezenas de milhar de mortos por engenho, numa eficácia diabólica, assimilando-se tal efeito ao Mal, se usado naquelas circunstâncias equívocas e aparentadas a um morticínio genocida, teremos então que concluir, pelo menos duas coisas: os alemães, se tivessem montado essa bomba antes dos americanos, tê-la-iam usado indiscriminadamente, particularmente na URSS e teriam aniquilado não os milhões que aniquilaram mas uma quantidade exponencialmente maior que os levaria a uma vitória militar indiscutível.
É preciso não esquecer que na mente alemã dos seguidores do nazismo, a raça judaica esteve sempre presente como espécie a riscar de todos os mapas, com excepção dos estatísticos da mortandade genocida. A ideia inicial era eliminar tais percevejos humanos no fim da guerra, reservando esse efeito como se fosse uma girândola arrasadora. A mudança de planos ocorreu a meio do jogo, em 1941 na dita conferência de Wannsee.
A segunda é que actualmente, vários estados têm esse poder mortífero armazenado. Ou seja, o Mal está lacrado em silos e à distância de alguns cliques autorizados a algumas pessoas com poder para tal.
Sendo isto uma questão política não deixa de o ser noutro nível que é o de saber afinal o que é o verdadeiro Mal e quem dele esteve mais próximo: os americanos por terem usado as bombas como o fizeram ou os alemães por terem praticado os actos que praticaram?
Se o Mal é banal e reside na mente de cada pessoa singular e principalmente em colectividade organizada por ideias perversas, então pode não existir diferença qualitativa ( todos são capazes de tal façanha) e apenas quantitativa ( nos métodos, técnicas e objectivos).
A meu ver, importa não perder de vista esta perspectiva, porque senão estaremos a comparar um genocídio real com outro inventado...apenas por motivos estatísticos que aliás nem sequer o suportariam.