quarta-feira, janeiro 05, 2022

O poder judicial dominado pelo CSM

 O Conselho Superior da Magistratura, um órgão administrativo que tem como função ocupar-se da gestão administrativa da carreira judicial, foi transformado por via de legislação a preceito, num órgão máximo da magistratura judicial, funcionando quase como um poder hierárquico dos juízes e condicionando o próprio poder judicial que constitucionalmente é independente e um dos poderes do Estado, a par do legislativo e do executivo. 

A situação atingiu o paroxismo escandaloso com o último caso da decisão de um dos seus representantes, precisamente o vice-presidente, Conselheiro Lameira, sobre distribuição de processos penais polémicos em que avulta, qual elefante no meio deste salão, o processo EDP que envolve figuras gradas do regime e do poder político socialista que está. 

A delicadeza do assunto é de tal ordem que o poder judicial deveria ser deixado sem sombra de suspeita de eventual favorecimento de tais figuras gradas, mas sucedeu o contrário e continuam a acontecer factos estranhos, vindos do mesmo lado ( o CSM) que adensam tais suspeitas, como escreve o CM de hoje e particularmente o editorial de Eduardo Dâmaso.

Diga-se que o CM é o único órgão de informação impresso que levanta esta lebre apontando factos objectivamente estranhos porque não explicados ou com explicações insuficientes para o caso. Os demais, incluindo o Público dão conta das notícias secas a propósito dos comunicados do CSM e referindo quando muito o documento de impugnação dos cinco juízes à decisão daquele Conselheiro Lameira em que se apontam duas ilegalidades concretas. O Público insinua mesmo que tal impugnação se ficou a dever a razões egoístas dos juízes que assim ficariam sem os € 700 euros que uma acumulação de serviço lhes poderia garantir. É preciso ter lata, para repetir este argumento na notícia de ontem e de hoje em duas ou três passagens do escrito que nada mais esclarece. O jornalismo do Público é cada vez mais irrelevante e medíocre. Se acabar pouco ou nada se perde, para quem lê. Não informa devidamente, muito menos explica e por vezes desinforma e manipula, como neste caso. Por mim, podia mesmo acabar. O jornal, entenda-se. É uma pena como conseguiu descer a níveis tão rasteiros de um jornalismo medíocre, com este director, Carvalho, sempre apostado no jornalismo da sua causa.

Em 1996 ( 22.6.1996,  quem quiser que vá verificar...e por ocasião da discussão a propósito do segredo de justiça no caso da decapitação num posto da GNR de Sacavém) num editorial do Público, o seu director Vicente Jorge Silva começava por dizer que "o jornalismo procura a verdade". O Público actual é a denegação concreta deste princípio porque não lhe interessa tal coisa desde que preencha o espaço com n´importe quoi.

Por isso aqui fica a notícia do CM, afinal bem mais objectiva na respectiva subjectividade opinativa: 



Como é que se explica isto no contexto actual da sociedade portuguesa? Vou tentar dar a minha opinião.

Para perceber a génese deste fenómeno escandaloso e prejudicial para o Estado democrático, como salienta Eduardo Dâmaso, é necessário apontar datas e nomes. Particularmente de há uma dúzia de anos a esta parte, com o consulado do inenarrável Noronha Nascimento mais o seu par do MºPº no processo Face Oculta, Pinto Monteiro, mas é  necessário ir um pouco mais atrás, aos anos novente e ao  final dessa década, antes ainda do processo Casa Pia, o verdadeiro marco da ignomínia a que assistimos hoje em dia e com os protagonistas de sempre, identificáveis e que andam sempre na ribalta. 

A raiz do mal reside na mistela espúria entre interesses político-partidários, do PS e do PSD, e o poder judicial. Tudo começou em 1974, com o poder judicial a cair nas mãos da esquerda socialista e comunista, com predomínio daqueles que através de Almeida Santos ou Salgado Zenha influenciaram as décadas vindouras com as suas concepções e decisões políticas. 

Obviamente que tudo reside também na escolha de nomes para ocupar lugares de influência e determinação na orgânica do poder judiciário e quem teve a fatia de leão neste poder de facto foi o PS, com as nomeações do PGR ( Cunha Rodrigues) e outros lugares-chave como o CEJ ( Laborinho Lúcio, do bloco central e os ajudantes, como um gago que por lá andava e era do PSD). O bloco central de interesses e lugares sempre mandou na justiça deste país até porque sempre governou nas últimas décadas. 

O poder judicial foi independente até certa altura, em que começaram a surgir os processos envolvendo gente desse bloco central, como os primeiros dos fundos comunitários ( UGT e quejandos) e depois o processo ignominioso do caso Melancia, a primeira grande machadada no princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei. 

Com o advento dos casos tipo Moderna começaram verdadeiramente os problemas. Em 1994 ainda era possível ouvir um juiz a falar assim, em nome do CSM: 


O CEJ, como escola de magistrados interessava ao poder político e por isso ao longo das décadas foram lá colocados a mandar os respectivos comissários. Não é por acaso que está lá quem está.

E nessa altura ainda era possível ler um juiz que foi presidente do STJ a escrever uma carta a um jornal incentivando os juízes a uma independência de facto e a "não terem medo": 


Medo de quem e de quê? Obviamente de quem lhes poderia fazer mal, pessoal ou profissionalmente. Quem é a entidade de quem os juízes têm mais medo? Obviamente o Conselho Superior da Magistratura. 

Perante esse facto evidente, os políticos não descansaram até conseguirem alcançar o centro de difusão magna desse poder mágico de atemorizar juízes: o CSM e o seu controlo de facto e de direito, com a representação em maioria, sob a justificação de que era mais democrático e afastava o perigosíssimo corporativismo dos magistrados. 

As tentativas de alcançar tal poder foram surgindo através de vários peões de brega, um deles, um insuspeito político de centro, muito acaparado ao socialismo e que dele obteve os benefícios para a vidinha. No artigo do Público de 1995 avisava para o perigosíssimo fenómeno da "república de juízes", coisa que já se tinha visto em Itália e com resultados funestos: o socialista Craxi foi defenestrado do poder político para o exílio da Tunísia e como era sabido tinha amigos por cá, um deles, o chamado "marocas", o tal do caso Melancia...



O artigo teve resposta de um magistrado que procurou colocar os pontos nos ii, mas de pouco adiantou: o magistrado Maia Costa, de uma esquerda mais comunista, vindo dos lados do MºPº tinha apesar de tudo uma ideia correcta sobre a magistratura e em tudo diversa da exposta acima nas preocupações daquele procurador de políticos entalados.


Em 1995 com o aparecimento dos casos envolvendo políticos e a repercussão mediática de outros começaram as fricções entre os poderes que deveriam continuar independentes um do outro, para bem de todos.

O Público de 1995 com uma foto de procuradores mostrava o ambiente entre os juízes que se queixavam de ausência de liberdade de expressão.



No artigo dava-se conta do poder dos juízes, em 1995 e o papel dos inspectores judiciais, para além do mais. E tudo a propósito de um juiz desalinhado que teceu críticas ao órgão de gestão da magistratura e que para poder dizer o que entendia teve que o fazer no estrangeiro, neste caso em Espanha! 

Portanto, o aviso daquele comissário de políticos entalados estava feito e foi replicado, até por personagens de opereta judiciária, verdadeiros infiltrados como este que ainda anda por aí, no mesmo sítio de sempre: o poder político de bloco central. Já foi chefe do CSM! Eleito pelos pares, depois de ter sido director-geral e ajudante de governos em bloco central, como é natural. E vai para o STJ, tal como a actual ministra da Justiça, o que revela bem a evolução deste poder judicial e de quem o controla. 

Em 1997 desenvolveu uma teoria peregrina, vinda de nenhures, a propósito da independência do poder judicial que afinal era uma "hiperindependência" segundo concepções "arcaicas" e que só viam granizo mesmo que estivesse bom tempo, e portanto a carecer de arrimo. Tal como aconteceu, com o seu aplauso e participação e tal como aconteceu recentemente com a extinção prática do TCIC, por motivos também sinuosos. Belo Morgado com estas andanças assumiu-se como um verdadeiro e  diligente funcionário ao serviço do interesse político partidário de bloco central. O contrário da independência e a denegação prática do poder judicial, através de construções artificiosas e manhosas como esta que então expôs: 


Na verdade o segredo do controlo dos juízes e do poder judicial estava, como sempre, no CSM. Quem controlasse o CSM controlaria os juízes, como se veio a demonstrar amplamente e agora é evidente com o presente caso da distribuição de processos no TCIC.

A quem se referia aquele funcionário e apparatchick do poder político infiltrado nos tribunais? Pois, aos que em 1997 contestaram a grande reforma, o grande golpe desferido pelos políticos de bloco central, no seio do poder judicial para tomarem de facto e de direito o seu pleno controlo: a conquista legal de obtenção de uma maioria de políticos a mandarem no CSM, sobrepondo-se aos juízes de carreira, que sempre foram a parte maioritária nesse Conselho até então. Assim:

Em 7 de Novembro de 1997, no Independente, um juiz dos tais "arcaicos" e adeptos da "hiperdependência" do poder judicial dizia isto que agora nunca conseguiria dizer, apesar de ser desembargador, a propósito da tentativa ( aliás conseguida) do bloco central do PS e PSD aprovarem a lei em causa que modificaria a composição do CSM:





Aquele mesmo juiz, ciente do perigo que a mudança trazia ainda era mais explícito ao 24H de 7.11.1997:


 

Claro que os "políticos" não se deixaram ultrapassar e aferraram a mira. Quem eram esses políticos? Francisco Assis e Guilhermo Silva, um do PS e outro do PSD: 



Leia-se a entrevista daqueloutro juiz "arcaico" e perceber-se-á instantaneamente por que razão o poder político actual, a que se associa lamentavelmente o presidente do sindicato dos juízes Manuel Soares, herdeiro daquela concepção contra a "hiperindependência" do poder judicial, não querem um juiz como Carlos Alexandre no TCIC, só para dar esse exemplo. Tal como não querem juízes a falar e emitir opiniões pessoais sobre tais assuntos, afinal reservados aos juízes pós-modernos, como Manuel Soares e os do CSM actual. 

O resultado disto, ou seja deste golpe democrático? Não tardou a manifestar-se, com réplicas até hoje nas sucessivas deslegitimações do poder judicial, algumas delas promovidas directamente pelas atitudes tomadas por aqueles magistrados pós-modernos e dados ao conformismo político com os actores de sempre: PS e PSD. 

A guerra dos políticos transferiu-se para o seio do CSM,  no caso a propósito da (não) nomeação de um juiz ( Santos Cabral) para a PJ...



Depois disto outros episódios muito lamentáveis ocorreram sendo um dos mais perniciosos para a magistratura o que aconteceu ao juiz do processo Casa Pia, Rui Teixeira, vilipendiado pelo CSM, com voto qualificado...de quem, afinal? Pois, dos que ganharam a aposta: os políticos do PS e do PSD! 
Em tempos escrevi sobre tal assunto, assim

O caso da suspensão da análise, pelo CSM, do relatório de inspecção do juiz Rui Teixeira, continua a dar que falar.
Domingo, o jornal Público e o Correio da Manhã imputavam a três conselheiros escolhidos pelo PS para integrar o CSM, a responsabilidade da suspensão dessa análise que tem como consequência o protelamento da atribuição de classificação de serviço, actualizada, ao magistrado.

Como é que dizia o falecido Jorge Coelho? "Quem se mete com o PS..." e os actuais conselheiros do CSM querem tudo menos isso, segundo tudo indica. 

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