sexta-feira, julho 15, 2022

Os velhos amores são duros de roer

 Foi republicado agora, num único volume, pela Bertrand, o livro Escrítica pop, de Miguel Esteves Cardoso e que junta um posfácio com um pouco mais de 100 páginas, publicado na 2ª edição, de 1981,  do livro Pop Music/Rock, de Philippe Daufouy e Jean-Pierra Sarton, originalmente publicado cá em 1974. 

Tal posfácio intitulado O Ovo e o Novo ( Uma discografia duma década de rock: 1970-1980) tornava-se um dos principais motivos para comprar aquele livro, em 1981. E por isso o comprei, mas já tinha comprado a edição de 1974, que aliás trazia cerca de 20 páginas com uma "discografia selectiva" dos anos antecedentes e que nada tinha a ver com o MEC. 

A capa do livro actual é esta:


Qual a razão para a imagem da capa? Além da explicação no posfácio, há esta que foi publicada em 11.11.1980: os velhos amores são duros de roer...tal como as velhas obsessões.




E esta é a explicação para a reedição:



Há afirmações de MEC que me causam perplexidade. Uma delas é a de ler agora que ouviu os Beatles em 1963, afiançando o feito. Com sete ou oito anos de idade! E apreciou tanto que é esse o melhor som dos Beatles, de sempre! É precocidade a mais, pensei. E vai daí, tirei-me dos cuidados necessários e coligi por aqui algumas referências guardadas. 

Começo já pelos Beatles. Há dias comprei o último livro de um coleccionador de Beatles que já publicou vários livros com referências esparsas a capas de discos e artigos de jornais e revistas  da época. Já falei aqui e chama-se Abel Soares da Rosa, um amigo que deu a conhecer recentemente este livro que melhora os anteriores sobre o mesmo tema: 


Claro que podia ter dado a referência do sítio onde foi buscar esta imagem, sobre o Em Órbita, mas não tem importância [ aditamento em 19.9.2022: o autor do livro em causa refere ter sido ele mesmo a realizar o scanning da foto publicada, pelo que a hipótese em causa fica assim sem efeito]. 
O que agora tem interesse é saber que disco dos Beatles apareceu por cá, em 1963 pronto a ser ouvido pelos interessados, eventualmente pela geração que precedeu a que nasceu na segunda metade dos anos cinquenta, neste caso a de MEC ( e a minha, já agora). 
Abel Soares da Rosa mostra este ep, saído em Novembro de 1963 e que continha She Loves you


E estes os primeiros artigos sobre os Beatles:



Portanto, She loves you ou Do you want to know a secret foram os melhores dos Beatles, de sempre, para MEC. Ok. Gostos são gostos e não se discutem. 

Depois, o Escrítica Pop, publicado originalmente em 1982. Na altura não comprei o livro porque tinha as críticas todas escritas na versão original de O Jornal e de O Sete, salvo as da Música & Som que então já não comprava, praticamente desde o nº 29 de Abril de 1978, o que trazia a cara de Roy Harper na capa. Perdi algumas críticas bem interessantes e que agora posso ler, pela primeira vez; aliás pela segunda porque alguns anos depois emprestaram-me o Escrítica Pop original que devolvi ( devolvo sempre os livros que me emprestam...) também alguns anos depois. 

A primeira crítica publicada no O Jornal, que guardei, é esta, de 30.4.1980, sobre um estilo musical específico, em voga na Grã-Bretanha do tempo do pós-punk e da new wave e sei lá que mais. 
escrevi aqui sobre a forma como conheci o tal MEC da crítica musical e  como fiquei deveras impressionado com o novo estilo de escrita em jornal a propósito de música popular. 


Disse então- e repito com gosto- que  [citando-me] "A escrita arreveza um pouco em trocadalhos do carilho e era de facto algo inovadora no panorama nacional da escrita de imprensa da época. Talvez o Assis Pacheco escrevesse coisas assim, sobre outras temáticas, embora menos rebarbativo na prosa.

Desde então habituei-me a ler as crónicas de Miguel Esteves Cardoso sem fazer a mínima ideia de quem fosse porque não havia informação. Muito tempo depois, já em 1981 ou 82 um amigo meu descobriu que era um "puto" como nós, com fama de pequeno génio por causa da tal "inteligência". Enfim, por mim apreciava o modo de escrever descontraído e de palavras escolhidas e novas, com neologismos se necessários.

Quanto à temática, era supérflua. As músicas, os discos e as referências culturais inglesas, pop, já as tinha visto antes, por vezes meses antes, nas revistas de especialidade. E já havia programas de rádio que as passavam, como aliás o autor se dava conta numa dessas crónicas:
Em 1979, um ano antes, já lera sobre a aventura de moda musical dos dois tons e sobre a "descoberta" dos Joy Division já era pólvora seca. O que me interessava era a genuína habilidade musical que descobria em outros artistas. Não era por aí que lia as crónicas de MEC, por causa disto: tudo o que lá vinha já tinha sido tratado antes, no original.
"

O que me admirava então nos artigos de MEC era o estilo, tal como agora. Mas...o estilo sem conteúdo solidificado em referências originais ou pelo menos recheadas de alusões de conhecimento próprio e interessante torna-se rapidamente estéril. Raramente MEC se excedia nessa aurea mediocritas reduzida ao estilo e quanto o fazia era geralmente pela via humorística e esgotava-se nessa dependência acessória.

Tomo um exemplo, neste caso proveniente do tal posfácio ou complemente ao livro sobre a Pop Music/Rock na edição de 1981. Nessas dezenas de páginas MEC desenvolve uma escrítica cronológica à produção musical dos anos setenta e numa nota acerca de Tim Buckley escreve assim:


Agora compare-se a apreciação crítica exarada com uma nota de um livro publicado em 1976, aqui na edição de 1982, a Illustrated  Encyclopedia of Rock. 


Não se trata de plágio, mas apenas de similitude na apreciação crítica, sem originalidade distintiva.
Que diferença entre esta escrítica e a que era possível ler, na revista francesa Rock & Folk, da autoria de um Philippe Manoeuvre e outros!
Deste género de crítica recenseadora até eu fazia...depois de ler a Rock&Folk, em 1975. Até criticava um disco que nunca tinha ouvido, como mostram estas duas folhinhas de várias que tenho por aqui:







A escrita de MEC era inovadora para a época porque não havia ninguém, em Portugal que tivesse a capacidade de surpreender pelo estilo, pelo humor e pelo conhecimento da temática musical do modo que MEC aparentemente mostrava ter. Uma vez ouvi-o dizer que o pai lhe permitia assinar os principais jornais musicais ingleses. Mas...e os americanos? Também os lia? É que o livro tem referências avulsas e pormenorizadas sobre grupos e música americana nessa época e sem se ouvirem tais obras, integralmente, não sei como seria possível escrever sobre as mesmas, com conhecimento de causa, sendo certo que algumas delas não eram assim tão populares na Europa da época.
E centenas de discos, integralmente  ouvidos, é...é...fruta a mais para uma salada destas. Tenho dito que nunca o dissera.

Na altura do início dos anos oitenta, as obras de referência sobre a música rock/pop, eram relativamente escassas e para se escrever em modo sistemático sobre a produção musical da época, com centenas de referências, ainda por cima, supostamente ouvidas e apreciadas, era indispensável recorrer a...enciclopédias porque não vejo outro modo de catalogar as entradas que aparecem no tal posfácio de 1981. 
A referência mais evidente seria esta, publicada originalmente em 1977 pelo New Musical Express, com mais de seis centenas de entradas, compiladas por um jornalista da casa, Nick Logan e aqui uma edição de 1982, da Salamander:


Outra obra de referência enciclopédica da época era a que a mesma publicação tinha, em dois volumes, o primeiro de 1975 e o segundo dois anos depois:


O livrinho de 430 pgs. fora anunciado no NME de 28.6.1975 e portanto não passou despercebido...


Para além dessas publicações, incluindo as edições semanais dos jornais New Musical Express e do Melody Maker, Sounds ou Disc, and music echo, assim como as revistas da especialidade, havia alguns livros que em Portugal eram escassos, com destaque para o referido Pop Music/ Rock e para estes, de 1973 e 1975:





Nota: o título do postal é uma paráfrase a um disco de 1976 dos alemães Triumvirat que ando a escutar: Old loves die hard. Uma obra menor mas agradável de ouvir porque me recorda essa época em que passava no rádio, à noite nos programas do Rádio Clube-Espaço 3P, de Jorge Lopes e Fernando Balsinha.


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