domingo, agosto 07, 2022

MEC, o precoce, explica-se sobre a escrítica pop

 Miguel Esteves Cardoso, articulista do Público e autor celebrado de alguns livros, quanto a mim anódinos, explica-se no Público de ontem, acerca do reedição do seu livro de críticas da música pop/rock dos anos setenta e oitenta- Escrítica Pop, original de 1982- que aliás reúne as crónicas originais publicadas nesse tempo em diversas publicações ( Sete, O Jornal e Música & Som) e ainda um posfácio, com pouco mais de 100 páginas,  à reedição em finais de 1980 do livro  Popmusic-Rock da autoria de dois franceses, Philippe Daufouy e Jean-Pierre Sarton,  sobre a música pop/rock e cuja edição original, sem tal posfácio, data de 1974 na edição portuguesa e de 1972 na edição original, francesa. 

Em pequeno posfácio a esta reedição de 2022, já aqui assinalada, reunindo aquelas duas publicações, MEC explica-se acerca do modo como na época escrevia as suas escríticas, o que já aqui foi analisado, particularmente com a perplexidade de se saber que MEC ouvira os Beatles em 1963, assinalando que " a música boa e nova, para ser apreciada, tem de ser ouvida e vivida no momento em que é feita". A perplexidade surge naturalmente com a circunstância de MEC ouvir deste modo crítico e apreciador a música dos Beatles quando contava uns oito anos de idade!  E também pela circunstância de naquele posfácio de 100 páginas compilar praticamente toda a música pop/rock significativa da década de 70-80, com minuciosas apreciações críticas de discos inteiros, às centenas, abrangendo a produção discográfica anglo-saxónica da década, com particulares classificações quanto à qualidade intrínseca dos mesmos, através de atribuições de estrelas ( três a cinco). 

Dessas cem páginas gasta as cinquenta iniciais em considerandos críticos sobre o ambiente musical da década que tinha passado com incursões opinativas sobre alguns dos seus representantes musicais, com destaque quase exclusivo para os grupos e intérpretes britânicos, apreciando criticamente e de modo "standard" as respectivas prestações e obras musicais. 

Quem leu a imprensa especializada da época, seja a britânica, americana ou francesa, nota que não há nota dissonante ou eminentemente pessoal nessa apreciação crítica que assim assume a forma corriqueira do lugar-comum, destacando-se apenas o estilo, nesse caso nem sequer humorístico ou corrosivo que costumava acompanhar as crónicas pontuais aos discos e grupos, nas públicações referidas. 

O compêndio sobre o "ovo e o novo" da década de 70 parece-me um chorrilho de lugares-comuns à crítica mais corriqueira do rock mais corrente na época. Compare-se com o que um Philippe Manoeuvre escreve, mesmo recentemente, num livro-álbum de 2020 ( "Une histoire du rock en 202 vinyles cultes", da editora Hugo Desinge) e a diferença de estilo e verdadeira qualidade e conhecimento transparecem à luz mortiça de qualquer artigo que se procure. Por exemplo, Roxy Music a que MEC nem uma linha dedica nessas primeiras cinquenta páginas, entretendo-se com Joni Mitchell e Leonard Cohen, em 14 páginas dessas 50.

Quando chega ao disco dos Roxy Music, Stranded de 1973 a apreciação é esta, anódina e insípida qb:


Qual a  diferença entre este tipo de crítica e a dos críticos de então e depois nos jornais habituais, dos belancios e bonifácios? Nenhuma. 

Para se ler o que é uma verdadeira apreciação crítica com qualidade e originalidade, a de  Manoeuvre, actual: 

O que as apreciações críticas de MEC denotam nesse posfácio é uma leitura atenta dos jornais ingleses da especialidade e provavelmente uma ou outra publicação avulsa que lhe serviu para compilar os discos elencados por ano e categoria. A originalidade surgia apenas através das apreciações humorísticas nas crónicas do Jornal ou do Sete e Música & Som, no decurso dos oitentas.
Quando o livro PopMusic-Rock saiu, em tal versão de 1980-81, ao ler o posfácio achei espectacular o elenco quase exaustivo dos discos que aliás já conhecia na sua maior parte mas não integralmente como MEC dava a entender que escutara, para lhe dar as estrelas devidas. 
Se em relação aos mais notórios da década não tinha dúvidas de tal escuta já achava curioso que tivesse ouvido, sei lá, os MC5 ou os New Riders of Purple Sage e nem tenha mencionado os Grateful Dead da mesma altura. Nem sequer o lp American Beauty de 1970 aparece mencionado...sendo um clássico. E depois o King Kong de Jean-Luc Ponty, do mesmo ano, desacompanhado de qualquer disco de Frank Zappa, tornava-se suspeito. Aliás, Zappa não existe para MEC. 

Assim, tornou-se interessante ler que MEC ouvira os Beatles em 1963 e agora na entrevista ao Público descobre-se que o pai lhe assinou o jornal semanal inglês da especialidade, New Musical Express, desde os seus cinco anos! Espectacular, outra vez! 

O NME foi na década de setenta a bíblia do rock, acompanhada de evangelhos apócrifos noutras publicações. A história do NME foi contada em 2012 e vale a pena ler:


Em 1960, altura em que MEC passou a ver e depois a ler o NME, com cinco aninhos viçosos e precoces, era assim: 



E quando ouviu pela primeira vez os Beatles, em 1963, certamente já leitor compulsivo do jornal e crítico em germinação precoce, era assim:


O NME foi ao longo das décadas de 60-70,  um repositório escrito da música popular anglo-saxónica e na década em causa, fazia render o peixe das suas edições:



Estou certo que estes auxiliares preciosos de críticos de rock e curiosos destas temáticas ajudaram muito a escrítica pop de MEC e não só...

E aqui fica a entrevista de MEC ao Público na parte que interessa, ou seja naquela em que revela a precocidade extraordinária...que me deixa de pulga atrás da orelha, para dizer o menos.



O resto da entrevista? É do mesmo género daquele posfácio e por isso nem vale a pena ler. É mais do mesmo, do lugar-comum travestido em novidade para parolo ler. 

ADITAMENTO:
Dei agora com uns suplementos de 1965 do New Musical Express acerca do "who´s who" das pop stars da altura.

Em quatro suplementos a começar em 26 de Março de 1965 o jornal fazia uma resenha dos artistas da época e os Beatles lá apareciam. Assim:



 Quanto a Bob Dylan aparecia como novato acabado de aparecer nos "charts", no suplemento nº 4 de 16 de Abril de 1965:


MEC deve lembrar-se disto...se calhar.

Sem comentários:

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