sábado, julho 22, 2023

A qualidade superior do som original em vinil

 Entre as sonoridades que fui descobrindo via rádio, durante os anos setenta e na música popular, alguns avultam que determinaram o gosto por determinada reprodução em disco de vinil. 

Em Portugal e nessa época o rádio era muito importante para se descobrirem sonoridades dos discos que iam aparecendo regularmente, alguns nos escaparates e por vezes com longos meses de intervalo entre a publicação nos países de origem, particularmente os EUA e o Reino Unido. 

Há cerca de 40 anos o jornal Sete publicou uma página sobre um desses programas de rádio que davam a conhecer discos inteiros, passados sem interrupção e que permitiam a gravação em cassete se alguém o quisesse fazer. 

O Dois Pontos que passava no Rádio Comercial existia desde o final dos anos sessenta e em 1973, em FM começou a ser dirigido por Jaime Fernandes, até 1980. 

Nessa meia dúzia de anos surgiram alguns dos mais importantes discos da música popular e Jaime Fernandes, acompanhado por outros em programas nocturnos na mesma estação de rádio e ainda no Página Um da Rádio Renascença, davam-nos a conhecer. 

Nesse tempo em que só havia registos analógicos da música gravada os estúdios de rádio estavam equipados com o que havia de melhor na respectiva tecnologia, como se pode ver nesta imagem dos anos oitenta mas que não difere muito do que existia antes. O gira-discos é um EMT, de origem alemã, tal como o mostrado na imagem do Sete e o locutor, Luís Pinheiro de Almeida que conhecia a música dos Beatles como poucos. 

Devido a isso a qualidade sonora das emissões em FM era superior e quem tinha um bom aparelho de recepção podia escutar em fidelidade muito elevada a música de tais discos. 

A mim, tal experiência foi marcante porque me deu a memória de sons que ficaram para sempre, até hoje, constituindo uma referência da própria tonalidade de algumas músicas em certos discos. 

Um deles foi este que foi publicado no Outono de 1974 e se ouviu por cá logo no final desse ano. 


A sonoridade deste disco parecia-me desconcertante porque nunca tinha ouvido nada semelhante ( apesar de já haver alguns outros do género e até do mesmo grupo) pois misturava guitarras eléctricas em ritmo rock com cordas de orquestra sinfónica em toada clássica e de um modo que me surpreendia, em pequenos trechos melódicos e com harmonias que me pareciam complexas. 
A novidade surgiu precisamente quando comecei a interessar-me pelas publicações discográficas variadas que iam aparecendo, publicitadas em revistas como a francesa Rock & Folk que então começara a comprar e a ler. 

Na verdade e na mesma altura apareceram alguns discos que me chamavam mais depressa a atenção: os de Kevin Ayers ou de Roy Harper, por exemplo e por causa daquele Jaime Fernandes ou mesmo os dos Rolling Stones e Jethro Tull e até Jackson Browne. 

Lembro-me que no Natal desse ano passou insistentemente no rádio um single de John Lennon com Elton John, Whatever gets you through the night, tirado do disco Walls and Bridges.  Tal como passou outro single dos Jethro Tull, War Child, tirado do álbum com o mesmo nome. E foi igualmente nessa altura que passou um disco de Ian Matthews, Sometimes you eat the beer [bear e não beer, descobri agora, passados quase 50 anos]  and sometimes the beer eats you que me levou a considerar tal álbum "fabuloso", em apontamentos de época. 

Não obstante toda essa onda sonora, nova para mim, nenhum desses discos ou músicas tiveram o impacto de novidade do Eldorado dos ELO que aliás nem sequer foi recenseado nas revistas que então lia. Certamente porque os críticos já conheciam o estilo musical dos ELO e de Jeff Lynn dos três discos anteriores e particularmente no tema Roll over Beethoven de 1973 onde isso já se evidenciava em modo resumido. No Eldorado é todo o disco que reflecte tal ambiente sonoro que me impressionou. 

Como o disco desapareceu dos escaparates antes de eu ter um gira-discos decente ( um Dual, acoplado a um combo da Grundig) só no início dos anos oitenta o voltei a ouvir, mas a decepção da qualidade sonora do registo fonográfico nem se esvaneceu com a melhoria da aparelhagem que o reproduzia na versão nacional de prensagem de tal disco, em edição de 1974 que tinha sobrado nas discotecas da ocasião, no caso a Sonolar de Braga.

O que então ouvia na reprodução desse disco de vinil era um som abafado e sem a definição cristalina e pesada das frequências baixas que me tinham ficado na memória auditiva de alguns anos antes. 

Por isso ao longo dos anos procurei a edição certa, em busca desse graal sonoro que se atinge quando se experimenta uma única vez, para sempre. 

As edição que se mostram são a prova dessa tentativa que durou anos e só terminou com a escolha da versão original que saíra no país de origem, o Reino Unido.


Só ao fim de sete tentativas e de ouvir sucessivamente as edições de prensagem nacional; de prensagem inglesa em primeira reprensagem e as sucessivas de 1983 e de 1986,  mais a edição americana original,  dei com o graal procurado: a inglesa que tem a referência WB K 56090 TLM-M, na parte morta do vinil. 

É esta versão que tem o som esperado, desejado e ouvido:


E o que é que isto importa a quem não se preocupa com estas coisas de som aprimorado e do vinil original e até prefere ouvir em cd ou mesmo ficheiro digitalizado na internet, com resolução inferior e nem distingue as particularidades sonoras das várias versões? 

Pouco certamente, mas a mim interessa-me e por isso vou dar mais alguns exemplos desse graal que se atinge quando se ouve a edição certa, normalmente a original e com prensagem local e preferência para as primeiras.

Um outro disco que teve grande importância na época em que saiu e em que o ouvi pela primeira vez, em 1972 é o Harvest, de Neil Young, uma obra com sonoridades acústicas, com harmónica misturada no som da guitarra Martin e com uma vez timbrada de juventude, do artista cujos discos fui coleccionando até aos anos oitenta. 

Tal como o Eldorado, este disco de Neil Young apreciei-o desde logo pelas músicas que passavam num rádio de pilhas e em fm mono. "Out on a weekend" que começa o disco foi assim ouvido e nunca mais esquecido. Só alguns anos depois despertou o interesse em ouvir o som melhorado do vinil original.

Quando nos anos oitenta saiu uma reprensagem do album, na série "nice price" e de origem alemã, tal como dezenas ou centenas de outras na época da nossa entrada na CEE e no autêntico dumping que nos atingiu comercialmente, ouvi esse disco integralmente em vinil e na aparelhagem já de maior qualidade ( Thorens TD 166 MkII, com cabeça da Audio-Technica, moving coil AF F-5). O disco pareceu-me bem gravado, com sonoridade muito superior à que me lembrava de ouvir muitos anos antes. Durante algum tempo foi essa a versão que escutei, a par de edições em cd e até em dvd-audio, um quantum leap na qualidade de reprodução digital. 

Não obstante, logo que encontrei uma versão diversa em vinil, nesse caso inglesa e original, experimentei e pareceu-me um pouco melhor. Algum tempo depois tentei a versão original americana, com referência MS 2032, Sterling LH, o máximo que se pode esperar na reprodução desse disco em vinil. 

Porém, arranjei duas versões da mesma época. Uma delas prensada pela casa Pitman e outra pela Terre Haute. A diferença não é irrelevante porque a da Terre Haute bate aos pontos a outra. Tal como bate a recente reedição dos 50 anos desse mesmo disco, tida como aperfeiçoada e vendida como tal. 


Os discos são todos iguais? Não são nem soam todos da mesma maneira, como fui descobrindo ao longo dos anos, ouvindo esta e aquela versão. Quem quiser a melhor de cada um deve escolher a primeira. Com algumas excepções como é por exemplo esta:


Esta edição do disco dos Beach Boys, Holland, publicado  no início de 1973 e que se ouvia em Portugal há 50 anos, é inferior, em modo sonoro,  à reedição recente  que inclui ainda o disco do ano anterior, Carl and the Passions-So Tough. A diferença é imediatamente perceptível pela maior clareza e abertura dinâmica do som que pode ouvir. 

É neste disco que aparece uma das composições que mais me marcou em 1973- a sequência California Saga, uma das músicas que mais gostava de ouvir há 50 anos e que nunca tinha ouvido nessa altura em disco, mas apenas no rádio. Porém, nem sequer é uma música cuja sonoridade técnica se distinga particularmente pela qualidade intrínseca. É apenas uma belíssima composição que faz agora 50 anos.

Outros discos surgiram que se destacam pelo primor técnico das gravações em vinil e alguns exemplos podem ser estes:

O primeiro é um disco dos King Crimson, In the Court of the Crimson King, editado em 1969 pela Island Records,  uma etiqueta discográfica de qualidade insofismável e que publicou obras primas da música popular. 

 


Esta edição original, com o rótulo cor de rosa, saído em 1969, distingue-se de todas as posteriores, pela autêntica qualidade primitiva e superior da respectiva sonoridade. Tenho outra versão do mesmo disco, em prensagem alemã de 1981, da Polydor, considerada também de qualidade, mas é flagrante a diferença sonora, atestando a qualidade da primeira edição inglesa. 

A Island Records, surgida no fim dos anos cinquenta, com música das ilhas que tinham sido britânicas e de onde apareceu o "reggae", transformou-se nos anos sessenta numa etiqueta de qualidade superior, particularmente nos discos editados no final de tal década e início da seguinte, os anos setenta. 

Alguns discos o atestam como por exemplo estes:

Este primeiro disco dos Jethro Tull, de 1968 e aqui na versão stereo é um dos que serve de referência à qualidade de som, superior, das primeiras prensagens, com um rótulo designado "pink label", neste caso em primeira versão e muito procurado nos discos editados pela etiqueta, como sejam por exemplo as primeiras edições dos discos de Cat Stevens ou dos Traffic.

Este primeiro [ quer dizer, quarto]  disco dos Free, de 1970 apresenta a segunda versão do rótulo cor de rosa, com o "i" em branco. A sonoridade deste disco, nesta versão, é simplesmente espantosa e sem paralelo. 

O primeiro disco dos Roxy Music, de 1972 e com o rótulo já modificado, desde 1970,  apresenta várias versões, incluindo as primeiras com distintas matrizes. A busca da melhor versão continua a ser um caminho que percorro até encontrar o graal sonoro. 

Por agora, esta primeira versão com a matriz, A-2U; B-2U confunde-se com a versão, também de primeira prensagem com a matriz C 86259 A-1 e não é claro qual delas soa melhor. 


Esta versão primeira do disco dos Cream, Disraeli Gears parece-me inultrapassável e vem de 1967, com uma sonoridade cheia de dinâmica esfuziante. É difícil encontrar melhor som dos sessenta, no rock, do que este, com este disco nesta versão:


Entre os discos com origem americana também há alguns que merecem destaque pela alta qualidade sonora que exalam nas espiras de vinil. 

Este primeiro dos Creedence Clearwater Revival, de 1968 e da etiqueta Fantasy em primeira prensagem é um deles e mostra porque é que o grupo ultrapassou os Beatles, em vendas, até 1970. A qualidade sonora aproxima-se daquela do Disraeli Gears, com uma dinâmica e uma potência sonora assinalável. 


Este dos Grateful Dead, American Beauty, de 1970 é da etiqueta verde da Warner Brothers e que até 1973 publicou mais uns tantos de outros tantos grupos, como os Little Feat, Doobie Brothers ou Van Morrrison, com a etiqueta nessa cor particular de verde azeitona.

Este disco é daqueles que se ouve nesta versão e se nota que não há melhor. E a foto mostra a textura do cartão americano, mais espesso que o europeu de então:


Por último um disco cuja versão particular é distinta e com um relevo assinalável é este, de Rod Stewart, Never a Dull Moment, de 1972. 

A única versão que faz justiça à excelente sonoridade do disco nem é sequer a original britânica, mas esta com proveniência americana e cuja matriz foi cortada por Gilbert Kong para a etiqueta Mercury, com rótulo encarnado e a sequência de vinhetas à volta. Foi preciso escutar várias versões para chegar a tal conclusão.

Portanto, para se ouvir tudo o que um disco pode dar em sonoridade especial, em vinil,  é preciso escolher, depois de saber e procurar. Escusado será dizer que estes discos, nestas versões, são os mais procurados e valiosos, havendo alguns, como é o caso do King Crimson que já atingem centenas de euros no Discogs. 


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