terça-feira, janeiro 02, 2024

O escrutínio político é a hipocrisia de sempre

 Artigo de João Miguel Tavares  no Público de hoje:


As questões levantadas no artigo são interessantes. Em primeiro lugar a colação ao caso de José Sócrates, que não sendo candidato a nada publicamente relevante, relega o interesse mediático para as margens do olvido. Ai se fosse! Certamente veríamos um escrutínio semelhante ao que ocorreu durante o período em que o mesmo foi primeiro-ministro, até com maioria absoluta e com poder para mandar e mandar, tornando a mandar, suscitando uma reboada de sabujos que ainda rabejam por aí, como é o caso notório de Vital Moreira. 

Portanto, Montenegro quer ser primeiro-ministro e por isso, no subido entender mediático do cronista temos o direito pleno a saber o seguinte:

A casa que o mesmo construiu em Espinho, assunto muito glosado nos media afectos à "situação" é tema de especulação por motivos ínvios que o cronista enuncia claramente. Em primeiro lugar teremos direito a saber "quanto gastou na construção". Ou seja, o valor real do custo da mesma, coisa que todos os portugueses que constroem casas sabem por experiência própria e tentam conter e controlar escolhendo materiais e empreiteiros com orçamentos condizentes com as posses. 

No caso de Montenegro, depois deste se imolar simbolicamente nesse supremo altar da hipocrisia, teria que justificar a seguir como angariou os proventos para pagar os custos. "De onde veio o dinheiro", é o resumo da coisa exigível. "Mostra aí as contas todas, ó pázinho!" Tudo e o resto que ficamos a desconfiar que tenhas escondido...

Assim, como eventualmente as facturas apresentadas pudessem ser, em alguns casos, falhas de pormenores, como sucede na maioria das situações concretas que qualquer pessoa conhece, aí, seria o descalabro da credibilidade completa do visado, com o valente cronista do Público a liderar a cruzada do sacrifício ritual de mais um político corrupto.

Depois de passar tal escolho, e se o passasse, viria a pergunta fatal que alimenta o novelo mediático: "se houve favorecimento". Repare-se que o presidente da câmara local é da mesma facção política e está envolvido em maroscas em investigação, logo a suspeita adensa-se e alimenta o novelo. Como é que se descobre um favorecimento pessoal num caso como este? Tão bem e tão depressa como saber quem pediu e o quê, a quem o fez e se o fez ilegalmente e corrompendo todo um colectivo não só camarário como da administração do território. Fácil, como se vê e propenso a especulações que o Público se encarregará de explorar até Março. Depois disso se verá se continua a valer a pena a luta contra tal corrupção hedionda e mediaticamente sustentável. Ainda veremos a inenarrável Carmo Afonso a apegar-se ao assunto como lapa a resumir excrescências pegajosas.

Se tudo isso falhar surgirão os pormenores técnicos, ávidos de opiniões divergentes e juridicamente plausíveis: " se faz sentido chamar reabilitação à demolição e reconstrução total de um prédio; como e quando é que soube que a ARU ( área de reabilitação urbana) iria ser aprovada; porque é que o preço da construção é tão baixo". E por aí fora, acrescenta o cronista, esperando outras inquisições subsequentes..

Tudo isto seria de uma legitimidade que a democracia impõe a qualquer candidato a político, segundo o cronista e sem excepção. 

Mário Soares, Cavaco Silva, Jorge Sampaio, José Sócrates, Durão Barroso, Santana Lopes, Passos Coelho e, claro,  António Costa e os seus famosos apartamentos e casinhas, coisa aliás muito recente, só para citar os mais notórios da contemporaneidade e do topo do poder político, todos eles, foram submetidos a tal ordália, como é sabido.

 Mário Soares, por exemplo e que deixou uma pequena fortuna depois de algumas anos de poder, tendo começado com um pequeno apartamento no Campo Grande e um pequeno Morris Mini, quando saiu do Governo nos anos oitenta,  é o exemplo claro de tal exigência ética a qualquer político e que como se sabe foi plenamente escrutinado de tal modo, preciso e cirúrgico, quando era presidente da República. Tudo foi explicado pela circunstância de ter um Colégio Moderno! Uma mina e um maná impressionantes e semelhantes a uma vaca leiteira que começou a dar rendimento inaudito depois de um período de aclimatação. 

António Costa cujos rendimentos essenciais derivam de cargos públicos exercidos há muitos anos é outro caso de milagre de multiplicação, cujo escrutínio fica agora a saber-se deverá incluir todos aqueles itens, exigíveis ao pobre Montenegro...

Este João Miguel Tavares, se fosse olhar cabras lá para os lados da terra de onde veio, se calhar faria melhor figura...e com toda a certeza muito menos hipócrita.

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