Este artigo da Sábado de hoje merece comentário porque me parece injusto e explicarei porquê.
Sempre que julgo pertinente, tenho aqui defendido vários procuradores-gerais de algumas investidas de defensores de arguidos excelentíssimos, embora de um jornalista como António José Vilela, julgo que nunca me aconteceu, uma vez que costuma ser alguém que investiga a realidade judiciária há alguns anos e tem livros escritos sobre os fenómenos criminais como a corrupção. Chegou a vez.
Sobre Lucília Gago como PGR comecei por desconfiar do modo como foi designada, aparentemente por indicação de alguém próximo do PS e relacionado com familiares da mesma, ou seja o marido Carlos Gago, dirigente da PJ no tempo de Fernando Negrão e Luís Bonina. Fernando Negrão, então juiz de direito, actualmente deputado do PSD, enquanto director da PJ e o então PGR Cunha Rodrigues, incompatibilizaram-se profissionalmente ao tempo do caso Moderna.
Não sei se ficaram sequelas mas o certo é que Cunha Rodrigues tem aparecido inusitadamente nos últimos tempos a criticar a actuação das autoridades judiciárias, inclusivé do Ministério Público, a propósito do caso da Madeira...
Primeiro o artigo:
Ponto por ponto:
Lucília Gago foi um erro de casting para o cargo de PGR? Pode ser para quem esperava uma actuação com visibilidade acrescida e capaz de dar a cara sempre que aparecem os figurões de sempre e do costume, apaniguados do poder político e agarrados como lapas ao exercício do mesmo, em democracia.
À ilharga aparecem jornalistas e komentadoria avulsa, sofrendo as dores daqueles porque também os incomodam, seja porque motivo for, designadamente o sentimento de que em democracia os eleitos têm prerrogativas e privilégios inerentes que aliás nenhuma lei consagra, antes pelo contrário.
Assim, o que esta PGR fez foi algo inesperado: o silêncio como ritual e o aparecimento público através de comunicados de imprensa, por vezes lidos por outros. Não houve entrevistas vistosas no Expresso, Sol ou Público para dizer pouco ou coisa nenhuma de relevo para a função e no fim de contas resumindo um exercício de vaidade porque na verdade ninguém liga ao que um PGR pode dizer a tal propósito de entrevista. No início estranhei e quase embarquei no mesmo batel de desiludidos e das dores estranhas que fingi sentir como dores deveras sentidas.
Depois, acordei: mas porque raio é que um PGR deve falar em público, principalmente quando se levanta o coro dos lamentos do costume, acirrado pela matilha mediática? Tal adiantou alguma coisa a Cunha Rodrigues, Souto Moura, Joana Marques Vidal ou mesmo Pinto Monteiro tal atitude de coragem duvidosa? Não adiantou nada e todos eles saíram do cargo com pesadas críticas, a maior parte delas injustas e provindas dos mesmíssimos de sempre: os políticos entalados e sus muchachos, incluindo os da comunicação social e naturalmente os advogados dos excelentíssimos.
Lucília Gago por esta ou aquela razão, eventualmente por medo da sua sombra, pairou estoicamente acima desta cambada e fez bem. Muito bem, devo reconhecer agora. E teve um mérito de que nenhum outro PGR antes dela se pode gabar: isenção a meu ver absoluta e incólume. Notável! E inesperada, porque como o articulista refere, num exercício de cinismo também notável, terá sido designada para uma função que "algum socialista lhe depositou no colo"!
Só isso basta para a colocar acima de todos os demais.
Depois, o articulista afirma que Lucília Gago não fez o que deveria e teve uma actuação irrelevante até para os seus pares porque "nunca se atreveu verdadeiramente a afrontar o poder de um sindicato de classe que há anos é o verdadeiro dono do MP".
Por partes: foi Lucília Gago quem promoveu uma directiva celerada que desmente o articulista. A ordem de actuação genérica está congelada até decisão jurisdicional, mas prova que a PGR actuou ao contrário do que afirma o articulista. Actuou mal, a meu ver, mas actuou. E o Sindicato reagiu, e bem no meu entender, o que já por aqui em tempos tentei explicar a mim mesmo. A directiva, tal como diz o Estatuto do MP, está no STA para ser analisada em conformidade com a respectiva legalidade. Deixemo-la em descanso e repouso pelos anos necessários a que o STA acorde do sono letárgico em que mergulhou, por culpa de outros que não a PGR ou o MºPº.
O Sindicato não é dono do MºPº mesmo que o CSMP que dirige e disciplina os magistrados seja composto por maioria de magistrados, alguns deles sindicalizados e alinhados com o SMMP. As reuniões do CSMP são colectivas e de voto, com votos de vencido expressos por escrito e que podem ser lidos nas actas que serão públicas, segundo julgo, ou podem ser. Os magistrados podem vencer em número? Podem, mas é ver as questões concretas colocadas e quem vota como e porquê...e já agora, a talho de foice, ver com foram escolhidos certos magistrados para determinados cargos, no tempo em que por lá andava um certo Magalhães e Silva e outros em que o SMMP não meteu prego nem estopa.
O Sindicato tem alguma relevância, nomeadamente no comentário avulso, a pedido das tv´s, tal como acontece com o sindicato dos juízes actualmente dirigido pelo inefável Manuel Soares, seguramente o mais fotografado magistrado de todos os tempos. Tal sucede porque os demais magistrados não falam, por medo precisamente do poder hierárquico do CSMP e do CSM porque não vislumbro outra razão plausível. A PGA Maria José que o diga...
A liberdade de expressão dos magistrados, perdeu todo o fulgor desde os tempos de Cunha Rodrigues que pleiteou publicamente em jornais e revistas ( aqui colocadas e mostradas em postais), várias vezes por tal direito perdido e legítimo segundo o mesmo. Nenhum magistrado quer expor-se a falar seja do que for por medo de ser incomodado pelo CSMP, com inquéritos e processos disciplinares, multas, suspensões ou pior ainda. Quando são incomodados têm que se defender e não é o sindicato que o faz mas os próprios, contratando advogados e pagando-lhes do seu bolso, as respectivas defesas que podem durar meses ou anos. Assim, calam-se. Tal como os juízes, o que é lamentável e trágico em termos democráticos. Os magistrados estão capados nesse direito legítimo a uma liberdade de expressão real e não apenas figurada e isso é que devia incomodar o articulista.
Lucília Gago não impulsionou nenhuma mudança de vulto na justiça, escreve no libelo acusatório o articulista. E tinha que o fazer necessariamente? Para além do trabalho que nesse âmbito é desenvolvido pela PGR e que o articulista pelos vistos desconhece ou se esquece de mencionar, que mais deveria fazer? Promover colóquios e encontros mediáticos? Compete ao PGR entrar no jogo político-mediático que deve ser apanágio de outros poderes?
O DCIAP pelos vistos e segundo o articulista anda em "roda livre", ou seja os magistrados titulares dos processos fazem o que querem e sobra-lhes tempo. Será assim? A PGR tem o controlo directo do DCIAP mas este organismo tem um director que para o articulista, tanto o presente como os anteriores têm o "currículo e o perfil de procuradores recrutados com um pálida imagem de quem os escolheu". Os directores do DCIAP são escolhidos pelo CSMP após proposta do PGR para tal. Uma coisa parece certa: não falam com o articulista...e por isso não os conhece. Por mim, conheço a actuação pública de um deles, aliás lamentável, na altura do processo de Tancos em que não permitiu a audição de duas figuras do Estado-o primeiro-ministro e o presidente da República- actos processuais que foram julgados convenientes para a descoberta da verdade e que foram poupados a tal figura. A lei constitucional diz que "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei" mas isso não é verdade plena em certos casos, como poderemos exemplificar com os mais recentes ligados aos políticos conhecidos, com particular destaque para os do PS que se julga dono da democracia. E também diz que o MºPº é o defensor da legalidade democrática...mas isso o articulista não relaciona como deveria para repensar o que escreveu.
A catástrofe dos casos em investigação sem fim à vista, referido pelo articulista, pode ser um problema mas atribuir exclusivamente a sua responsabilidade à PGR é capaz de ser um pouco exagerado e seguramente incorrecto. E não trazer à colação outros responsáveis maiores, designadamente aqueles que por vezes são incomodados pelo exercício do poder do DCIAP será má-fé ou desconhecimento indesculpável.
Atribuir à PGR a responsabilidade pela ocultação de procedimentos administrativos que no entender do articulista deveriam ser públicos, tem uma solução: os tribunais ou entidades administrativas oficiais de regulação de tais matérias. Alguma vez recorreu aos mesmos para obrigar uma entidade oficial a mostrar o que ilegitimamente pretende esconder?
Por outro lado, relativamente aos processos arquivados por inexistirem provas suficientes para acusação, servem para quê, a um jornalista? Eu digo porque é notório: para o exercício do sensacionalismo, para vender papel e audiência mediática, apenas. O exercício democrático da sindicância dos poderes faz-se de outro modo: constituindo-se assistente nos processos em que tal é possível e passar a colaborar com as entidades oficiais da investigação. Alguma vez o articulista o fez com tal propósito? Os casos em que tal não é possível não deveriam interessar outros que não os envolvidos.
Portanto o "rasto de destruição por inacção" é uma designação muito infeliz e lamentável uma vez que nenhum dos tópicos trazidos ao escrito merece tal epíteto qualificativo.
O que a PGR deve ou não fazer está na lei: exercer competências em matérias de direção, fiscalização, representação e execução (artigo 19.º, EMP).
Explicações sobre tal exercício? Os factos devem falar por si. E não é verdade que quem lidera o MP tenha que dar abertura a um discurso contraditório e de discussão democrática. Não é esse o papel do PGR.
Quanto àquelas tarefas inerentes ao cargo, a saber, as de "exercer competências em matérias de direção, fiscalização, representação e execução (artigo 19.º, EMP)" há falhas visíveis e passíveis de crítica segura e certa?
Não saberei dizer sem uma inspecção digna desse nome que me diga se tal coisa sucedeu no âmbito destes domínios e o que o jornalista apontou e que são tudo menos isto que aqui vai, porque vai para além disto:
2 — Como dirigente da Procuradoria -Geral da República, compete ao Procurador -Geral da República:
a) Promover a defesa da legalidade democrática;
b) Dirigir, coordenar e fiscalizar a atividade do Ministério Público e emitir as diretivas, ordens e instruções a que deve obedecer a atuação dos respetivos magistrados;
c) Emitir, em especial, as diretivas, ordens e instruções destinadas a fazer cumprir as leis de orientação da política criminal, no exercício da ação penal e das ações de prevenção atribuídas ao Ministério Público;
d) Convocar o Conselho Superior do Ministério Público e o Conselho Consultivo da Procuradoria- -Geral da República e presidir às respetivas reuniões;
e) Informar o membro do Governo responsável pela área da justiça e a Assembleia da República da necessidade de medidas legislativas tendentes a conferir exequibilidade aos preceitos constitucionais;
f) Representar o Ministério Público nas relações institucionais com o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e as organizações internacionais para que seja designado por lei ou convenção internacional;
g) Intervir hierarquicamente nos inquéritos, nos termos previstos no Código de Processo Penal;
h) Fiscalizar superiormente a atividade processual dos órgãos de polícia criminal, nos termos
do presente Estatuto;
i) Determinar superiormente os critérios de coordenação da atividade processual no decurso do
inquérito e de prevenção levada a cabo pelos órgãos de polícia criminal que assistirem o Ministério
Público, quando necessidades de participação conjunta o justifiquem, nos termos da lei;
j) Determinar, de acordo com o disposto na alínea anterior, diretamente e quando necessário, a mobilização e os procedimentos de coordenação relativamente aos órgãos de polícia criminal chamados a coadjuvar o Ministério Público no decurso de inquérito;
k) Participar nas reuniões do conselho coordenador dos órgãos de polícia criminal, nos termos previstos na lei;
l) Inspecionar ou mandar inspecionar a atividade e funcionamento do Ministério Público, designadamente dos seus órgãos e secretarias, e ordenar a instauração de inquérito, sindicâncias e processos criminais ou disciplinares aos seus magistrados;
m) Propor ao membro do Governo responsável pela área da justiça e à Assembleia da República providências legislativas com vista ao incremento da eficiência do Ministério Público e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias ou a pôr termo a decisões divergentes dos tribunais ou dos órgãos da Administração Pública;
n) Informar o membro do Governo responsável pela área da justiça e a Assembleia da República acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais;
o) Intervir, pessoalmente ou por substituição, nos contratos em que o Estado seja outorgante, quando a lei o exigir;
p) Superintender os serviços de inspeção do Ministério Público;
q) Dar posse aos magistrados do Ministério Público, nos termos do presente Estatuto;
r) Exercer, na Procuradoria -Geral da República, os poderes administrativos e financeiros idênticos aos que integram a competência ministerial;
s) Estabelecer os objetivos estratégicos do Ministério Público e homologar as propostas de objetivos processuais de todos os órgãos e departamentos do Ministério Público;
t) Elaborar o relatório anual de atividades do Ministério Público e proceder à sua apresentação institucional, bem como à sua divulgação pública;
u) Apresentar à Assembleia da República e ao membro do Governo responsável pela área da justiça o relatório bianual sobre execução da lei de política criminal;
v) Garantir a produção estatística relativa à atividade do Ministério Público, promovendo a transparência do sistema de justiça;
w) Apreciar os recursos hierárquicos dos atos administrativos praticados por magistrados do Ministério Público;
x) Exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas por lei.
3 — As diretivas a que se referem a alínea b), que interpretem disposições legais, e a alínea c) do número anterior, bem como as relativas ao cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 11.º, são publicadas na 2.ª série do Diário da República, sem prejuízo do registo documental interno de todas as demais diretivas, ordens e instruções.
4 — Em aplicação do disposto na alínea h) do n.º 2, o Procurador -Geral da República, velando pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e pelo cumprimento dos pertinentes deveres legais, por si ou nos termos da alínea e) do artigo 101.º, ordena periodicamente auditorias, sindicâncias ou inquéritos aos serviços dos órgãos de polícia criminal, destinados a fiscalizar o adequado cumprimento e efetivação das atribuições judiciárias e as inerentes condições legais do seu exercício, podendo emitir diretivas ou instruções genéricas sobre o cumprimento da lei.
5 — É apresentado até ao dia 31 de maio de cada ano o relatório de atividade respeitante ao ano judicial anterior.
6 — O Procurador -Geral da República é apoiado, no exercício das suas funções, por um gabinete.
7 — A estrutura e composição do gabinete do Procurador -Geral da República são definidas em diploma próprio.
8 — Os atos administrativos praticados pelo Procurador -Geral da República são impugnáveis perante o Supremo Tribunal Administrativo.
Quanto ao desejo final expresso e partilhado com o advogado Francisco Teixeira da Mota de o próximo PGR ser alguém "minimamente ousado e, naturalmente, inteligente e com bom senso", é um desejo razoável.
A PGR que ainda está parece-me que afinal até assenta nos pressupostos, uma vez que a sua ousadia foi a de não cair na tentação de ser mediática como os que a antecederam e andarem a dar abébias a quem as não merecia ou pretendia realmente e que nem por isso escaparam às críticas dos mesmos jornalistas, komentadores e entalados excelentíssimos.
Tal como agora sucede, pelo que os pgr´s estão sujeitos à sina de serem presos por terem cão; e por não terem...
Porque será? A resposta a tal pergunta, dada por jornalistas "minimamente ousados, inteligentes e com bom senso" é que seria interessante, mas não fico à espera da mesma: ao contrário do que se pode esperar dos magistrados do MºPº em que o articulista aposta que existem para ocupar o lugar de PGR não estou a ver assim tantos jornalistas com tal perfil...