domingo, setembro 20, 2009

"Quem se mete com o PS, leva."


Esta notícia, aqui mostrada na versão Correio da Manhã, está replicada em vários jornais de hoje.

Quem não entender bem os mecanismos da classificação de juízes ( e magistrados do MP por via do outro conselho superior, o CSMP), pode ficar com algumas ideias alteradas, mas essencialmente, a notícia pode estar inteiramente correcta. Essa essência é a de que um juiz de direito, titular de um órgão de soberania que é o seu tribunal enquanto decide e decidiu, foi prejudicado na carreira profissional por causa de um processo concreto. Prejudicado, neste caso, por um poder do Estado, ligado a um partido político com representação importante no poder legislativo e executivo.
A notícia do Correio da Manhã coloca o acento tónico da "partidarização" do Conselho Superior da Magistratura, órgão de disciplina e gestão dos juízes, para relatar o caso.
O Público, por exemplo não dá o mesmo destaque. Procura uma objectividade mais asséptica ao escrever os factos, sem grandes preocupações de interpretação. Escreve que vai ser o STJ a decidir o problema da suspensão da avaliação do serviço prestada pelo referido juiz, na sua prestação funcional que é normal e constitui pressuposto de ascensão na carreira. Será isto po jornalismo objectivo? Se calhar, é. Mas ainda assim, faltam factos para tal. Factos concretos e que ajudem o leitor a perceber o que se passa e o que subjaz na essência desses factos. O jornal poderia ter colocado, abductivamente, várias hipóteses. Nenhuma colocou pelo que a notícia passa como um fait-divers. Quando o não é de todo e constitui provavelmente, no seu contexto, o maior e mais grave ataque á magistratura judicial de que há memória. Tudo por causa do processo Casa Pia, é bom lembrar.

Essa suspensão da avaliação, cujo inspector propôs ao CSM fosse considerada como de mérito ( Muito Bom) foi decidida pelo Conselho Superior da Magistratura, a funcionar em modo de tribunal Plenário ( honni soit...).
Como? Segundo o Público, três conselheiros , que o jornal não indica nominalmente e omite a sua proveniência específica, limitando-se a informar que foram "eleitos" pela AR, mas indicados pelo PS, propuseram que essa avaliação de "Muito Bom" e que é corrente na magistratura e não costuma levantar problemas deste género, em relação a quem é reconhecido mérito profissional, fosse submetida a uma apreciação pelo plenário do CSM.
É preciso que se diga e explique que a apreciação das classificações dos juízes propostas pelos inspectores, em relatórios muito circunstanciados- e que nada, mas mesmo nada, tem a ver com a propalada avaliação dos professores - a que os professores universitários, alguns habituados a mandar palpites sobre este assuno ( Vital Moreira, pois claro) escapam- neste caso, foram apreciadas e deliberadas por um grupo restrito do CSM, a funcionar em modo permanente e com um número restrito de conselheiros- apenas oito, com dois eleitos pelo Parlamento, neste caso os dois indicados pelo PS.
O Plenário é o Conselho na generalidade e que reúne todos os membros que são 17, com grande representação parlamentar ( ou seja, indivíduos indicados pelos partidos para controlar o funcionamento desse órgão. No CSMP é Ricardo Rodrigues a figura principal e de proa, como antes fora por exemplo um tal Vasconcelos, pelo PSD dos anos noventa. E no CSM já lá esteve também um certo João P. , irmão de Paulo P.).
Neste caso, o CSM em Plenário deliberou com 12 dos seus 17 membros ( a assiduidade dos elementos do CSM é assunto que não coloca problemas a ninguém...).
Três conselheiros desses 12, precisamente os indicados pelo PS , não são uns quaisquer que o Parlamento escolhe com critério de objectividade e qualidade. Não. Seria importante perceber, neste caso, o critério de escolha, mas isso é outra questão. Por usso, uma é consultora na presidência do Conselho de Ministros, veja-se bem para perceber a noção de divisão de poderes que esta gente tem! Outro é um indivíduo que já esteve também no CSMP e outro, advogado da firma Morais Leitão e patrocinou o processo de Jaime G. contra os ofendidos da Casa Pia.

Portanto, dois desses três conselheiros, suscitaram a reunião do Plenário e agora , os três, com os 12 dos 17, deliberaram que o processo de avaliação fique suspenso e à espera até ser conhecido o resultado do recurso de um processo relativo a um dos arguidos do Casa Pia, precisamente Paulo P. e que se encontra pendente na Relação de Lisboa, desde finais do ano passado (!). Recurso esse que pode levar anos a ser decidido. Já leva um ano inteirinho, para já.

Este caso, assim apresentado, é entendido pelo Correio da Manhã, do modo como a opinião pública pode realmente entender, tendo com conta o contexto: politização, e mais grave ainda, plena partidarização, do CSM e portanto, grave desvirtuamento da democracia.

A par do silenciamento do Jornal de Sexta da TVI e domesticação da estação, da perseguição ao Público e aos seu director, de concentração de poderes na área da Segurança interna, na pessoa do Primeiro-Ministro que também, accionou civil e criminalmente várias pessoas por causa de assuntos que lhe dizem respeito como político e governante, isso dá o retrato fiel da actual situação no país: pior, muito pior que na Itália, em termos de liberdades democráticas.

E, pelos vistos, com aplauso geral de um povo que se prepara para eleger o principal responsável, como chefe de mais um governo que tudo fará para tornar esta situação ainda mais insustentável.
É muito fácil de ver onde isto vai chegar em breve: ao ataque deliberado, directo e sem qualquer pruridos aos blogs que atacam este modo de entender a democracia.
Será por vários modos e sem dúvida alguma que ocorrerá. Darei conta disso, podem estar certos. O jornalismo em Portugal, esse, continua amorfo. Mesmo no Correio da Manhã. Os principais media estão controlados economica ou politicamente. O resto vem por acréscimo e o poder pessoal de que se queixava publicamente a candidata do PSD parece não ser um slogam de campanha.

Qual a lição deste caso e o recado mais óbvio e incontornável em política em que, todos o sabem, o que parece é?

O de que os juízes e magistrados têm de perceber que se incomodarem as pessoas do poder, serão irremediavalmente prejudicados pessoal e profissionalmente. Este PS não tem qualquer pejo em actuar deste modo e foi isso exactamente que Lopes da Mota, servindo de intermediário óbvio ( o seu advogado, Magalhães e Silva, disse-o numa entrevista esclarecedora e definitiva) de governantes, foi transmitir aos magistrados que dirigem o processo Freeport.

Isto é tanto mais grave porque o recado que fica é de ameaça concreta e real sobre o poder judicial , na pessoa dos juízes que o exercem nos casos concretos, que se deve ter como independente e isento, imparcial e de autonomia garantida.
Esta independência, com este tipo de procedimentos no CSM não existe. Foi aniquilada por este e outros procedimentos concretos e que obviamente não podem ser assacados com a evidência dos factos reveladores e contundentes. Porque eles não são parvos de todo e servem-se da lei para o fazerem. É o escudo da lei que protege esta ética republicana.

Só pergunto: isto é democracia?

PS. à margem do caso, subjaz um problema: o recurso do MP relativamente ao caso Paulo P. está há um ano na Relação. A questão a resolver é essencialmente de direito e limita-se a um problema já debatido e se controverso, pelo menos com soluções jurídicas conhecidas.
Sem qualquer sombra de ataque à magistratura, pergunta-se: isto é aceitável? Um ano à espera de um acórdão que pelos vistos nem sequer projecto ainda tem? A desembargadora encarregada do caso não tem tempo? Tem muito que fazer? Está com problemas de gestão processual?
É que tudo isso é uma questão de serviço que o CSM tem obrigação de conhecer. Sem que tal constitua interferência no poder judicial.

Questuber! Mais um escândalo!