terça-feira, dezembro 13, 2011

Como é tudo Prós, vejamos alguns Contras

Mais Contras do comentador Zephyrus:

"Quanto a estar tudo bem na Universidade portuguesa, bem, trata-se de tentar atirar areia para parvos.

Tudo começa logo antes do acesso. Antigamente, os programas eram mais extensos. Os alunos tinha 3 específicas no 12.º ano, que normalmente eram Biologia, Química ou Psicologia para quem queria Medicina, ou Física, Geologia e Química ou Geometria Descritiva para quem queria engenharias. Agora escolhe-se apenas uma específica. Assim, praticamente desapareceram do 12.º ano disciplinas como Química, Física ou Filosofia.

Em Matemática aprendia-se muito mais sobre derivadas, como alguns teoremas, em Biologia aprendiam-se as bases da Embriologia, havia gente a ler e a analisar obras de autores de relevo em Francês e em Inglês, ou a ler Kant ou Nietszche em Filosofia. Isto no tempo dos meus pais ou dos meus tios. Agora, há gente em turmas no 11.º ano que nem sabe conjugar o verbo to be. E ingressam no Superior. Ou gente que não sabe escrever correctamente na nossa língua. E ingressam no Superior.

Os alunos, a maioria mal preparados, entram no final do Setembro. Em Espanha, as colocações saem em Julho. Por cá, apenas em Setembro. Isso significa menos um mês de aulas no primeiro semestre. Mas isso não interessa. Depois de duas ou três semanas de farra e praxe, os alunos levam com frequências. Nas engenharias, por exemplo, levam com matéria de primitivas e cálculo diferencial e integral. Gente que poucas bases tem de matemáticas. E começam logo aí os chumbos. Logo, no primeiro semestre.

Uma familiar minha é professora de um liceu público. Priva com um fã de Sócrates e de Maria de Lurdes Rodrigues, director do liceu, que não se cansa de dizer que «a secundária deve preparar para a vida» e que «a teoria que se aprenda no Superior».

No estrangeiro, os horários são feitos em nome da produtividade. É comum os alunos terem aulas apenas de manhã, ou até ao início da tarde. O resto do dia é para trabalhar ou estudar. E por cá? Bem, é comum outra coisa. Os horários têm uma desorganização extrema. Um aluno pode ter aulas das 8h30 às 10h30 e só voltar a ter aulas no mesmo dia das 16h às 19h. E tal sucede porque os horários são feitos em nome do bem-estar dos docentes, porque somos desorganizados e porque há alunos a mais para as instalações disponíveis. E aqueles «furos» entre aulas ao longo do dia nem sempre servem para estudar. Aliás, estudar em muitas salas de estudo portuguesas é uma tarefa impossível, tal é a barulheira. Esses «furos», dizia eu, servem para praxar, conversar na esplanada, ensaiar na tuna, preparar o futuro nas comissões de curso e académicas, ou nas jotas.

Há tempos abriu um curso de Medicina no Algarve. Consta que se pretendia abrir um curso ao estilo americano. Os provincianos cá do sítio ficaram logo entusiasmadíssimos, se é americano, é bom. O curso tem apenas 4 anos, e podem entrar alunos com média de curso superior a 14. Consta que são aceites engenheiros ou geólogos. Antes do ingresso, há entrevista e estágio, para seleccionar os candidatos. O curso é baseado na análise de casos clínicos e estágios. Como poderá haver então qualidade de ensino quando há alunos provenientes de outras áreas que não a área da Saúde? Como aprenderão esses alunos as ciências básicas, como Anatomia, Fisiologia, Patologia, Imunologia ou Histologia, se não há, por exemplo, um teatro anatómico, nem fazem parte do currículo? O referido curso de Medicina do Algarve surgiu da exigência inicial da JSD, que até fez abaixo assinado. O Algarve nem reúne requisitos mínimos para ter um curso de Medicina, pois tem apenas 400 mil habitantes. E se considerarmos Faro+Beja, verificaremos que se continua longe do milhão necessário para justificar uma faculdade ou um curso de Medicina. Mas Medicina é um curso da moda, ser doutor dá «prestígio», e mais, e dizem por aí, os médicos «ganham muito dinheiro», e melhor ainda, têm emprego no funcionalismo público; garantido. E foi o PS que lá aprovou o curso de Medicina algarvio, perto da campanha eleitoral. Sócrates até foi a Faro! Caça aos votos, portanto. E satisfação de clientelas partidárias. O PSD ficou com os louros de ter feito um abaixo-assinado e de ter tido a iniciativa, o PS aprovou, enquanto Sócrates estava no Governo e enquanto José Apolinário era Presidente de Faro (e o filho é ou foi presidente da associação académica lá do sítio). Ah, a justificação. O curso abriu porque há falta de médicos de família no Algarve. Mas também há falta dos mesmos profissionais no Alentejo, em Trás-os-Montes, na Beira Interior. E há falta porque as vagas para especialidade são mal distribuídas, e porque há uma péssima gestão dos recursos humanos no SNS. Mas isso não interessa. O que interessa é que agora se entra em Enfermagem, em Engenharia ou Biologia na Universidade do Algarve com média próxima de 10 e se pode almejar um curso de Medicina fast-food. Sem decorar o Gray's Anatomy, o Boron, o Moore, entre outros calhamaços que os alunos das faculdades clássicas têm de ler...

Mas não foi apenas o Algarve a receber um curso «moderno». Parece que Aveiro também tem ou terá um curso de Medicina, desses que se fazem em 4 anos. O curso é orientado, em parte, pelo Professor Sobrinho Simões, o mesmo que foi à sessão de apresentação do livro de Maria de Lurdes Rodrigues e que disse para a comunicação social que era um dos melhores livros que já lera. O mesmo Professor Sobrinho Simões durante as aulas queixa-se da qualidade dos alunos: considera que são imaturos e que têm falta de capacidade de trabalho, e atribui as culpas ao sistema de ensino. Mas simultaneamente, elogia Maria de Lurdes Rodrigues, e é próximo de Mariano Gago, e de outros membros do anterior governo PS. O Professor Sobrinho Simões, aliás, há uns anos, considerou Portugal provinciano, quando a filha não teve média para ingressar em Medicina no nosso país. Agora, critica o excesso de vagas e o futuro problema do desemprego médico. Nem uma palavra sobre o sistema de acesso, e Sobrinho Simões sabe muito bem por que razão as médias estão inflacionadas.

E as médias estão como estão porquê? Por que razão há tanta pressão social sobre muitos jovens para ingressarem em Medicina?

Em boa verdade, ser arquitecto, advogado, professor ou engenheiro já não tem o mesmo «prestígio». A qualidade do ensino degradou-se, com a abertura das privadas e de outras faculdades e institutos mais facilitistas. Depois, veio o desemprego, e até uma degradação da imagem destes profissionais perante a sociedade. Resta a Medicina, com direito a emprego estável e garantido, e por enquanto, «prestígio», coisa importante em sociedades europeias meridionais. Vá-se a qualquer turma do Porto da área científica e veja-se quantos jovens querem ser matemáticos, físicos, químicos, professores, quantos querem trabalhar na indústria ou no ensino, quantos querem fundar uma empresa e ter o seu próprio negócio. Quase todos querem ser médicos. E quem não consegue a Medicina, fica-se por enfermagem, medicina dentária, bioquímica, biologia. Doentio, e diz muito sobre o que somos e não deveríamos ser.

Quanto aos colégios. Sim à Medicina. Mas o Ensino será muito melhor. Conheço uma pessoa que colocou a filha, este ano lectivo, no Externato Ribadouro. Consta que frequentava uma escola pública onde a professora de Português não deu matéria no primeiro período; onde a professora de Biologia-Geologia não leccionou boa parte do programa; e onde havia problemas de indisciplina. Para além disso, nessa escola pública, a professora de Inglês e a de Filosofia era exigentes, demasiado até: e isso estragava a média. Pois bem, agora no Ribadouro, além dos programas cumpridos, não se dá tanta importância ao que não vai a exame nacional: tipo Inglês e Filosofia. O 18 a Educação Física está garantido (agora esta disciplina também entra na média de acesso ao Superior), coisa que não sucede nas escolas públicas. E assim, a aluna terminará o ano lectivo com uma média que nunca teria na escola pública. O Externato Ribadouro chega a colocar em Medicina mais de 100 alunos. E há por lá alunos com média de testes de 16 que terminam o ano com 20. É tudo legal, sublinhe-se. Afinal, os professores têm liberdade para escolher os critérios de avaliação. Mas, e se esse alunos estivessem numa escola pública? E se esses alunos não tivessem dinheiro para explicadores? Ingressariam todos em Medicina?

É assim que a média está inflaccionada. Coloquem pois um sistema de acesso com exames de acesso à Universidade, sem que a média interna de Secundário entre nos cálculos, e a média do último colocado em Medicina descerá a pique. Teremos certamente um sistema mais exigente, e muito, muito mais justo. Mas isso não interessa. Há quem seja do Minho ou de Bragança e compre apartamento no Porto para o filho ou a filha frequentar o Ribadouro e ingressar em Medicina! E conheço alguns casos!

Repito que puxar médias internas para cima é legal. O sistema permite. Pode não ser justo, mas é legal. E em Portugal, ninguém se preocupa com isso, ou fala no assunto. Afinal, muitas das nossas figuras públicas têm os filhos no ensino privado. E beneficiam, e muito, com o sistema.

Agora, com Bolonha, surgiu uma nova moda. Os alunos devem ter um papel «activo» no seu ensino. O professor deve apenas «orientar». Então o que decidiram fazer muitos catedráticos e assistentes? Pôr os alunos a dar aulas. E assim, o tempo que deveria ser ocupado a estudar as matérias pelas obras de referência da área, é destinado a elaborar apresentações de Power Point em grupo. Cada grupo fica a saber muito sobre um dado item da matéria, mas falta depois tempo para aprofundar tudo o resto. Agora imaginem o que é ter de fazer isto a várias disciplinas em simultâneo.

Em tempos, na minha faculdade, um antigo Catedrático, da velha escola, com perto de 70 anos, propôs a abolição desta moda, por considerar que os alunos não tinham tempo para estudar o que interessava, as obras de referência. Nada conseguiu mudar.

E nada conseguiu mudar porque esta moda cheira-me a mais um esquema encapotado de chico-esperto. Assim, repare-se, os assistentes não têm o trabalho de preparar as aulas. E corrigir um Power Point não é a mesma coisa que corrigir uma monografia. O assistente senta-se, ouve, vê, e no final debita umas opiniões sobre a apresentação gráfica, a organização das citações, a colocação da voz, o aprofundamento do tema. E coloca uma nota na pauta da avaliação prática. E fica o trabalho feito."

2 comentários:

Anónimo disse...

O ministério da educação tem certamente um quadro permanente de profisisionais que sabe muito bem como é que isto tudo funciona, por dentro e por fora.

Wegie disse...

Certeiro!!!

O Público activista e relapso