
Isabel declara que o pai " é o homem da minha vida" porque "não me lembro de mim sem falar política com o meu pai." E diz mesmo que o pai "é o culpado de eu ser socialista", porque lhe instilou as preocupações sociais que aliás serão comuns.
Quer dizer, para preocupações sociais, há o PS. E por isso já "é socialista até à raiz dos cabelos".
Sobre Sócrates? Diz simplesmente que "é um político determinado reformista, que herdou um défice descomunal de uma direita que o criou sem crise internacional. Em dois anos reduziu esse défice para valores à volta de 3 por cento. Depois quando começou a crise internacional foi fácil culpá-lo de tudo."
Repare-se: Isabel Moreira é formada em Direito e até constitucionalista. Estudou Ciência Política e sabe como se organiza teoricamente a Constituição, sabendo eventualmente direito comparado. Não é uma analfabeta. Eppure...pensa assim. E pior ainda:
"É preciso ter a coragem de dizer que nunca houve tão pouca corrupção como agora."
A corrupção para Isabel Moreira, socialista até à raiz dos cabelos, o que será? A troca de favores entre políticos e empresários? Não deve ser isso, porque se fosse já nem se atreveria a palpitar assim, tão evidentes se tornam os sinais de tal ter acontecido e continuar a acontecer.
Será a promiscuidade entre políticos que detêm poder de decisão e algumas entidades privadas que detém poder económico e entre si arranjam vantagens que não seriam devidas ética ou legalmente? Também não deve ser, porque se fosse nem se atreveria a pensar o que diz, tão evidentes se tornam os indícios de que tal fenómeno é endémico na sociedade portuguesa de topo.
Isabel Moreira achará normal e corrente que em Portugal os ricos estejam cada vez mais afastados dos pobres e que continuem a medrar à sombra de negócios com o Estado?
Isabel Moreira não sabe o que se passou no Face Oculta que é apenas um episódio de muitas ocultações que vicejam por esse país fora, nas câmaras municipais, nas empresas públicas, no seio do próprio aparelho do Estado Central?
Isabel Moreira, constitucionalista, não lhe ocorre que onde há poder, o dinheiro acorre imediatamente, porque precisa desse tempero essencial para se cozinhar?
Não, não ocorre. Fica a ideia que Isabel Moreira pensa que a corrupção é o toma lá, dá cá, entre o funcionário público e o empresário necessitado do jeito...
A Isabel Moreira não ocorre que àquele tal político reformista e determinado não lhe eram conhecidos meios de fortuna alguma e em poucos anos enriqueceu de modo suspeito, adquirindo património que nunca poderia adquirir em circunstâncias normais e sem política à mistura? E continuará a não ocorrer que quem cabritos de vida de luxo vende e cabras de rendimentos declarados não tem, de algum lado lhe vêm? Isso é o quê, afinal? Negócios, como de costume?
Este modo de pensar é trágico e infelizmente é o de muitos socialistas democráticos. A tragédia maior para Isabel Moreira é que o pai, salazarista dos quatro costados, conseguiu superar o labéu de fassista mas ainda assim não conseguiu ensinar-lhe o senso comum da vida prática e corrente que qualquer cidadão inteligente alcança.
NB: o título do postal é o de uma obra antiga ( de 1980) de Vassili Grossman, sobre o comunismo soviético agora traduzida para português, directamente do russo.
A tragédia em causa é dupla: ninguém em Portugal mostrou interesse em traduzir tal obra de denúncia do comunismo, nestes últimos trinta anos. O PCP continua por aí, com as mesmíssimas ideias que tinha nessa altura e mais antigas ainda. O PCP continua estalinista e ninguém se importa com isso.