O Público de hoje dá à estampa da primeira página uma notícia que remonta a Outubro de 2007, portanto com quase sete anos em cima e do tempo do governo de José Sócrates.
Resumidamente, refere-se a uma nota de honorários da firma Sérvulo Correia & Associados, relativa a "duas horas" de assessoria jurídica, entre centenas delas, também referidas e facturadas pela mesma firma, que assessorava o Ministério da Defesa desde os tempos de Paulo Portas e o negócio dos submarinos.
Que tinham essas duas horas de especial relativamente às demais? Eram de mais. Eram relativas a um almoço com três juristas da mesma firma e que foi assim contabilizado como tempo de serviço.
O responsável pelo departamento do Ministério da Defesa, no caso a Comissão Permanente de Contrapartidas, Pedro Catarino não aceitou aquela verba de um pouco mais de mil euros e aproveitou o ensejo para rescindir o contrato com a firma de Sérvulo Correia.
O artigo do Público é este e o complemento vem a seguir:
No dia 4 de Outubro de 2007, o embaixador Pedro Catarino sentou-se à mesa para um almoço, para o qual tinha sido convidado pelo seu velho conhecido, o advogado Bernardo Ayala, sócio da Sérvulo Correia & Associados. Foram duas horas de “amena cavaqueira”, na descrição do embaixador, que contaram com a presença de duas advogadas daquele escritório, Lisa Pinto Ferreira e Mafalda Ferreira.
Catarino presidia, desde Janeiro daquele ano, à Comissão Permanente das Contrapartidas (CPC), a estrutura estatal criada no âmbito dos ministérios da Defesa e da Economia, para acompanhar o desenvolvimento dos contratos que prometiam injectar várias centenas de milhões de euros, e resultavam de negociações entre os Estado e os vendedores de veículos e armamento para as Forças Armadas.
Bernardo Ayala e a suas colegas eram parte da equipa da sociedade de advogados que prestava assessoria à CPC desde 2003, quando começaram as contrapartidas a sério: no ano seguinte seria assinado o contrato dos submarinos, que previa o investimento de cerca de mil milhões de euros na economia nacional. Ayala fora, nessa altura, um dos principais arquitectos dos contratos, trabalhando com o Ministério da Defesa chefiado por Paulo Portas.
Dois meses depois do almoço, veio uma conta. A Sérvulo Correia & Associados enviou, como era prática corrente, as facturas do trimestre, para a entidade que pagava os gastos da CPC, a direcção-geral do Armamento e Equipamentos da Defesa (DGAED). Em Dezembro de 2007, Catarino foi chamado à direcção-geral para conferir. E não ia disposto a assinar de cruz.
No meio de “centenas de horas” de trabalho cobradas pela sociedade de advogados estava uma factura de “duas horas” vezes “três juristas”, com um valor de “1080 euros + IVA”. A data: 4/10/2007. Era a conta do almoço.
Da reacção imediata de Pedro Catarino não há registo. Mas uma carta do embaixador, de 9 de Janeiro de 2008, endereçada ao DGAED, Almirante Viegas Filipe, sintetiza o que o presidente da CPC pensava sobre aquela factura: “Um abuso e deontologicamente reprovável que a Sérvulo Correia venha pedir honorários pelas duas horas que os três juristas passaram comigo em amena cavaqueira.”
O Estado recusou pagar aqueles “1080 euros + IVA”, e disso deu nota ao escritório de advogados. A Sérvulo Correia & Associados reconheceu o “erro”. E fê-lo por carta. O problema é que a missiva enviada também tinha um preço: “quarenta e cinco minutos” de honorários pela sua escrita. O que deixou Pedro Catarino exasperado. Desta vez, o embaixador escreveu ao próprio ministro, Nuno Severiano Teixeira, dando conta de que cessara o contrato com a sociedade de advogados. Da substituição da Sérvulo Correia pelo Departamento Jurídico do MDN, no seu entender, “resulta uma considerável poupança para o orçamento do MDN e erário público”.
Este episódio tinha ficado encerrado, em Junho de 2008, com uma nova carta, de Catarino para o secretário-geral do Ministério da Defesa, pedindo uma lista detalhada com “os montantes despendidos com Sérvulo Correia por serviços prestados à CPC entre 2003 e 2008”.
E se hoje este caso é contado, pela primeira vez, no PÚBLICO, é porque causou alguma curiosidade nos deputados que integram a comissão de inquérito às contrapartidas militares. Há cerca de um mês, depondo na comissão de inquérito, Pedro Catarino revelou aos deputados que a CPC vivia na dependência de “escritórios de advogados”, que “tinham os arquivos, escreviam as actas, passavam as cartas para inglês.” Nessa ocasião, Catarino revelou que resolveu terminar o contrato com a Sérvulo Correia por “quebra de confiança”. Mas pediu aos deputados para que não o obrigassem a detalhar as razões, indicando que o fizera por carta para os responsáveis da Defesa da altura.
A Comissão, a pedido de João Semedo do Bloco de Esquerda, solicitou à Direcção-Geral das Actividades Económicas (que guarda o espólio da extinta CPC) essas cartas. Que chegaram há poucos dias a São Bento e já motivaram algumas reacções, quer do deputado José Magalhães, do PS, quer do próprio Presidente da comissão, Telmo Correia.
O PÚBLICO contactou Bernardo Ayala que, prontamente, pediu à Ordem dos Advogados que o libertasse do “dever de sigilo profissional” para comentar este caso, que protagonizou em 2007. Ayala confirma parte da história. E disponibilizou uma carta que enviou ao embaixador Pedro Catarino, no dia 10 de Janeiro de 2008. Aí, o advogado assume: “Tratou-se de um convite pessoal e, muito embora a conversa tenha tido cunho profissional, os interesses em causa eram sobretudo da Sérvulo Correia & Associados.”
O que importa salientar no artigo é a ocorrência já antiga que mostra bem o modus operandi das firmas: pagam-se à hora. E por vezes há horas más...
De resto, a rescisão com a Sérvulo parece que resultou em devolução dos procedimentos aos serviços jurídicos do próprio Ministério, de que resultou "uma considerável poupança para o orçamento do MDN e erário público".
Assim, pode perguntar-se por que razão se andou desde 2003 a alimentar a firma de advocacia com honorários pagos à hora.
E pode perguntar-se se foi apenas esta firma a assessorar o assunto das contrapartidas e dos submarinos a elas associados...
Em 20 de Setembro de 2009, a Sábado noticiava:
O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) realizou buscas em escritórios de advogados no âmbito do inquérito que visa suspeitas de corrupção, tráfico de influências e financiamento ilegal de partidos políticos no processo de aquisição dos dois submarinos U-214 adquiridos pelo Estado português ao Germain Submarine Consortium (GSC), segundo apurou a SÁBADO. Entre outros documentos, o MP está à procura do contrato de financiamento associado à aquisição dos submarinos.
A operação do Ministério Público (MP) começou esta manhã por volta das 10 horas em Lisboa e ainda estará a decorrer nas sedes da Vieira de Almeida & Associados, Uria Menendez e Sérvulo & Associados, três escritórios de advogados que terão intervido no negócio de 875 milhões de euros assinado, em Abril de 2004, pelo então ministro da Defesa Paulo Portas.
Esta é mais uma foto para o retrato do regime das três bancarrotas. Será que as pessoas em geral não vêem isto, esta evidência, estes factos e estas consequências? Será que não querem raciocinar um pouco e concluir logicamente o que se impõe?
19 comentários:
José, já não é de agora que tenta demonstrar que a acentuada degradação do primado do direito em Portugal é uma das causas das três bancarrotas. Estas firmas de advogados do regime são um cancro que urge erradicar e não é só pelos milhões que sacam ao estado, é essencialmente pelo circulo vicioso que criam nas instituições Portuguesas.
"Será que as pessoas em geral não vêem isto, esta evidência, estes factos e estas consequências? Será que não querem raciocinar um pouco e concluir logicamente o que se impõe?"
Que as pessoas em geral não vejam isto ainda percebo.
Já não percebo é que quem investiga estas matérias - policia e ministério público - as veja e delas não retire as devidas conclusões.
Como sucedeu no caso do Taguspark, com o pequeno almoço do Figo e do Sócrates, em cujo julgamento o procurador pediu a absolvição, e nem mesmo perante um voto de vencido de uma juiza do colectivo houve qualquer reacção dos superiores hierárquicos desse procurador.
Tudo tranquilo.
Este fenómeno, quanto a mim é central ao suposto Estado de Direito em que supostamente nos encontramos.
Isto, para mim, é corrupção pura. Criminal.
"Da substituição da Sérvulo Correia pelo Departamento Jurídico do MDN, no seu entender, "resulta uma considerável poupança para o orçamento do MDN e erário público".
Nem mais, É para isso que os departamentos e os assessores jurídicos dos ministérios e das direcções-gerais servem. E, se não têm juristas competentes para a assessoria, então deixem de enfiar nelas "putos" das juventudes partidárias que acompanham políticos quando são nomeados e que depois abrem concursos para os mesmos serem aumentados aos quadros daqueles ministérios.
A nova reforma do contencioso administrativo vai agravar este problema porque o Estado passa a ter os escritórios de advogados a representá-lo, deixando o MP de o fazer como até aqui.
Claro, são advogados e académicos (e por vezes, estes dois num) a produzir esta reforma.
Antes de mais, José, concordo que tendo os Ministérios departamentos jurídicos não faz muito sentido contratarem, o mesmo para as Câmaras com projetos e por aí fora.
Posto isto, também não percebo o drama de pagar as horas de trabalho usadas durante um almoço.
Nunca vos aconteceu terem almoços de trabalho?
Se recebessem a recibos verdes colocavam essas horas de fora?
De vez em quando cruzo-me com a mulher a dias e troco uns minutos de conversa, será que lhe devia descontar esse tempo?
O sr. embaixador (outro grupo de funcionários públicos que se julgam uma casta superior, como os magistrados) terá pago o almoço do bolso dele?
Foca, leu o que está escrito?
"Aí, o advogado assume: “Tratou-se de um convite pessoal e, muito embora a conversa tenha tido cunho profissional, os interesses em causa eram sobretudo da Sérvulo Correia & Associados.”
Casta superior ou não, porque tem o contribuinte de pagar o almoço aos advogados enquanto estes discutem interesses deles próprios?
Portanto, não foi um almoço de trabalho.
E não parece que seja caso único, antes aparenta ser tendência: a sociedade voltou a cobrar ao contribuinte o custo da admissão do próprio erro!
Concluindo, o único drama que aqui se vê é o de uma falta gritante de ética e deontologia, para não dizer de simples moral.
Não se compreende a que título vêm esses comentários sobre almoços de trabalho e mulheres a dias...
Se calhar também teve de pagar 45 minutos à mulher-a-dias pelos comentários que aqui deixa
":OP
O que a mim impressiona é o fait-divers que isto representa e ao mesmo tempo a importância que simboliza.
Se isto se passou neste caso, com uma rescisão de contrato por causa de uma falta deontológica ou um "erro" ético, a verdade é que pode não o ter sido e ser apenas norma dessas firmas no seu relacionamento com o Estado.
Neste caso o embaixador estava atento.
Agora, porque estava tão, tão atento também me faz pensar. E porque decidiu logo pegar naquele fait-divers erigindo-o a motivo suficiente de rescisão, também.
Quanto a mim, o motivo de rescisão devia ser o abuso que essas firmas fazem do Estado porque esse é que é o escândalo.
Não é o facto de ter cobrado um almoço como sendo de trabalho quando não o teria sido...
Muja...
Não percebe a comparação com a mulher a dias que também recebe à hora, chame o tico e o teco?
Se o almoço foi pago pelo Estado, e admito que sim pois o ex.mo embaixador não deve ter pago do bolso dele, isso é com quem convidou/convocou, e parece que não há duvida de quem foi.
Zazie
Sim, já paguei muitas vezes à mulher a dias pelo tempo que ela conversou comigo, e então? Também quer decidir o que faço com o meu dinheiro?
eheheh
Não. Eu também acho que já conversei com a sua mulher-a-dias.
":O))))))))))))
José
Esse idiota desse embaixador se tivesse gasto o tempo com as questões relevantes em vez de andar a embirrar com escritórios de advogados para poder contratar outro é que tinha feito algo útil.
Os elefantes passaram-lhe pela frente e ele ficou muito feliz de matar uma formiga.
Perceber a comparação, percebo perfeitamente.
Mas sabemos que o almoço não foi de trabalho.
Se o foca paga os almoços à sua empregada, quer ela trabalhe quer não, pois lá há-de encontrar a justa recompensa do Altíssimo pela caridade que dispensa à criatura.
Mas o erário do Estado não passa além desta terra, e é cá que ele é necessário.
E se o embaixador pagou o almoço, então o Estado - aliás, o contribuinte - teria de pagar o almoço duas vezes!
Uma na despesa do embaixador e outra ao advogado!
Porque se há-de embirrar com a despesa do embaixador quando é a do advogado que está estabelecido ser injusta, é que se não entende da sua parte.
Zazie
Credo, é um Big Brother e não nos avisou?
Muja...
Embirrar eu embirro com todos, como se pode perceber da primeira frase da primeira intervenção.
Para mim eram os departamentos jurídicos a tratar disto, ou então fazia-se a tal reestruturação do Estado e deixavam de existir.
Se o embaixador que coordenava o contrato chamou os advogados, assumiu a despesa.
Ou o santinho achava que iam almoçar com ele por admiração e idolatria?
A minha questão é se ele pagou do bolso ou não. Se sim ainda admito que possa estar errado e sou o primeiro a retratar-me, mas se colocou a despesa no ministério então assumiu que foi um almoço de trabalho.
No limite, por esta ideia de ao almoço não se cobrarem horas de consultoria, marcavam-se todas as reuniões para o refeitório do Ministério.
O fait divers com uma despesa de 1000€ é uma fantochada, como é evidente.
Não é fantochada porque, como diz o José, trai uma tendência, um modus operandi destas sociedades privilegiadas.
Não há como evitar a questão: se se dão ao trabalho de cobrar estas coisas, que mais não cobrarão e a que preços?
E trai ainda outra coisa, implícita nisto tudo: a evidente convicção que podem, devem e serão pagos por tudo quanto cobrarem, justo ou injusto. Por outra palavras, a convicção de porem e disporem do dinheiro dos contribuintes.
Que os funcionários públicos possuam convicção semelhante é grave, de certo; que privados ajam fundamentados nessa certeza fica pouco aquém de crime, ou pelo menos de corrupção no sentido embora largo, de certa forma mais grave de todos.
É essa corrupção lato sensu que a maioria das pessoas se recusa a ver e a tornar intolerável.
Essa corrupção lato sensu é a que mina a sociedade portuguesa actual porque está instalada para medrar no seio do poder político.
Se as instâncias judiciárias e judiciais se derem os mesmos ares, como deram Pinto Monteiro e Cãndida de Almeida então estamos mesmo perdidos.
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