Em Economia não me atrevo a comentar muito porque não sei. Desconfio que muitos sabem a mesma coisa.
Ora segundo escreve este comentador, a Geringonça de esquerda alcançou uma quadratura de um círculo que se julgava impossível ou seja a de que havia uma alternativa ao que aparentemente não era suposto existir.
Veremos se se confirmam os resultados e afinal a Economia de Esquerda dá os frutos prometidos. Se assim for, os partidos mais à direita que não são de direita mas interessa encostar a esse lado para marcar a diferença, têm algo a aprender. E depressa.
Observador, Luís Aguiar-Conraria:
O assunto da semana é, naturalmente, a proposta de Orçamento do
Estado apresentada pelo governo. Nesta proposta, a “devolução” de
rendimentos é acompanhada por um aumento dos impostos indirectos e
patrimoniais. Ainda assim, muitos não conseguem perceber
muito bem como é que isso é suficiente para chegar a um défice de 1,6%
do PIB em 2017. O debate é particularmente interessante porque, no
início do ano, (quase) ninguém acreditava que o governo conseguisse
cumprir com as metas para 2016. Mas, com a proposta do Orçamento para
2017, veio também a previsão para este ano: um défice de 2,4% do PIB.
Naturalmente, como (quase) todos os comentadores se enganaram na
catástrofe anunciada para 2016, poucos arriscam dizer que a meta para
2017 é inalcançável. Politicamente, o exercício orçamental de 2016
significa que, de facto, havia uma alternativa à austeridade aplicada
nos anos de Passos Coelho e Portas. E, claro, confirma que a alternativa
não era nem abrir trincheiras, nem lutar por perdões de dívida, mas
sim, dentro do quadro institucional europeu, cumprir as regras através
daquilo a que agora se chama “austeridade de esquerda”.
Já há muitos anos que defendo a progressiva substituição dos impostos
directos pelos indirectos. Por diversos motivos. Em primeiro, porque os
impostos indirectos, ao penalizarem o consumo, funcionam, de certa
forma, como um incentivo à poupança. Sendo a poupança essencial para
financiar o investimento, é grave que Portugal seja dos países
desenvolvidos que mais baixas taxas de poupança têm. É especialmente
grave na actual conjuntura, em que a capacidade da economia portuguesa
se financiar no mercado externo anda pelas ruas da amargura. Em segundo
lugar, os impostos directos penalizam os rendimentos do trabalho e do
capital, ou seja, penalizam a produção. E Portugal precisa de produzir
mais e não de penalizar quem produz. Finalmente, alguns dos impostos
indirectos justificam-se a si próprios. Por exemplo, o imposto
específico sobre produtos petrolíferos é uma forma economicamente
eficiente de obrigar as pessoas a ter em consideração os custos
ambientais quando enchem o depósito do automóvel. Na gíria, dizemos que o
preço ao consumidor deve reflectir os custos privados (i.e., os custos
de produção), mas também outros custos sociais (como os ambientais). Ou
seja, são impostos que melhoram a eficiência económica. Por estes
motivos, não tenho problemas com o aumento dos impostos indirectos.
Aplaudiria até se o governo fosse mais arrojado neste domínio, por
exemplo acabando com várias das isenções e reduções de IVA para produtos
específicos.
O resultado orçamental de 2016 veio mais uma vez confirmar uma ideia
que tenho há algum tempo. No que respeita à responsabilidade orçamental,
não existe uma clivagem esquerda/direita — excluamos da análise os
últimos anos de loucura de Sócrates. Isto apenas confirma a literatura
académica sobre o assunto, mostrando que o preconceito de que a esquerda
é mais irresponsável é falso. Há, aliás, vários trabalhos académicos
que desmentem esta hipótese e até alguns que concluem o oposto. Por
exemplo, James Alt e David Lassen, respectivamente das Universidades de
Harvard e Copenhaga, usando dados para os países da OCDE, concluíram
que os défices orçamentais tinham tendência a aumentar com governos de
direita. Vale a pena referir que Ricardo Reis chegou a conclusões
semelhantes para Portugal, num pequeno ensaio que escreveu em 2009. São
os governos liderados pelo PSD que são os campeões do aumento da despesa, mesmo não aumentando tanto quanto as oposições quereriam.
Na verdade, nada disto é surpreendente. No assunto da
irresponsabilidade orçamental, a clivagem não é entre esquerda e
direita, mas sim entre ser governo e ser oposição. Basta ver as reacções
dos partidos de direita à proposta do Orçamento de Estado para 2017. Cristas, secundada por Maria Luís Albuquerque,
quer alargar os aumentos de pensões propostos pelo governo, sem impor
qualquer condição de recursos, arriscando-se a, verdadeiramente,
esbanjar dinheiro. Já Passos Coelho acusa este Orçamento de ser um embuste
e que o governo está a “transformar em impostos permanentes aquilo que
tinha sido apresentado como uma solução de emergência, num quadro muito
especial” a que “se chamou austeridade”. Ou seja, Passos Coelho diz-nos
que seria possível atingir as metas do Tratado Orçamental recorrendo a
medidas extraordinárias e temporárias. Convenhamos que reduzir a dívida
pública de 130% do PIB para 60% recorrendo a medidas temporárias e
extraordinárias é obra.
A conclusão é simples: bastou ao PSD e ao CDS irem parar à oposição
para se tornarem tão irresponsáveis como o PCP e o Bloco durante a
legislatura anterior.