quinta-feira, agosto 08, 2019

Woodstock, o mito das imagens

O cinquentenário do festival de Woodstock segue as passadas da evocação ocorrida há dez anos. Já escrevi aqui sobre o assunto.

A Visão desta semana dedica a capa ao tema, provavelmente inspirada pela Der Spiegel do início do mês ou porque os seus leitores pertencem a faixa etária propícia...aliás o subtítulo é uma simples coincidência. A alemã do dia 1, escreveu "nove dias que mudaram o nosso mundo". A portuguesa que saiu hoje escreveu o que se lê. Coincidências da estultícia.






















Seja como for o artigo é pobrezinho e enviesado, como sempre. Para além de copiado integralmente quanto aos factos relatados e ideias vertidas a escrito. Convidam-se dois ou três personagens para falar do assunto e está feito. As fontes são tantas que o plágio inerente é indetectável, mas continua a ser vergonhoso porque nem indicação dessas fontes apresentam. Este J. Plácido Júnior, um maduro que deve lembrar-se do evento embora do modo que foi narrado nos anos a seguir,  escreve que "passaram 50 anos e ainda hoje habita o nosso imaginário"...enfim, duvido que o imaginário seja o que o indivíduo imagina.  Poderia no caso fazer como o novo jornalismo e contar como soube do festival e que impressão lhe causou em vez de copiar ideias alheias e factos narrados por outros.

Um dos personagens é Carlos Mendes o músico do festival da Canção de 1968 e 72. Aproveita para falar do fassismo, claro. Tudo nos conformes da narrativa da brand registada.


Este festival de Woodstock é um dos mitos do séc. XX da cultura popular.

Não fui confirmar pela leitura dos jornais da época, mas os que tenho não mencionam sequer o evento realizado entre 15 e 17 de Agosto de 1969, em Woodstock, perto de Nova Iorque. O festival terá reunido cerca de meio milhão de pessoas, muitas delas borlistas que aproveitaram a desorganização para penetrar no vasto recinto e ouvir música e músicos nos espectáculos ininterruptos, a não ser pela chuva forte, durante os três dias.

Durante esse verão decorreram outros festivais de música e as notícias sobre os mesmos chegavam cá através das revistas de música...estrangeiras. Por cá, no Verão de 1969 pouco ou nada havia de imprensa exclusivamente musical. A Mundo da Canção só apareceu em Dezembro desse ano e o jornal Disco, música&moda, no ano seguinte.
Havia a revista Cine-Disco quinzenal e que começara em Dezembro de 1968. No número 17, de 1 de Agosto de 1969 passou a chamar-se Mundo Moderno, por sugestão dos leitores. Grande título!

A revista não ligou patavina a Woodstock. Mas ligou a outro festival que se realizou quinze dias depois: Wight e que teve a presença de Bob Dylan. Dava conta, na edição de 15 de Setembro,  do desapontamento dos 150 mil "admiradores" por causa da duração do concerto, pouco mais de uma hora.



O festival de Wight era na altura mais falado do que o de Woodstock, pelo menos na Europa. A revista Rock&Folk datada de Outubro desse ano mostrava na capa a importância do tema:


E o director da revista publicava um artigo do Daily Mirror sobre o festival. Até essa altura nem uma palavra sobre Woodstock, nessa edição ou nas anteriores, de Junho, Julho e Setembro ( não tenho a de Agosto).

A Rock&Folk desse ano não falou em Woodstock...como mostram estes últimos números desse ano ( Rock&Folk 1966-2001, edição comemorativa).


Como compreender uma coisa destas, uma omissão deste calibre? Simples, parece-me. Nos EUA o assunto foi notícia abrangente e muito ilustrada, na Life, Look e na Rolling Stone, neste caso na edição de 20 de Setembro desse ano. À Europa, tais revistas chegavam mais tarde...

A Rolling Stone era uma revista ainda relativamente desconhecida na Europa. Foi nessa altura que Mick Jagger deu uma mão ( e dinheiro) para se fazer uma edição inglesa, para distribuição na Europa. Tal é contado pela Rock&Folk de Setembro de 1969 que dava aliás destaque a um outro festival, de Plumpton.


A edição de 20 de Setembro de 1969 da Rolling Stone era profusa em texto e imagens sobre o acontecimento. Talvez lendo o texto se entenda que afinal o festival foi...musical. Não foi um happening político como agora, alguns,  pretendem fazer crer, contra a guerra do Vietname e coisas semelhantes. É ler o último parágrafo que vale a pena...


E a Rolling Stone deu importância ao festival em Wight, quinze dias depois, com alguns dos artistas que participaram em Woodstock, como Joe Cocker? Deu, assim, em 4 de Outubro.


E em 6 de Setembro tinha escrito algo sobre os festivais...e a política. O artigo é de um dos fundadores da revista, Ralph Gleason.


Nesse mesmo número mostrava-se uma imagem icónica desse ano que ficou para a posteriade da cultura popular: Easy Rider, o filme. Uma fantasia para milhares e milhares de jovens por esse mundo fora, incluindo Portugal e a minha terrinha de então...


E este anúncio a mais um festival com artistas do mesmo gabarito de Woodstock:


Então se nos EUA era assim e na Europa assado como é que Woodstock se tornou no mito que é?

Basicamente e a meu ver através das imagens de um filme longo de três horas que estreou apenas no ano seguinte e por cá, em Portugal, em 1971 ( a Visão diz que foi em 1975, mas não tenho a certeza, o jornal i escrevia há dez anos que foi em 1971 e que teve problemas com a censura).
O filme, realizado por Michael Wadleigh foi montado, além do mais, por Martin Scorsese e foi um sucesso de bilheteira. Foi esse o esteio principal do mito.
O filme do festival de Wight não lhe chega aos calcanhares e é do festival do ano seguinte, 1970.


Foi apenas nessa altura, em Junho de 1970 que a Rock&Folk pegou no tema e mostrava na capa uma das figuras de Woodstock, o jovem baterista dos Santana, Michael Shrieve com 17 anos. Quem vir o filme percebe porquê.



O disco do evento foi lançado na Primavera de 1970 e era triplo. Tinha uma capa com uma foto de um casalinho embrulhado em mantas.

A foto foi tirada por um certo  Burk Uzzle e tem uma história engraçada, contada aqui:


O casal de 1969, com 20 anos e depois, com mais 50 em cima...


Gosto de ver isto...

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