quarta-feira, janeiro 15, 2020

A competência dos media nacionais contra a incompetência da "Justiça"...

o Público e o Correio da Manhã, bem como o Observador, dão parangonas hoje à notícia de condenação do Estado português ao pagamento de uma soma pecuniária a um familiar de vítima do assunto conhecido como "caso da praia do Meco".

Primeiro o CM com notícia de primeira página a ribombar a sua proverbial competência informativa, liderada pelo jornalismo de "pente fino" apto a catar todas as ocorrências nacionais com destaque para as que lhe garantem o primeiro lugar em leitores de jornais, à frente de todos.

Título mais apropriado não pode haver..."tribunal europeu chocado". "Chocado"? Pôs algum ovo, porventura?



E a notícia de dentro também:


São falsas estas notícias? Nem por isso, como de costume. O CM não publica notícias falsas, normalmente. Publica notícias sensacionais, puxadas ao ribombar de cachas para vender exemplares. 

Estou mesmo a imaginar o director da publicação ou o responsável pelo título de hoje quando soube do teor do acórdão do TEDH, de condenação de Portugal por violação do aspecto processual relativo ao artº 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, assim explicada no sítio do tribunal


Devem ter pensado que aí estava um assunto para "malhar na Justiça", essa porca dengosa que anda sempre de rabo ao léu...na visão particular dessa gente dos media.

O Público também não faz por menos e responsabiliza a então princesa do MºPº, hoje ministra da Justiça e Conselheira do STJ , por branquear uma situação que entendem como passível de correctivo mediático:


Não sei comentar devidamente o assunto, pelo que li no acórdão, muito sucinto do TEDH.

A decisão de condenação do Estado português parte do princípio que houve falhas na investigação criminal que poderia conduzir a um resultado diverso do arquivamento do processo crime instaurado. 
A decisão aponta mesmo seis factos que poderiam conduzir a outro resultado. Duvido que tenham razão, mas não li o que se fez no inquérito e as provas recolhidas, à charge e principalmente à décharge, aqui completamente ausentes de consideração mínima. 

A Justiça é representada por uma balança e tal significa que tem que existir um equilíbrio de forças e posições antagónicas de quem pretende justiça. Para tal é preciso existir contraditório que evidentemente o CM e o Público, apesar dos seus livros de estilo quase nunca cumprem, ao contrário das instâncias judiciais que o cumprem sempre. 
E é essa diferença que me faz desconfiar sempre deste jornalismo patarata que apenas pretende vender e se está nas tintas para a verdade.
O jornalismo responsável, como se costuma dizer, deveria ter pessoas inteligentes e honestas a dirigir ou redigir as publicações.  Infelizmente, parece que nem uma coisa terá e muito menos outra.

Contam factos mas não contam os factos todos. Nem sequer, por vezes, os mais relevantes. E com base neles fazem capas como a do CM de hoje, uma ode à indecência jornalística, um nojo por isso mesmo.

Porém é com base nestas capas e notícias que depois os cidadãos fazem juízos de valor sobre os factos que lhes são contados, parcialmente, truncados e muitas vezes manipulados por interesseiros, como deve também ser este o caso. Foi ouvido alguma vez o principal envolvido neste caso? Alguém conhece verdadeiramente a sua versão dos factos, mediaticamente? Não foi já o mesmo condenado mediaticamente, quase sempre? 

Se não vejamos. 

Quando o assunto veio a lume, qual a opinião publicada sobre o mesmo? Tomemos o caso de um cronista singular, Vasco Pulido Valente, no Público de 25.1.2014. 


A quem atribuiu o mesmo a responsabilidade última pelo que aconteceu? A um sistema académico podre. Tal e qual. O jornalismo nacional ponderou esta hipótese nas escolhas de títulos de notícia? 

O sistema académico é o mesmo que o TEDH "absolve" assim, sumariamente, entendendo que substancialmento o Estado português nada mais poderia fazer. Afinal tem leis que protegem a vida e integridade física das pessoas, não tem? E então que se pode fazer?! Nada, pois não?!

Ora leia-se o aresto: 

Article 2 (right to life, substantive aspect)

 The Court considered that the present application raised the issue of hazing at universities and its monitoring by the State. It pointed out that, unlike hazing within the armed forces, hazing activities at university were performed by students on other students and not by agents of the State or under the control of the State. 

The issue to be determined was whether the legal framework existing at the time had been sufficient to prevent, suppress and punish any offence endangering the life of the applicant’s son. 

The Court answered this question in the affirmative, noting that, while Praxe was not prohibited or regulated in domestic law, any abuse, whether or not it occurred in the context of a hazing 4 challenge, was punishable by law; the Constitution enshrined the principle of human dignity and prohibited torture and inhuman or degrading treatment. Furthermore, any offence endangering a person’s life, physical or psychological integrity, or private life was punishable under the criminal law, including by prison sentences of up to 25 years. Any act of violence or physical or psychological force against other students, including in the context of hazing activities, was also a disciplinary offence punishable by a penalty ranging from a warning to expulsion. Lastly, universities and higher education establishments could be held responsible for any material and moral damage caused on their premises. The Supreme Court had previously ordered two higher education establishments, in 2009 and 2013, to pay damages for the abuse of a student and for the death of another student as a result of hazing activities within their institutions. 

Consequently, the Court considered that there did not exist an area outside the law or a legal vacuum with regard to hazing activities in Portugal. Domestic law set out a series of criminal, civil and disciplinary provisions designed to prevent, suppress and punish offences endangering individuals’ lives or their physical or psychological integrity. While acknowledging the undoubtedly tragic nature of the present case, the Court did not find it established that the State had failed in its positive obligations under Article 2 and could thus be held responsible for the death of the applicant’s son. There had therefore been no violation of the substantive aspect of Article 2 of the Convention.

Portanto, para o CM e o Público, baseados na decisão do TEDH que condenou o Estado português por ser "ineficiente" , "ineficaz" ( sic) na investigação criminal, a culpa é da...Justiça. 

Ora tomem lá os procuradores e juízes que já almoçaram.

Por trás da cortina, a escriba do Público e o director do CM esfregam as mãos. Mas não conseguem limpar as consciências, porque suponho que tendo uma réstea de inteligência deveriam pensar melhor no que andam a fazer. 

Porque isto não é jornalismo. É...pois claro: populismo! Ora tomem! 

Sem comentários:

Megaprocessos...quem os quer?