quinta-feira, agosto 05, 2021

A linguagem significante e o significado em Pacheco Pereira.

 Na Sábado de hoje, o artigo de Pacheco Pereira, para além do mais, versa sobre a linguagem,  num apontamento breve e revelador de significado. 


Pacheco Pereira chama "tribalismo" à escolha de designações de fenómenos, acontecimentos e realidades, mormente passadas, com atributos diversos. Ditadura versus Estado Novo; guerra colonial versus guerra do Ultramar; 25 de Abril versus golpe do 25 de Abril, como exemplos apresentados. 

A escolha de termos adequados a designar realidades como a existente antes de 25 de Abril de 1974 deve obedecer a que critérios? 

Afinal, o Estado Novo nunca existiu e foi sempre e exclusivamente uma Ditadura? E o que se passou depois de Setembro de 1968 até 1974 foi apenas a continuação evolutiva de tal Ditadura ou Estado Novo, de molde a legitimar tal designação, à escolha dos fregueses? 

A guerra colonial foi sempre designada como tal e nunca como guerra no Ultramar? 

E a pergunta fatal: quem operou a modificação de linguagem trocando os significados para obter outros significantes? 

Um significante é aquilo que indica e dá a entender algo. O significado é aquilo que uma coisa representa ou exprime.

O que foi a guerra em África, tal como designada até 1974 pelo regime de então e seguida pela opinião pública e publicada em Portugal nessa época. É preciso dizer que  por "opinião pública" entendo o que Marcello Caetano escrevia como se mostra aqui, num escrito da revista Vida Mundial de Setembro de 1968, na altura em que tomou o cargo de presidente do Conselho em vez de Salazar, confinado num hospital, por doença grave: 


Opinião pública é "o conjunto de juízos compartilhados por grande número de componentes de dado grupo social, de tal modo que um indivíduo ao exprimir algum desses juízos perante os seus concidadãos tenha considerável probabilidade de o não ver repelido, mas sim encontrar um ambiente de receptividade e aprovação". 

Dizer e escrever "guerra colonial" antes de Abril de 1974 era possível mas significava apenas que era uma designação da esquerda comunista e socialista marxista e tal me parece indesmentível. O significado estrito era esse: ideológico e marxista, porque a noção de "colonial" adquiriu conotação esquerdista com o advento dos movimentos de guerrilha em África que se opuseram aos detentores do poder sobre tais territórios, conquistados, descobertos ou ocupados. Tal aconteceu a partir dos anos cinquenta do séc. XX e com influência comunista e depois do "terceiro mundo". 

Era um termo legítimo mas ausente da extensão ao conceito de opinião pública. Pacheco Pereira provavelmente poderá ter assumido em determinada altura que a guerra de Portugal em África era uma guerra colonial, mas suspeito que tal terá sido muito tardiamente,  nos finais dos anos sessenta. Seja como for era a opinião de uma minoria absoluta e nada representativa da opinião pública dominante. 

O conceito de "terceiro mundo" que era algo familiar às afriques-asie da época ( e que se vendiam por cá) também é discutível, atendendo por exemplo ao que um Juan Perón dizia ( Flama 6.4.1973, na véspera do 25 de Abril de 74) :



Seja como for, "guerra do Ultramar" era a designação corrente, correcta e amplamente aceite pela maioria da população portuguesa da época. Não seria a propaganda marxista do PCP ou dos socialistas marxistas que iriam alterar tal designação. A meu favor invoco o resultado eleitoral de Abril de 1975. 

O problema, porém, é que desde 1974 que a opinião pública foi sendo gradualmente modificada, através de outro fenómeno: o da ditadura mediática da esquerda comunista e socialista, de pendor intelectual e com disseminação em quase todos os órgãos de comunicação social. 

O que se passou a partir de Maio de 1974 nos media nacionais foi a manipulação completa da linguagem e substituição dos termos correntes até então pelos adoptados por essa esquerda comunista e socialista, sem que se visse qualquer oposição de relevo, mormente nos poucos órgãos de informação que surgiram para representar os significados e significantes dos termos do anterior regime. 

E no entanto, eles continuaram a existir e não se pode dizer que a substituição de tais termos pelos novos, com a modificação de linguagem, fosse algo que espelhasse a realidade, ou seja, o significado das coisas. 

A "guerra do Ultramar" não passou a ser "guerra colonial" por ter sido sempre assim, mas apenas por opção política e ideológica em modificar o significante e impor tal linguagem como a novilíngua corrente. O fenómeno foi analisado na literatura de um Orwell e por isso desmerece eventual valor de referência. E o conceito de Ultramar também poderia ser discutido...tal como se explica aqui.

A escolha da designação como Ditadura ou  Estado Novo além do mais está mal exposta uma vez que será sempre necessário articular termos acessórios acerca do significado de "ditadura" havendo muitas lacunas e buracos conceptuais em tais tentativas, aliás canhestras, de uma esquerda apostada sempre na novilíngia orwelliana. Daí que não mereça também qualquer cuidado porque carece de "sutentabilidade". Para além disso sobra sempre o tempo de 1968 a 1974 para desmentir factualmente a existência do Estado Novo nessa altura, com as características conhecidas e inerentes, mesmo que se mantivessem alguns aspectos essenciais. 

Ou seja e em resumo: o escrito de Pacheco Pereira é uma calinada, ideologicamente orientada e desprovida de sentido aceitável. 

Passo a mostrar exemplos e recortes sobre a evolução da linguagem. Antes de 25 de Abril de 1974 quem designava a guerra em África como sendo no Ultramar era por exemplo um dos mentores do golpe ( porque foi disso que se tratou, parece-me) do 25 de Abril de 1974 e está aqui bem exposto tal exemplo. Em 1971, Costa Gomes era assim- "guerra do Ultramar"- que designava o assunto e a palavra "terroristas" ainda não fora substituída por "movimentos de libertação" ou por outra coisa qualquer mais consentânea com a ideologia marxista.

No Verão de 1973, ( aqui a revista Observador que não era de extrema-direita nem nada que parecesse) dava destaque ao assunto de interesse nacional, no caso da defesa: 




Na mesma altura a "oposição" socialista e comunista, envergonhada e também cercada pelo regime, dava ar da sua graça e evidentemente que a linguagem era outra, mas não a da opinião pública generalizada: 




Com o advento do golpe militar em 25 de Abril de 74 a linguagem modificou-se por influência directa e imediata dos comunistas e socialistas e com a adopção tácita da mesma por outras forças políticas, de direita moderada, ou social-democrata, como o PPD/PSD e o CDS ( "rigorosamente ao centro"). Foi isso que permitiu a modificação e a adopção da novilíngua que actualmente temos e que um Pacheco Pereira julga ser a única admissível e legítima, contrariando a História e adoptando a posição de um improvável vencedor.

Por exemplo, estes indivíduos, tanto o Álvaro Cunhal, confesso admirador de Estaline, como o que o antecede na escada do avião, o inefável Domingos Abrantes e mulher, crismador original da palavra "fassista" por cauda dos dentes raros, assim como o jazzeiro Duarte que faz de cicerone a um português internacionalizado no comunismo soviético mais empedernido, sentem Portugal de um modo completamente diferente do da esmagadora maioria do povo. E a linguagem que usam não é a do povo, mas da ideologia comunista. Que legitimidade advém desta realidade e destes significados? Sim, que legitimidade é que estes indivíduos adquiriram para modificar o modo como se designavam aquelas realidades, substituindo-as por outros significantes? Diga quem souber...
















Obviamente que a diferença de sensibilidade e de percepção da realidade advinda depois do golpe militar de 25 de Abril de 1974 não permite entender, por exemplo, isto que se pode ler aqui:


Ou isto:






Mas tal não quer dizer que o significado disto tenha desaparecido e alterado por força da linguagem modificada. Em 11 de Novembro de 1980, o actual presidente da República fazia assim o obituário de Marcello Caetano, revelador nas entrelinhas das contradições que minavam e continuam a minar:


Claro que a perspectiva de esquerda era outra e ajudou a modificar os conceitos e a linguagem corrente de modo a que a partir de determinada altura, os originais perderam-se e agora só são eventualmente evocados pela "extrema-direita" ou pelos "admiradores de Salazar", numa manifestação de sectarismo exemplar e que denega o conceito de democracia que ostentam na lapela:


Em conclusão: os termos de linguagem que temos, como correntes nos media actuais e na generalidade do komentariado, mais os jornalistas todos formados nas madrassas que agora adoptam a novilíngua como se fosse a materna, são apenas legítimos na medida em que afastaram à força e pelos métodos orwellianos, os que existiam antes. 

E haja quem o desminta!

Sem comentários:

A obscenidade do jornalismo televisivo