domingo, agosto 01, 2021

A máquina da cor de burro a fugir de Pacheco Pereira

 Artigo de Pacheco Pereira no Público de ontem:


O artigo é uma amálgama de ressentimento contra uns alegados e putativos sectários da visão dicotómica que assestam à realidade envolvente. São os indefinidos adeptos do preto-e-branco, naturalmente  sem boavista. Boa vista, para o Pacheco, é a diversidade colorida do arco-íris simbólico. 

O preto-e-branco é "tóxico e faz mal à cabeça" e Pacheco é seguidor indefectível da policromia com profusão de nuances em que se tornou perito auto-proclamado. 

Por exemplo, no caso do obituário de Otelo, Pacheco escreve aqui o seguinte: "O espectáculo dos últimos dias com a morte de Otelo é um bom exemplo de como isto está. Tudo o que escrevi antes aconteceu e acontece, para nossa vergonha colectiva. Ou se é a favor, branco, ou contra, preto. E se é branco em 1974, preto em 1975, mais preto ainda aquando das FP-25, não se pode ser branco em 2021. Se mantivéssemos as cores todas, não havia necessidade deste `monoclorismo` e talvez compreendêssemos melhor o homem.

A citação desmente a própria "tese", uma vez que ao discriminar as várias "fases" de Otelo está evidentemente a enunciar a policromia da personalidade do indivíduo e a mostrar o contrário da visão monocolor. A preferência ou  o relevo concedido a uma dessas fases não anula a existência das outras e os que condenam Otelo, como "preto" têm as razões próprias respeitáveis como as que o branqueiam completamente. 

Para além disso e como exemplo máximo da incoerência e palermice do raciocínio exposto bastaria trazer à colação o que se passa com a evocação do salazarismo. Qual a atitude de Pacheco relativamente a tal fenómeno? Preto mais preto não há. E no entanto, se há matéria em que a policromia seria necessária para mostrar todos os cambiantes da paisagem realista, era precisamente esta. E isto é só um assunto, porque há inúmeros temas em que a posição crónica de Pacheco é o monocromatismo mais empedernido pelo musgo. Basta ler algumas coisas do que escreve e eu leio algumas, porque afinal de contas não gosto de dar pontapés em cães mortos, se bem me faço entender. Tal deveria fazer reflectir Pacheco sobre a utilidade da sátira ou do humor corrosivo contra quem não se conhece pessoalmente, mas com motivos fundamentados. Não é cobardia, mas liberdade de opinião irrisória que não deveria incomodar seriamente fosse quem fosse. A partir do conhecimento fica-se preso e com liberdade de opinião demasiado condicionada. Portanto, aviltar-se contra quem não se conhece, com o  desprezo calculado de Pacheco contra quem o tenta ridicularizar no que poderá merecer,  é ainda e quase sempre estúpido. 

Assim, no caso do tal Otelo, Pacheco, neste caso o que faz? Branqueia ou enegrece? Pois, aqui é que a porca torce o rabo da coerência e do tartufismo encapotado. 

Pacheco escreve no Público do cravo e na ferradura da Sábado, partes da mesma malapata dos media nacionais. Na Sábado desta semana expõe o que pensa de Otelo: 


Pacheco diz dever muito a Otelo pelo "dia único, 25 de Abril 1974". Enfim, uma declaração em "branco". Não querendo agora entrar na polémica sobre o papel de Otelo no dia único, no mínimo mitificado, segundo me parece, atrevo-me apenas a trazer à memória escritos antigos de Vasco Pulido Valente que faz muita falta a esta gente que escreve crónicas nos media. 

Vou, porém, colocar aqui uma pequena história, suficientemente reveladora e que apareceu num jornal desta semana, o Expresso:  


Como se lê, heróis, tal como chapéus, pode haver muitos. O que sucederia ao "dia único" se o cabo apontador José Alves Costa tivesse cumprido a ordem de disparar sobre as chaimites de Salgueiro Maia? É fácil de adivinhar se a mira tivesse sido certeira e não haveria qualquer Otelo para celebrar nos tempos a seguir. O regime estava a cair de podre e quem lhe daria o toque final seria...Marcello Caetano, como é possível saber lendo algumas coisas sobre o assunto, para além dos cronistas mediáticos que pululam por aí. E escrever isto é mostrar toda a policromia da realidade desse tempo e não o monocromatismo dos escritos de Pacheco e similares. Escrever sobre Salazar e Caetano, para além do que escrevinham sobre tal assunto os vários pachecos que por aí guitarreiam, é não só necessário como urgente, para dar o tom a todo o fado e não se ficar pela cantiga do ceguinho de antanho, a vender as cautelas todas. 

Além disso, Pacheco quanto a Otelo escreve na Sábado os ditirambos habituais da visão monocromática. No Sol desta semana, porém, mostra-se outro lado obscuro dessa lua cinzenta: 


Pacheco em 1996 votou contra a amnistia aos crimes "políticos" abrangendo o período de 1976 a 1991. Não eram apenas os da FP25, de Otelo, mas também os outros, do lado do preto e sem branco à mistura.  Para justificar, diz o Sol que declarou urbi et orbi na AR, onde perorava em nome do PSD, que havia "pelo menos uma pessoa que não merecia a amnistia" referindo-se a Otelo. 

Agora, para justificar a opção, mistura os alhos brancos com os bugalhos pretos esquecendo a abrangência de tal medida de clemência política e faz exactamente o que critica aos adeptos do preto e branco: distingue os dois ou três Otelos e acantona-o ao lado do preto para lhe denegar o perdão político. Agora, como antes. Do lado dos pretos, para mistificar os brancos. Enfim quem quiser que o leia e perceba o que pretende Pacheco Pereira. Por mim já entendi há muito: viver a sua vida, ganhando o sustento como pode. Uma boa vidinha, segundo se depreende. 

O que aliás será louvável, desde que não se ponha a disparar ad hominem contra fantasmas de um passado que nem sequer conhece como devia ser: em cromatismo ou mesmo abrangendo o cinzentismo da zona escura. 

De há uns anos a esta parte tosa com a fedúncia habitual certos comentadores de ocasião, alguns anónimos, outros identificados em referências inúteis e até- imagine-se!- um tal "procurador nortenho que admira Salazar"! Como se admirar Salazar fosse o pecado mortal irredimível e  aliar-se a indigentes mentais que admiraram Mao-Tse-Toung ou escrever a eito e preceito a biografia continuada de um devoto admirador de Estaline, fossem virtudes supremas. Preto-e-branco, disse?! E continua a dizer...  

São esses os elementos que Pacheco classifica sumariamente como seres das trevas, nem sequer do preto-e-branco, mas apenas habitantes de um "pobre mundo em que vive esta gente viciada nas redes, mundo triste e solitário, enclausurado em boiões de vinagre e uma gigantesca insegurança". Estava quase para lhe assestar um auto-retrato aproximado, mas seria injusto. 

Afinal Pacheco sabe colorir-se e ataviar-se com os ademanes adequados: escreve para a Cofina do fantástico Paulo Fernandes, um portento intelectual dos media mais progressistas; escreve para o pasquim de referência intelectual que é o Público, dirigido pela sumidade Manuel Carvalho e literalmente sustentado pela SONAE e também frequenta ( frequentou...) os estúdios da televisão do grupo Impresa, do inefável Balsemão tal como o estúdio do grupo que o empresário Mário Ferreira agora domina. Ou seja, joga em todos os tabuleiros mediáticos. 

É o chamado três em um: o equilibrismo perfeito de um tartufismo jornalístico que convive alegremente com as tendências coloridas que afinal salpicam a tonalidade acizentada da essência que tal verniz encobre. 

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A obscenidade do jornalismo televisivo