sábado, outubro 09, 2021

A circunstância particular da ministra da Justiça

O último número do Tal & Qual trazia esta notícia do "privado":  

O jornal alude à circunstância particular de uma pessoa que é ministra da Justiça ser familiar de indivíduos de um estado estrangeiro ( em 1977 Angola já o era...) que foram assassinados por razões políticas que determinaram a morte violenta de dezenas de milhar de pessoas, em Angola. 

Em Maio de 1977 a actual ministra ainda não tinha terminado o curso de Direito, na FDUL. Agora é ministra de um Governo cujo Estado vai colaborar com outro Estado na identificação de algumas vítimas dessa matança genocida. 
Objectivamente o interesse particular da actual ministra confunde-se com o interesse necessariamente público do Governo português em enviar a Angola especialistas de polícia para identificar cadáveres ou restos deles, incluindo os familiares da referida ministra. 
Diz a notícia que a "missão portuguesa foi enviada a pedido do presidente angolano, João Lourenço, empenhado numa cruzada para a ´reconciliação nacional`".
Resta saber se tal cruzada implica o reconhecimento de corpos há muito desaparecidos, como o de um tal "Monstro Imortal" ou familiares da actual ministra da Justiça, a cargo de quem ficou o envio da "missão" e se tal procedimento é de algum modo ético e não reflecte o interesse particular de alguém que sendo membro de um governo coloca esta entidade ao serviço de tais interesses. 

O contexto para quem não saiba é este, já por aqui esplanado com a "circunstância da ministra" em causa e cujo postal de 2015 se reproduz:

"Francisca Van Dunem é uma portuguesa de Angola cujos parentes directos tiveram grande protagonismo político nas vicissitudes da indpendência daquele antigo território ultramarino português.
Segundo escreve a Visão de 3 de Dezembro último, é "uma princesa do MºPº (...) e trabalhou próximo de todos os PGR das últimas duas décadas". 


Em 1977, um irmão, José Van Dunem e cunhada Cita ( ou Sita)  Vales, "combatentes e dirigentes do MPLA"   estiveram envolvidos numa conjura para derrubar o governo de Agostinho Neto e foram chacinados, juntamente com o cabecilha Nito Alves.  Nessa altura Francisca estava em Lisboa a estudar e tinha pouco mais de vinte anos.

Após a independência apressada de Angola , acontecimento que perfez há pouco 40 anos, do qual Portugal esteve oficialmente ausente, o novo país viveu uma fase de transição e guerra civil que perdurou anos a fio até se alcançar uma paz aparentemente duradoura.

Os acontecimentos de 1977 foram agora evocados mas com pouca nitidez.

Assim, o O Jornal dessa época consagrou vários números, desde 27 de Maio de 1977 até Setembro desse anos dando conta do que se passava em Angola.

O essencial foi contado no nº de 3 de Junho de 1977.


Na semana seguinte, 8 de Junho procurava dar a explicação cabal...

Um dos portugueses envolvidos no golpe de 27 de Maio, de Nito Alves e dos familiares Van Dunem era o célebre major piloto aviador Costa Martins, que foi ministro do Trabalho nos II, III, IV e V governos. Comunista ligado a Carlos Carvalhas e Eugénio Rosa, além de Rosa Coutinho, Costa Martins fugiu para Angola na sequência dos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975 e por lá ficou, como refugiado político, asilado. Aliou-se aos "nitistas" porque também pretendia uma maior intervenção da pátria soviética em território angolano, tal como o quisera em Portugal.

Em 17 de Junho o mesmo O Jornal contava a história...



Conclusão?

Já passaram quase 40 anos e os protagonistas estão mortos. Porém, o que pretendiam era ligar Angola ao comunismo soviético de modo mais "exclusivo". E foi isso que os perdeu.

Curiosamente, ainda há muita gente por cá, actualmente, a proclamar que a independência de Angola foi o objectivo do 25 de Abril de 1974, por vontade dos soviéticos...o que não deixa de ser curioso, levantando a seguinte questão: se foi assim porque é que o regime do MPLA de Agostinho Neto prendeu e matou os que queriam tal coisa, ou seja, uma ligação mais umbilical a tal imperialismo?

Quanto à actual ministra, mal ou bem, estes são os seus familiares directos. O pai e a mãe vieram para cá nessa altura, fugidos também ao regime do MPLA de A. Neto.

A pergunta que gostaria de ver respondida a este propósito é esta: Francisca Van Dunem era comunista nessa altura, adepta das teorias do seu irmão e cunhada? E deixou de sê-lo?
Não tem grande importância mas gostava de saber.

 Porquê? Por um motivo singelo: esta esquerda cansa-me e esta espécie de monarquias plebeias de uma esquerda que foi radical ainda mais e estão em estado de graça. Ninguém lhes toca. E esta união de vontades de esquerda vai dar miséria maior. Espero estar enganado. [fim do postal de 2015].

Deve ainda dizer-se que as vítimas de Maio de 1977, incluindo os familiares directos da actual ministra da Justiça de Portugal, se tivessem vencido, seriam uns carrascos ainda mais monstruosos que os outros que os chacinaram, pela simples razão de que teriam de chacinar mais gente se quisessem sobreviver a tal luta.  E a actual ministra da Justiça era irmã do principal cabecilha chacinado, tendo ficado a seu cargo a educação do filho do mesmo. 

É razoável supor que se José Van Dunem tivesse ganho a luta no interior do MPLA,  a actual ministra da Justiça de Portugal poderia ter sido ministra da Justiça de Angola e portanto cidadã angolana que porventura chegou a ser,  num breve intervalo de 1975 a 76 ou 77, circunstância que também não está bem esclarecida.

Por último deve ainda dizer-se que esta senhora que é ministra da Justiça do meu país, irá em breve ocupar um lugar de Conselheira no STJ deste mesmo país. Curiosamente não será a única com ligações desse tempo ao MPLA, nesse órgão cimeiro da Justiça portuguesa. Pobre país. 

Sem comentários:

25 de Abril: a alegria desolada