O Cm de hoje publicou duas páginas, assinadas por Octávio Lopes, para dar conta da saída de um disco, no final de 1973 que se tornou um dos mais importantes da música popular portuguesa.
É de José Afonso e chama-se Venham mais cinco, saído em Novembro ou Dezembro de 1973 mesmo a tempo do Natal desse ano, porque era nessa altura que se poderiam vender mais exemplares, como prendas de sapatinho.
José Afonso era um dos artistas que se opunha ao regime, então de Estado Social, de Marcello Caetano e fazia-o no quadro ideológico marxista, comunista, clandestinamente, tendo sido preso por isso durante alguns meses, digo alguns dias "que muito o marcaram".
A história resumida conta-se no livro biográfico de Joaquim Vieira, publicado há uns anos pela Círculo de Leitores:
Tal não o impediu de participar em Abril de 1973 num congresso da Oposição Democrática e então equacionar a possibilidade de apoio a uma "luta armada" à maneira dos terroristas do PRP-BR e apoiar os esquerdistas radicais que apareciam.
José Afonso era já um ícone da esquerda utópica quando ocorreu o golpe militar em 1974 e por isso nem é de admirar que uma canção da sua autoria- Grândola, vila morena- servisse de santo e senha para o arranque golpista.
Não obstante, a música de José Afonso que poderia ter sido usada para o efeito, em vez dessa, era precisamente a do disco Venham mais cinco, que era o mais recente e era um disco de sucesso relativo, passando no rádio, com algumas restrições censórias.
Lembro-me de ouvir ainda nesse ano um ou outro tema do disco, particularmente o título tema e A formiga no carreiro que achava ainda mais interessante musicalmente.
Nesse ano saíra na mesma altura um single de Fernando Tordo, com o título singelo de O Café, com letra em parceria com José Carlos Ary dos Santos e que era uma música muito bem gravada e de sucesso radiofónico garantido pela passagem frequente.
Aliás, em 1973 a música popular portuguesa estava muito bem representada por estes autores, todos na margem do que um dos esquerdistas militantes- João Paulo Guerra, radialista- denominou então de "nacional-cançonetismo".
Aqui estão alguns desses discos que para mim reunem o supra-sumo da música popular portuguesa de sempre, com destaque para o de Luiz Rego e o de Fausto.
Musicalmente o single O Café, destacava-se pelo primor técnico da gravação, efectuada em Espanha, nos estúdios Audifilm, de Madrid e sob orientação musical de José Calvário.
Na revista Cinéfilo, aparecida uns meses antes, em 3.1.1974 dava-se conta do disco de Tordo-Ary:
Para mim, na época, o tema foi um estrondo musical, uma inovação a que se seguiu a do disco de José Afonso, Venham mais cinco, este também gravado no estrangeiro, em Paris no estúdio Aquarium, em 16 pistas, durante o mês de Outubro de 1973.
Ambos foram publicados em Portugal pela Arnaldo Trindade, do Porto. Quanto ao Venham mais cinco há exemplares produzidos com o rótulo "Made in England" e outros com a inscrição "Made in Portugal". Escusado será dizer que prefiro os primeiros...
O Venham mais cinco, com o tema da Formiga no Carreiro, e a sua orquestração singular com harpa, quena e pandeiretas, era um sucesso para mim. Uma pequena maravilha sonora daquele tempo e que não perdeu uma nota só, no interesse musical e na qualidade sonora evidenciada pela gravação aprimorada para o tempo.
O ano de 1974 afigurava-se promissor e não era apenas a música estrangeira, anglo-saxónica que merecia atenção radiofónica e dos ouvintes. Esses dois discos, para mim inauguraram uma época nova na mpp, associada aliás a música cantada em português, vinda do Brasil, com o primeiro lp dos Secos & Molhados e o single de Raul Seixas Ouro de Tolo.
Por cá e na altura o disco de José Afonso mereceu referências elogiosas e nem tanto.
O jornal ( novo) Musicalíssimo, semanal e das
poucas publicações musicais portuguesas dedicadas à música popular, aparecido em 1972, dedicou no número de 30.11.1973, um artigo ao disco:
A contrastar com esta crítica elogiosa, a R&T tinha uma escriba que agora é professora numa essas universidades que há em Lisboa. Teresa Botelho que então lia muito bem a imprensa estrangeira e escrevia de cátedra depois de saber o que diziam os críticos lá de fora, considerava que afinal o disco de José Afonso era assim a modos que equívoco e pouco claro nos desideratos líricos...
Já agora, veja-se os discos que a mesma recomenda em vez dos citados: todos esquerdistas, radicais e comunistas. Antes de 25 de Abril de 1974.
O disco de José Afonso é assim e quanto a mim, um marco importante no panorama musical português dos anos setenta, com um destaque particular para a qualidade sonora da gravação e também a apresentação gráfica da capa que nada ficava a dever aos melhores, vindos lá do estrangeiro.
Merecia por isso outra atenção, para além do depoimento do cantor Vitorino, fonte principal da informação recolhida pelo artigo do CM de hoje.
A imagem que figura no artigo nem sequer é a do disco original, tal como se mostra acima.