quinta-feira, dezembro 24, 2009

A nossa legalidade democrática

Ainda sobre expediente administrativo relativo às certidões remetidas pelo DIAP de Aveiro e "julgadas nulas" pelo juiz de instrução Noronha Nascimento, sem oposição do MP, segundo os jornais de hoje o PGR entende que não deve divulgar o teor do seu despacho bem como recusa mostrar as certidões que o justificaram.
Essencialmente, entende que uma vez que nas mesmas existem transcrições das escutas telefónicas efectuadas e em que o PM foi interveniente, não poderá divulgar o respectivo conteúdo.

A justificação causa perplexidade porque o motivo, sendo tão evidente, já o era há quinze dias atrás e nem se percebe então como é que o próprio PGR andou a ponderar tanto tempo sobre a oportunidade e legalidade da divulgação.

Não obstante, o jornal Público de hoje mostra o que de mais característico tem o Direito: sobre uma mesma questão aparentemente simples, a doutrina divide-se...
Sobre a possibilidade dessa divulgação, o jurista Paulo Matta, ( FDLisboa) acha que o PGR não tem razão em impedir a divulgação porque se o impedimento são o teor das escutas, então deveria truncar essa parte e dar a conhecer o despacho que até agora é secreto. Por seu lado, o jurista Medina Seiça ( FDPorto), pensa ao contrário e apresenta um argumento: " se o PGR entende que não há relevância criminal para abrir um inquérito e as escutas que estiveram na base da suspeita foram consideradas nulas" não vê porque devam ser divulgadas. Mas é um argumento que não pondera aquela primeira hipótese, de divulgação do despacho sem divulgação das escutas.

Medina Seiça ainda adianta que " A investigação criminal não se pode tornar num instrumento de controlo político".

Ora é esta a questão essencial e pelos vistos sempre o foi. Mas se a investigação criminal não deve ser isso, também será verdade que a omissão de actos e deveres decorrentes das leis processuais penais, num caso como este, pode muito bem significar isso: uma manipulação política de uma investigação criminal, através de uma omissão. Ou seja, tão grave como o efeito que se quer prevenir é a consequência do que já é sabido e não há volta a dar: ou o teor dos despachos das autoridades judiciárias é conhecida, rapidamente; ou ficará a suspeita permanente de que as duas figuras cimeiras da orgânica judiciária do Estado português objectivamente quiseram ocultar algo que o público tem o direito de saber.

Eventualmente será isso que o PSD pretende com dois requerimentos ao PGR. Fernando Negrão que foi juiz de instrução e ainda director da PJ, diz no SOL que "Nos processos administrativos não há decisões transitadas em julgado" e que estas só acontecem em processos criminais. Não tendo sido esse o caso, não se percebe a decisão do PGR.

À roda deste problema gira sempre a questão essencial: terá o presidente do STJ competência para decretar nulidades processuais penais num procedimento administrativo que não admite aplicações das suas regras com extensão ao direito processual penal, nem por analogia?

Que valor jurídico tem o despacho/ sentença, do juiz de instrução Noronha Nascimento?

É nulo, como diz Paulo Pinto de Albuquerque e com uma nulidade que se tornou "sanada" por não ter havido recurso da mesma, pela parte que o deveria fazer, ou seja o MP? Ou será meramente inexistente porque derivada de uma incompetência absoluta de um juiz de instrução despachar num expediente que não foi autuado devidamente e por isso, subtraído às regras elementares dos processos de inquérito?
Mais: se o PGR arquivou liminarmente as certidões com um despacho ao abrigo da legislação processual penal, como agora admitiu para negar a consulta ao "expediente administrativo", como poderá invocar regras de processo penal nesse expediente?
É que ao contrário do que refere um comentador nestas caixas, no postal que antecede, não se trata, no caso, de um despacho exarado pelo PGR e pelo pSTJ, no âmbito do inquérito de Aveiro. Esse ficou lá, à espera de quem o despacha com competência para tal. O que se trata, neste caso, é de um extracto, certificado, de parte desse inquérito, para instauração de outro processo penal de inquérito, contra o PM. Por suspeitas de comportamento criminal reveladas no âmbito de um conhecimento fortuito, numa escuta telefónica em que o mesmo não era visado mas acabou por ser apanhado como "interveniente".
A lógica juridico-argumentativa dos que defendem que mesmo nesse caso, a escuta só será válida se autorizada pelo pSTJ, não tem argumentos suficientes para contrariar o mero senso comum ( por exemplo, parar logo a escuta a partir do momento em que se tenha conhecimento que foi o PM a ser inteceptado), porque tal conduz ao absurdo de nada poder ser ouvido previamente pelo MP e portanto até pelo próprio PGR.
Assim, permanecerá válido o entendimento de Costa Andrade que defende a validade da escuta nesses termos: como indiciária de eventual crime do catálogo que permite a escuta, mesmo a um PM. E o professor de Coimbra até disso mais, apelando ao maravilhoso: nem no céu poderá alguém dizer que a escuta é inválida!
Mesmo sabendo a alta estima em que se revê o presidente do STJ , é capaz de ser um pouco de mais pretender que a sua voz já chegou a tão elevadas alturas...

Perante estes argumentos jurídicos, obrigatoriamente cognoscíveis pelo PGR e pelo presidente do STJ ( por si ou por assessores melhor preparados tecnicamente) a decisão deveria ter sido outra: a instauração de um inquérito na secção criminal do STJ e o despacho pelo presidente do STj na qualidade de juiz de instrução.
Assim não aconteceu e a suspeita que não deixa de ter uma gravidade inaudita é a de que ambos quiseram subtrair o primeiro-ministro, em vésperas de eleição legislativa, a uma ordália: a de ser questionado publicamente por factos que aparentemente serão intoleráveis em democracia.
A actuação do presidente do STJ e do PGR, ao esconder objectivamente do público uma situação destas, agindo de modo invulgar, anormal num procedimento legal, aparentemente contra regras processuais que seriam banais ( por exemplo, não aconteceu tal na escuta também ela fortuita, a um juiz desembargador cuja certidão foi remetida à secção criminal do STJ. Ora tal caso em tudo é idêntico ao do PM porque um desembargador também só poderá ser escutado com controlo de um juiz do STJ) num caso com esta dimensão e relevo, só pode ter uma leitura.
E para bom entendedor, meia palavra basta.

Finalmente, ambos devem saber muito bem que em política ( e os respectivos cargos têm uma ressonância política evidente, em sentido lado e supra partidário), o que parece é.

Talvez por isso, Pedro Lomba, em crónica na última página do Público de hoje, acha que o PGR já não tem condições para continuar a ser PGR, porque "Se os portugueses não encaram o ministério público com mais confiança da que distribuem pelos outros agentes da justiça, este PGR nada fez para o evitar. Pinto Monteiro tornou-se parte do problema, já não pode ser solução".
Subscrevo integralmente.

Sendo assim, Bom Natal a todos.

Questuber! Mais um escândalo!