Esta pequena historieta sobre um chapéu que um subsecretário do governo de Salazar não usava é exemplar para demonstrar a dificuldade hermenêutica de alguns textos sobre o mesmo Salazar.
Quem lê Franco Nogueira ou outros que escreveram sobre Salazar encontra por vezes histórias repetidas e reinterpretadas pelos supostos biógrafos, algumas vezes em modo apócrifo, porque os pormenores contraditórios revelam essa evidência.
Há uma pequena historieta sobre um chapéu que um subsecretário não levara para um encontro de trabalho com Salazar que me parece muito reveladora a este propósito.
Segundo o texto da revista Resistência, do Verão de 1977, assinado por Barradas de Oliveira, o caso passou-se assim:
Ora tal historieta foi também contada por dois "estrangeiros" ( Peter Freyer e Patrícia McGowan Pinheiro) , em inglês, num livro publicado em 1962 com o título de Oldest Ally e muito crítico para Salazar e o seu regime.
A tradução francesa de tal livro, de 1963 e intitulada Le Portugal de Salazar ( Editions Ruedo Ibérico, do Boulevard des Malesherbes, em Paris) conta assim:
Nesta versão psicologicamente mais carregada, Salazar aparece como um orgulhoso egocêntrico capaz de obrigar alguém a usar chapéu só porque lhe parecia bem e se sentia com autoridade para tal.
Na passagem scaneada cita-se o Journal Intime de Maine de Biran para dizer que se um homem se incomoda com a sua própria fraqueza, se detesta os que lhe são superiores e procura a solidão para evitar apenas a vergonha da comparação, tal indivíduo não é um humilde mas um orgulhoso." Isto resume Salazar, dizia o citado.
Ora é nestes esboços de retrato psicológico que se surpreendem nuances de interpretações possivelmente erróneas e a evitar. mas ao mesmo tempo se pressente a dificuldade de tal tarefa. E é assim que se foram os mitos e se acrescenta um ponto ao conto que se conta.
Afinal, em quem confiar?
Veja-se esta parte do mesmo livro que aborda o assunto da posição de Salazar durante a II Guerra Mundial:
Deve supor-se como certo que dificilmente alguém atingirá a verdade sobre uma pessoa ou coisas lendo apenas textos apologéticos sobre os mesmos. Assim, torna-se essencial conhecer quem não diz o mesmo que os amigos ou próximos para poder tirar ilações ou reflexões.
19 comentários:
resolvi escrever sobre uma revolução do séc xix
o editor entendeu que devia elaborar um texto introdutório sobre a principal personagem
encontrei textos intimos para além dos alheios.
faltaria à verdade se tirasse conclusões.
por isso limitei-me a reproduzir o que localizei
a pesquisa (actualmente curadoria de conteúdos) apesar de muito exaustivo não nos permite um conhecimento total das personagens
por isso nos ficamos muitas pelo relato de episódios
a mentira vem dos próprios, mdos próximos e dos inimigos
no feriado estive no iscte ou 'university research'
conclui sobre a natureza dos politólogos
estive a ler na net parte da peça
Deus lhe pague de Joracy Camargo
porque me lembrei ter visto em 49 um filme argentino baseado no texto, o qual não deve ter tido problemas com a censura pelo tempo que esteve em cena
'que Diós se lo pague' coloca o problema da origem da propriedade privada e do sistema capitalista
Sim é interessante saber o que dizem os que não são amigos ou próximos, mas nada interessa saber o que dizem os adversários, opositores alinhados com o interesse internacional de derrubar o regime que Salazar dirigia.
Hoje é impossível distinguir com rigor absoluto certos detalhes passados há dezenas de anos e que a paixão e o ódio consolidam.
Veja-se o que se passa com factos actuais que são analisados com perspectivas opostas por quem a eles assiste.
Não sei se a autora merecerá grande crédito, se tivermos em conta a muito discutível afirmação de que Mussolini, Hitler e Salazar partilhavam, no essencial, a mesma ideologia...
Salazar, que não era um revolucionário como Hitler e Mussolini, que perseguiu o nacional-sindicalismo de Rolão Preto, etc.
É mesmo só vontade de meter tudo no mesmo saco.
A propósito de outro postal que não este, aproveito para referir o que na altura não comentei:
Salazar corrigiu o problema das finanças públicas num ano, e não em dois, conforme o José referiu.
A SDN afirmou que nem talvez em 3 o conseguiria, mas enganou-se.
No livro de Ploncard d'Assac, diz o autor que Carmona terá estranhado o prazo proposto por Salazar. Responde-lhe este:
"O povo português não tem suficiente persistência para esperar muito tempo seja pelo que for. Se não equilibrarmos o orçamento num ano, não nos acreditarão."
Devia ter posto o comentário no postal respectivo, mas já não me lembro qual é.
Curiosamente, não me lembro de ter referido que o problema das finanças públicas teria sido resolvido em dois anos.
Porém, lembro-me de ler anedotas sobre Salazar ser um esmifra que sacava impostos como um autêntico sanguessuga.
Recordo-me eu, José. E estava para comentar sobre isso, porque tinha visto a informação e também me impressionou. Gostava de saber como conseguiu Salazar fazê-lo, porque até agora só li que a estratégia consistiu em ajustar a receita e a despesa de todos os ministérios. Não deve ter sido apenas assim, claro.
Era interessante saber se alterou a fiscalidade para esse efeito e como. Ou ainda como conduzia a política fiscal durante o Estado Novo, fora dessa situação de emergência de correcção das contas públicas.
O José conhece aquele instrumento de cozinha usado para rapar as tigelas onde se prepara a massa para bolos? Tem uma forma curiosa e todos lhe chamam "salazar". Não sei se ainda é conhecido por esse nome, mas toda a minha família e pessoas dessa geração o usam.
Sucede que há muito por estudar. Disseram-me que o Arquivo Salazar, o Arquivo do MNE e por aí fora estão disponíveis mas não há ninguém a estudá-los. Talvez ninguém seja um exagero, mas não ande muito longe da verdade.
Agora estou na dúvida se li a sua afirmação aqui no blogue ou na caixa de comentários do Dragoscópio...
Pois, lá na caixa do Dragão não conto comentar tão cedo e tal como aconteceu com o blog do Arroja deixei de frequentar quando me apercebi que estava num beco.
Até agora não concluí o mesmo do Dragão mas já me ocorreu.
Vou responder-lhe aqui, no blog, a propósito da campanha difamatória contra o Marcello.
Continuo a achar que é poesia, mas enfim...
Também gozava com a dinastia de Bragança e mailo reizinho e agora voltou monárquico.
Na volta o Marcello ainda foi o mentor dos lateiros e do PREC.
Mas nem é isso, é birra contra os neotontos e esse perigoso ser que dá pelo nome de "especulador".
Engraçado que especulação a existir, existiu aquando da Guerra com o volfrâmio, não foi com o Marcello.
O resto são falácias.
Aquela do grande Império Britânico por causa de isolacionismo e a nossa Expansão é óbvia. Ninguém negou isso.
O que falta explicar é como acabou o grande Império Britânico sem eles se terem desgraçado por isso.
Eu a estas coisas pego-lhes de cernelha.
Não me apetece levar marradas de ar e vento.
Um chapéu, é um chapéu, é um chapéu.
Quando está sol, frio ou chuva: uso-o(s).
É só um chapéu que cobre.
Como o sobretudo ou a gabardina.
Não é uma filosofia política.
PS:...mas, abomino boinas... :-)
O que falta explicar é como acabou o grande Império Britânico sem eles se terem desgraçado por isso.
A entrega do Ultramar não foi o que causou a desgraça. Foi parte (grande) da desgraça.
Quanto aos ingleses se não terem desgraçado com o fim do seu império, isso é subjectivo. Comparados ao que eram, não estão assim tão distantes de nós, ressalvadas as proporções.
A questão é outra: foi o querer manter o que era nosso que nos desgraçou? Aqui parece cada vez mais ser essa a tese favorita.
Não concordo e acho-a fundamentalmente errada. Se prosseguida à conclusão lógica, leva inevitavelmente à dissolução da soberania e, derradeiramente, da independência.
Porque se persiste em ver um problema de política externa apenas da perspectiva interna. Daí argumentos como Angola não ser realmente Portugal; ou os pretos serem diferentes, ou coisas que tais.
Só que do ponto de vista do estrangeiro, e particularmente do inimigo - porque havia inimigos - tudo isso era irrelevante: Angola era realmente Portugal. E os pretos eram realmente portugueses. Por isso a estratégia era justamente atacar essas noções. Falharam em África mas tiveram êxito na Metrópole.
Quando o dia chegar - e vai chegar - que se volte a cobiçar algum pedaço de terra portuguesa habitado (porque desabitado já se cobiça), recorrer-se-á ao mesmo estratagema.
De resto, o outro argumento também é fraco: não devíamos lutar porque era certo que íamos perder.
Ora, não era nada certo. Ganharíamos no momento em que manter aquela guerra custasse mais aos nossos inimigos do que aquilo que valia para eles.
Não precisávamos nem iríamos enfrentar todo o poderio militar das super-potências como parece estar implícito neste tipo de argumento. Esse era já um preço bem acima do que lhes conviria pagar. Também seria muito difícil sustentar perante a opinião pública o emprego de tropas de países agentes como depois se fez com cubanos contra um país soberano pois tal traduzir-se-ia em guerra aberta entre os dois países.
Como tal, a estratégia inimiga estava confinada ao combate de guerrilha fronteiriço e de lá não sairia sem nós deixarmos.
E se ao fim de treze anos de combate o país não estava esgotado, é pouco de crer que se esgotasse com mais treze, quando para mais a nossa técnica e dispositivo militares estavam já afinados para para ele.
E, finalmente, tudo isto põe em causa a nossa soberania e independência: alhearemos o nosso território quando e sempre que alguém com força suficiente para no-lo tirar o reivindique.
Tanto faz dizer que o preto é diferente como não. Para o inimigo isso apenas significa que terá de explorar mais ou menos as diferenças entre as pessoas, classes, etc.
Quanto ao território, também. Na altura engenhar-se-ão os pretextos necessários para evitar as lutas que a sorte não providenciar. Afinal de contas, se é possível ir buscá-los a dois, três, quatro ou cinco séculos atrás, também o é a seis, sete oito ou nove.
Estou novamente mil por cento d'acordo com o que Muja escreveu acima.
O José desculpar-me-á, já que teno notado estar em desacordo com muitas das teses por ele aqui desenvolvidas, mas na minha consciência tenho mesmo que estar.
E os motivos são vários que modestamente reputo terem algum peso. Tenho/tive alguns familiares nascidos em Angola e dois em S. Tomé, filhos e netos de portugueses idos no séc. dezanove e princípios do vinte, principalmente de Trás-os-Montes. Os antepassados próximos destes últimos viveram naquelas terras até atingirem mais de 80 anos e sei de ciência certa que tudo quanto os seus descendentes nos foram tansmitindo ao longo do tempo sobre o que pensavam os portugueses, brancos e pretos, que haviam nascido, vivido e lutado toda a sua vida pelo progresso daquele nobre e grandioso pedaço de Portugal que era Angola, fazendo-o contínua e esforçadamente lado a lado, sem descriminações de cor de pele ou de crenças religiosas, era a verdade pura -- e só serão capazes de desmentir estes factos verídicos, constatáveis por qualquer pessoa de bem que preze verdadeiramente as suas raízes, os apátridas (muito nossos conhecidos) que eram e continuam a ser protegidos e apoiados pelos dois internacionalistas, estes por sua vez a comandarem à distância (tanto então como agora) a maçonaria portuguesa, esta umbilicalmente ligada àqueles, como hoje é globalmente reconhecido e ponto assente sem a mais pequena sombra de dúvida, a qual esteve desde o primeiro minuto por detrás das conspirações, agitações políticas e subversões contra o regime vigente, incentivando e apoiando o terrorismo sanguinário iniciado e despoletado nos inícios de sessenta em Angola cujo objectivo único e final era, como foi, apoderarem-se dos nossos territórios ultramarinos a qualquer preço, mesmo se à custa do genocídio de milhões d'inocentes fiéis à sua Pátria de sempre, como de facto veio criminosamente a acontecer -- partilhada pelos descendentes daqueles, conjuntamente com os mais recentes autóctones, todos irmanados pelos mesmos elevados ideais pátrios.
O José desculpar-me-á mas o facto, imagino eu, de não ter nascido ou nunca ter vivido (creio, também) em qualquer dos nossos territórios ultramarinos, poderá estar porventura na origem das suas dúvidas ou certezas(?) algo controversas sobre a nossa continuidade naqueles territórios, independentemente de futuras auto-determinações ou não.
(cont.)
(conclusão)
Penso também que Muja (para só citar este comentador, mas há outros por aqui d'igual valor), cuja visão deste magno problema, que tão profunda quão tràgicamente nos atingiu como povo tanto no Portugal europeu quanto no africano, coincide com a minha, é demasiado novo para ter lá nascido ou vivido e poder ter passado pelas agruras lá havidas, como aliás já o salientou. E não obstante transparece na sua linguagem escrita um imenso amor ao nosso País e uma luta tenaz e permanente em sua defesa para fazer ver a quem o lê quais os direitos que considera inquestionáveis e que deveriam ter sido fortemente salvaguardados para que Portugal pudesse ter continuado como Nação independente, sentimentos que nos comovem e enternecem não raro quase até às lágrimas. Como é que alguém que não viveu a traição que foi o 25/4 nem presenciou os verdadeiros horrores subsequentes à criminosa descolonização, consegue descrevê-los com tanta minúcia e fidelidade e o que é mais, perfeitamente consciente da razão que lhe assiste? Claro que se baseia em investigações sérias e rigorosas, mas o que é digno de nota e não será demais frisá-lo, é a sua absoluta convicção de que tudo o que vai deixando escrito - com as devidas dúvidas e interrogações, que também as coloca e para as quais solicita frequentemente respostas plausíveis - é a mais pura das verdades. E de facto é.
Porém, há duas qualidades que estão presentes na sua formação moral e cívica, fruto com toda a certeza da educação primorosa recebida dos seus progenitores, aliada a um portuguesismo/patriotismo inabalável, igualmente produto daquela, valores de cidadania, estes, não muito fáceis d'encontrar nos dias que correm tanto em jovens como estranhamente nos menos jovens. E para quem, como eu, os preza acima de quaisquer outros, uma vez que foram justamente esses os em mim inculcados deste miúda pelos meus Pais e Avós, sou forçada a realçá-los e a enaltecê-los sempre que eles se me deparam. Como é notòriamente o caso.
Nota: Há um esclarecedor e oportuníssimo texto que li um dia destes através de uma ligação aqui deixada (peço desculpa de não me lembrar de momento por quem), que traça ponto por ponto os processos diabólicos que o inimigo empreende a partir de dentro de um qualquer país com a exclusiva finalidade de destruir a sua economia (para posteriormente colocá-lo debaixo da sua alçada) de um modo absolutamente perverso e cruel. Tudo o que nele vem revelado foi exactamente o que aconteceu em Portugal. É de leitura obrigatória.
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