Mais ou menos por volta do ano 60 antes de Cristo , o imperador Júlio César poderia ter feito este discurso aos romanos, a propósito de um povo, o lusitano, que aparentemente resistia o mais que podia à colonização romana e não se deixava submeter pela civilização "superior", preferindo viver em cavernas ou habitações lacustres e vestir peles de animais do que usufruir de quadrigas ou tricliniuns. Os carreiros de cabras serviam-lhes bem e por isso as vias romanas eram tidas como luxos da decadência, sem futuro.
Não sendo necessário citar E. Gibbon, porque basta a wikipedia para tal tarefa, os romanos venceram e convenceram, colonizando a península ibérica e adaptando-nos uma língua materna.
Em cem anos, os que se seguiram à morte de Cristo, colonizaram-nos e colonizaram-nos bem, deixando marcas que ainda hoje se vêem. Assim, nós também somos um produto finalizado do romano original e por isso somos latinos e não árabes ou cartagineses.
Alguém lamenta esta colonização em pleno, linguística, comercial, industrial e cultural, com mais de dois mil anos de recuo? Às tantas, talvez, se se entender que a colonização é um mal em si e a independência um bem absoluto e uma vaca sagrada que devia ser adorada num altar de ouro.
E é nesse ponto que importa focar a atenção.
Quem nos coloniza actualmente? Ou melhor, fomos colonizados por quem e como, a partir daí? E qual será a nossa independência real, medida ao contrário, isto é, com ausência de colonização? Alguém o poderia fazer, dizer ou sequer saber? Duvido.
A nossa pátria, que a meu ver não se confunde com a língua, nasceu por obra e graça de dois estrangeiros que chegaram a esta terra que começa no Minho e acaba nos algarves e nessa altura nem isso. Dois nobres estrangeiros ( Leão e Borgonha) que vieram cá combater os mouros deram os genes a Afonso Henriques que por sua vez terá sido educada por um autóctone, Egas Moniz.
A partir de então, tirando pequenos períodos, fomos independentes de outros povos. Mas não isentos de influências ou colonizações culturais. Nunca, tal como hoje.
Olhando de relance para a História, quem foram os povos que nos influenciaram mais? Parece-me que não haverá dúvidas que os ingleses, britânicos, levam a palma. A mais velha aliança entre povos, no mundo, é a que foi realizada entre nós e os ingleses, por vários motivos, incluindo familiares, culturais e militares. Data de 1373 que temos por assente que a Inglaterra, Reino Unido, Grâ-Bretanha, é nossa aliada incondicional e segundo reza a História, pacificamente e sem ventanias, quem tirou sempre melhor partido do acordo foram aqueles, os ingleses britânicos. Porquê? Porque foram mais finos, parece-me e sem questionar muito. Comeram-nos sempre as papas na cabeça e nós deixamos.
Quem é que se impôs mundialmente, durante séculos, em modo imperial? Nem é preciso dizer muito mais que a wiki ajuda a dizer: os britânicos dominaram mais que outros antes deles e depois.
No início do séc. XX começaram a perceber que não poderiam ostentar o ceptro de imperadores toda o tempo e para todo o sempre. E descolonizaram. A seu modo, claro.
E nós que tínhamos um imperiozinho, mesmo incluindo o Brasil, que fizemos nós à nossa vida de colonizadores e imperialistas? Não desistimos e inventamos uma realidade fantástica, veiculada por poetas: um quinto império haveria de surgir e seríamos nós a mandar no Mundo para todo o sempre, com todos os povos rendidos à evidência da cristandade. Bom demais para ser real. Místico demais para se poder formar crença sólida.
Esta ideia fantástica caracoleou e proliferou até ao século XX e impregnou pessoas bem inteligentes e capazes. Ainda hoje parece que acontece assim e haver quem acredite piamente em ditos proféticos do séc. XVI, interpretados à maneira do séc seguinte e dos primeiros anos do XX.
Os ingleses, nossos aliados, o que pensaram disso, na altura? Alguns terão pensado que se nós conseguíssemos aguentar, aguentar e aguentar, seríamos uns heróis de uma causa...perdida. E foi isso que sucedeu durante mais de 40 anos e particularmente durante a última dúzia de anos antes de 1974, em que se tornou evidente que não poderíamos de facto aguentar, aguentar e aguentar por muito mais décadas, como antes tinha acontecido e os britânicos descobriram a tempo.
Aquele pequeno excerto de um discurso de Salazar de 30 de Novembro de 1960 é a prova de uma utopia. Brilhante, heróica, mas utopia na mesma e não muito diferente daquela que prometia o "Homem Novo", noutra paragens eslavas.
Nem sequer conseguimos fazer como os romanos fizeram...porque já quase ninguém acreditava naquele discurso, dez anos depois.
Esse discurso, aliás, é o de um guardador de impérios, tal como os romanos o foram durante uns tempos largos. Poderia ter algum sucesso, no século XX? Poderia ter o mesmo que teve o império romano do lado de cá do ocidente?
Bem, se a colonização ( na altura, romanização) fosse efectiva, real e acelerada como mais ninguém fez antes ou depois, talvez. Talvez...mas era em África e os colonizados não tinham a mesma cor, a mesma identidade de solos e climas. Mais difícil ainda.
Os britânicos nunca acreditaram nisso e no início do século XX eram o país mais desenvolvido do mundo, depois da revolução industrial. Mesmo assim , largaram os territórios e desistiram da ideia de império, tentando salvar as pratas e ouros que lá tinham. Nós, seus aliados, éramos uma nação em bancarrota...incapazes de verdadeiramente colonizar fosse quem fosse, e muito menos africanos tribais rendidos a gungunhanas.
Quando os britânicos nos mostraram os dentes, durante um ultimatum, encolhemos a honra em justificações espirituais e assim ficamos, permanecendo aliados.
Quem julgar que isto é independência, restringirá o conceito ao domínio poético do costume.
Portanto, a discussão permanece em aberto: o que é uma verdadeira independência? Será possível ou desejável tal situação de facto sem os meios para um estado de direito que se possa impôr a quem a colocar em risco?
E colonização o que significa realmente? É aquilo que o discurso diz? Se for, estamos conversados sobre a legitimidade em querer para os outros o que não desejamos para nós...