domingo, julho 24, 2016

A passarola das bancarrotas

Ontem alguém resolveu homenagear Mário Soares por ocasião da efeméride dos 40 anos passados sobre o primeiro governo constitucional que encabeçou após as eleições.

O Diário de Notícias de hoje publica uma notícia sobre a reunião de homenageadores com um texto que é um exemplo de branqueamento e desresponsabilização de um indivíduo que teve mais participação directa e afinal de contas responsabilidade, na génese das bancarrotas que nos afectaram nestes últimos 40 anos do que qualquer outro.


Torna-se um clássico deste género de branqueamentos jornalísticos que duram há 40 anos, ler que António Costa enalteceu as virtudes do homenageado, dizendo que nessa altura , esse primeiro governo de Mário Soares "fez muito em pouco tempo".
Tal significa esquecer os antecedentes dos dois anos anteriores e principalmente o que veio a suceder com a aprovação da Constituição de 1976 em que Mário Soares e o PS tiveram um papel determinante para o nosso atraso económico, durante décadas, subscrevendo, apoiando e participando na estruturação do novo sistema económico que nos tirou o capital que precisávamos e continuamos a precisar. Os resgates ocorrem por não termos esse capital e quem o escorraçou foram os adeptos desta geringonça que agora governa e nessa altura andavam de passarola.

Para mostrar o que este miserável jornalismo de lambebotismo ambiente tem feito ao longo de décadas, mostram-se uns recortes de jornais de época para que se conheça o que essa gente não relata, por desconhecimento, ignorância, má-fé ou pura censura democrática.

O primeiro é do O Jornal de 25.6.1976 em que se mostra o que seriam "os grandes problemas do novo governo PS". Um deles era a "coordenação económica" e estavam já indicados os "nomes" dos génios: Rui Vilar, um dos apaniguados-mor deste regime era um deles. Vasco Vieira de Almeida, um dos advogados deste regime, era outro.

O "Pensamento de Che Guevara" era livro recomendado...pela Bertrand cujos trabalhadores, no ano seguinte, boicotariam o lançamento do segundo volume do Arquipélago Gulag de A.Soljenitsine, privando os ascendentes da Rita Rato de matéria para lhe explicar o que eram os gulags...



Em Setembro desse ano o panorama gerido por estes génios, era este: uma bancarrota em perspectiva salva in extremis com dinheiro estrangeiro e medidas de austeridade que pareciam nunca terem fim. Gasolina a aumentar, tabaco a aumentar, inflação sempre a subir.

É desta obra que se orgulham e estão a homenagear um dos principais responsáveis?!


Um dos modos de resolver este problema já vinha do ano anterior...como relata o Expresso de 31.5.1975: ouro da "pesada herança" do tempo de Salazar e Caetano...e o resto, "austeridade". Como hoje.

Estes génios apesar de terem na mão 2/3 da Economia e orientarem de facto a politica económica nunca conseguiram melhor do que conduzir o país a duas bancarrotas. Uma logo a seguir e outra menos de dez anos depois, em 1984, com Mário Soares sempre ao leme. É disto que se orgulham  e homenageiam?!


 Para além do problema económico,resolvido do modo assinalado por aqueles dois ou três génios que acabaram por encher os bolsos ao longo das décadas, certamente em retribuição pela obra meritória em prol da Pátria, que outro problema se agigantava?

O do trabalho, por exemplo, tinha sido resolvido de um modo peculiar e sem paralelo na Europa de então: o Decreto-Lei nº 372-A/75 de 16 de Julho, em pleno PREC assegurava todos os direitos aos trabalhadores, na sequência da Constituição aprovada que tinha garantido o paraíso para os trabalhadores por conta de outrém e o inferno para os empregadores, esperando assim obter o nirvana económico.
Ainda assim, esse paraíso depressa se mostrou exíguo e em Outubro de 1976 estes mesmos génios acrescentados por outro chamado Vítor Constâncio, do mesmo naipe, capitaneados por Mário Soares, afinal acharam que era preciso fazer o que o PCP não queria, nunca quis e ainda hoje anda a refutar, pela luta contra a "precariedade": os contratos de trabalho a prazo, inventados por esse primeiro governo constitucional para remendar o desastre daquele diploma que prometia o paraíso aos trabalhadores.
É ler o Decreto-Lei 781/76 de 28 de Outubro  ( a lei dos contratos a prazo) e perceber a aldrabice em que o PS se especializou sempre sob o comando de Mário Soares...porque foi o instrumento que permitiu verdadeiramente a tal precariedade, uma vez que as entidades patronais da época e posteriormente achavam e continuam a achar que o paraíso de uns não pode ser o inferno de outros...

E o outro problema magno, o da Educação, como é que estes génios o resolveram? Fácil e já foi aqui explicado: um dos génios apontados à pasta era Rui Grácio. O mesmo que acabou com essa coisa bizarra de haver escolas comerciais e industriais para quem quisesse seguir o ensino técnico e os liceus para quem quisesse seguir para os cursos superiores das faculdades existentes.
A divisão era entendida pura e simplesmente como classista e prejudicava os filhos das classes trabalhadoras em proveito da "burguesia". Foi exactamente por isto e nada mais que aquele génio, infelizmente já desaparecido, acabou com a separação e inventou o "ensino unificado".
Com os resultados brilhantes que estas décadas evidenciaram: a maior imbecilidade de sempre, na Educação.

Portanto, esses três grandes problemas ficaram assim resolvidos pelo primeiro governo constitucional e de facto este governo fez mesmo "muito em pouco tempo". Tudo mal, quase. De resto deu continuidade ao que já vinha de trás e que era incrível o que se fez em dois anos de democracia conquistada em 25 de Abril de 1974.

No fundo qual era  o verdadeiro problema que tínhamos? É simples de enunciar e os jornais de 1975 explicavam claramente para quem sabia ler ( o que era raro, nesse tempo...):


Como é que isto se passava perante o país, sem grande sobressalto a não ser o de entregar o Governo ao referido Mário Soares e sus muchachos, com os resultados apontados e que agora celebram, sem pudor algum e memória nenhuma?

Passava-se assim, como explicava o Expresso de 25 de Abril de 1975, num artigo assinado por Helena Vaz da Silva: a imprensa estava toda, mas mesmo toda nas mãos dos democratas que nos fizeram a folha das bancarrotas. O pluralismo informativo era uma quimera e toda a gente aceitava este estado de coisas.

 Para assegurar melhor a permanência desta fantasia política os génios de então, do lado do MFA inventaram uma lei de Imprensa para amordaçar certos desviantes, sem qualquer prurido e sem se darem conta de que estavam a fazer exactamente o mesmo que não admitiam ao governo de Salazar e Caetano: a Censura pura e simples.

Este era o projecto de lei de imprensa de Agosto de 1975 que garantia a qualidade democrática pura e dura...



Pior ainda: em complemento lógico desta gigantesca e irrepetível lavagem ao cérebro colectivo que nem Salazar ou Caetano tinham logrado imaginar como possível ou desejável, o mesmo Expresso cujo director agora foi tecer loas ao homenageado, numa lógica absolutamente coerente, publicava entrevistas com indivíduos mentecaptos, loucos que não se curaram nestes últimos 40 anos e ainda andam por aí à solta, com todo o perigo que exalam.

Eis Arnaldo Matos numa entrevista em 9.8.1975, cujo conteúdo poderia ser o mesmo de hoje, com as devidas adaptações do tempo histórico entretanto decorrido.

Era isto o Expresso de Balsemão e Marcelo Rebelo de Sousa  e não admira que Portugal esteja como está... com o trabalho destes génios, como o que agora foi homenageado.



Questuber! Mais um escândalo!