A "tecnocracia" do "homem da Regisconta" sempre foi uma marca de água de um partido que procurou resolver os graves problemas económicos do país e governar segundo critérios de gestão com vista ao sucesso que todos almejam, apesar da palavra ser maldita. Nessa altura a ideia tinha outro conceito: o "homem novo" que o jornal Independente de MEC e Paulo Portas não se cansou de fustigar com um objectivo que depois se tornou claro: procurar apenas ser um califa no lugar de outro califa, sem mais. Aumentar um partido que cabia num táxi para ocupar lugares de camioneta ou de combóio.
A ideia do "homem novo" cavaquista, muito glosada e desprezada pela bempensância nacional ( a começar por VPV) era ideia associada para varrer a ideia socialista do assistencialismo estadista que tivemos e temos, para nossa desgraça maior. Sá Carneiro que os pachecos pereiras agora recuperam para o pensamento original social-democrata não queria outra coisa e isso é tão explícito que só não entende quem não percebe o essencial e se liga ao acessório.
O cavaquismo não conseguiu fazer dessa ideia coisa que se visse e o assistencialismo ainda aumentou mais, com o surgimento de quistos que deram em BPN´s, Proenças de Carvalho e afins. Se isto era a social-democracia que agora se defende é coisa que não se compreende, mas Pacheco Pereira achará que sim e que era melhor que as ideias que passam no programa actual do PSD.
A tentativa de libertar o país do jugo ideológico em que se encontrava ( e encontra) desde 1974 não surtiu em Pacheco Pereira ou noutros líderes de opinião mediatizada grande eco, apesar de alguns discursos que poderiam enganar quem os lesse ou ouvisse. No caso de Pacheco Pereira torna-se até incrível comparar o que então dizia com o que agora escreve.
Pacheco Pereira foi líder parlamentar do PSD quando as ideias do "homem novo" eram correntes e mais arrojadas tecnocraticamente do que as do "homem da Regisconta", mas nessa altura quem fazia a figura do Pacheco Pereira de hoje eram apenas os comunistas...o que aliás não admira porque é a demonstração da "boucle bouclée. O passado reencontra-se neste presente porque sempre foi assim.
Querer vituperar a pobreza do ideário actual do PSD esquecendo aquela tentativa de implantar a mesmíssima ideia através de outro mito é patético e imbecil.
Será esta, porventura, a nossa maior questão nacional: saber distinguir o que verdadeiramente precisamos e separar o Estado de uma economia que se quer mais pujante, progressista no sentido certo, eficiente e competitiva nos "mercados". Numa palavra: riqueza. Para contrariar outra palavra: pobreza. São palavras que a Esquerda entende, embora só destaque a segunda para efeitos de propaganda. A primeira palavra, riqueza, é-lhe muito cara mas apenas em modo pessoal e particular, para os seus mais próximos. A outra, pobreza, é para uso geral e eleitoral, para captar a atenção dos mais pobres que lhes assegurem a tal riqueza que pretendem alcançar. Basta ver os exemplos concretos dos socialistas que arranjaram vidinhas de ricos enquanto associados à governação quando eram pobretanas de subúrbio, na oposição.
É este o raciocínio básico e simples do que se tem passado em Portugal nas últimas décadas: enganos, demagogias, realidades paralelas e fantasias correntes. A tentativa do cavaquismo ( que começou assim) dos anos noventa em alterar tal estado de coisas, frustrou-se talvez por causa disto e de outros fenómenos:
Em 23 de Janeiro de 1995 o jornal Público dirigido então por Vicente Jorge Silva ( que hoje debita inanidades na tv) publicou uma extensa reportagem sobre a década prodigiosa do cavaquismo, isso "no dia em que Cavaco se define", ou seja quebrava o "tabu", ou seja desvendar o que iria fazer da sua vida. Poderia ter dito: acabou, falhei, nunca mais volto à política. Porém, como se sabe, a "História não acaba assim"...
Nos anos em que alcançou duas maiorias absolutas ( 87 e 91) Cavaco foi o "chefe" e poderia ter feito o que muito bem entendia macro-economicamente. Estávamos na CEE, em breve na UE e dali não sairíamos porque recebíamos milhões e milhões de "fundos estruturais".
Mas...seriam os problemas de Portugal essencialmente económicos? E tinha Cavaco as pessoas mais adequadas para pensar esses problemas, mesmo económicos? E os outros problemas, de cultura, educação e desenvolvimento real, como é que o Estado e os três governos de Cavaco resolveram a equação, com as pessoas que tinha a governar em maioria absoluta e o país rendido, numa expectativa que se frustrou, como agora se deve reconhecer e em 1995 era já notória. Tão notória que apareceu outro salvador, da área do socialismo democrático, de seu nome Guterres que concitou outra maioria absoluta com promessas e bolos políticos e durante meia dúzia de anos enganou novamente os portugueses ( de tal modo que um dos seus ministros emblemáticos, Sousa Franco, pronunciou publicamente num restaurante que o governo de então "era o pior desde D. Maria"). Isso será outra História, a seguir,
Por enquanto fiquemos nesta, de Cavaco.
Em 22 de Abril de 1989, a Revista do Expresso publicou este artigo de página, da autoria de um insuspeito António José Saraiva, um intelectual como já não temos ( Eduardo Lourenço leva hoje no Público uma rabecada em grande, de VPV), sobre uma figura que já então suscitava curiosidade aos portugueses em geral: Salazar. É ler o que Saraiva escreve: "Salazar foi, sem dúvida, um dos homens mais notáveis da história de Portugal e possuía uma qualidade que os homens notáveis sempre possuem- uma recta intenção." Os comunistas não gostaram desta prosa de um antigo camarada...que afinal não chamava fassista ao ditador.
Em Abril de 1992 apareceu a revista Fortuna, dirigida por Álvaro de Mendonça. O tema de capa era já Belmiro de Azevedo.
No interior fazia-se um apanhado jornalístico sobre os ministros de Cavaco, com apreciações do ponto de vista de um "sector de ponta" em vias de aparição e que nunca mais nos largaria- o dos economistas especialistas em gestão. Olhavam assim para os ministros de Cavaco:
Como se vê, o mais desgraçado de todos era...Braga de Macedo, visto como académico, desligado das realidades económicas e "não daria um grande gestor", segundo os gurus da revista.
Outra revista surgida uns meses antes, a Valor, no primeiro número de 8.11.1991 fazia uma apreciação da politica económica do governo de Cavaco dirigida por aquele Braga de Macedo e também uma certa Manuela Ferreira Leite, agora muito crítica do suposto neo-liberalismo deste actual governo social-democrata.
Na senda da descoberta do caminho certo para a nossa economia aditivada com as ajudas estruturais da CEE, havia como sempre os do "contra". Como é costume aquele que teve sempre razão deu azo a uma crónica de VPV no Público de 7 de Julho de 1990, em forma de "Carta ao patrão dos patrões", na altura o já notório Pedro Ferraz da Costa que merecia ser ouvido muito mais do que é- e seguido. Não foi por falta de aviso que os governos de Cavaco falharam. For por soberba, pura e simples. E devorismo de uns tantos cuja história virá a seguir.
Apesar da auto-suficiência e dos conselhos amigos de quem tinha experiência e saber acumulados, num dos governos de Cavaco, um ministro teve a ideia peregrina de convocar meia dúzia dos tais economistas especializados em gestão, formados em ideias anglo-saxónicas ( percursores dos cursos da Católica, onde aliás se formou Vítor Gaspar) e com grande pompa e gasto a condizer, convidou um dos então gurus da tal gestão tipo Drucker. Michael Porter was his name e só falava inglês, conhecendo coisas como "clusters", cuja tradução para português nem sequer foi tentada porque o parolismo da época transplantou-se para o presente e apesar de algumas firmas de advogados apostarem muito na língua portuguesa, continuam a falar para inglês ver. O fenómeno parolístico começou nessa altura. Será que os alemães também se exprimem nesse inglês técnico de gestão corrente?
Então a revista Fortuna de Dezembro de 1993 publicou uma separata sobre o famigerado "relatório Porter" e uma entrevista com o seu mentor Mira Amaral, que apresentava o dito cujo não sem esclarecer que "o que eu não tenho é o impacto mediático que tem o professor Porter. As ideias já eu tinha." Parolice maior será difícil encontrar: perante a incapacidade em mostrar e convencer os portugueses das "ideias que tinha", o cavaquismo convida um americano para estudar, conjuntamente com uma equipa ( os nomes vêm na revista e são uma dúzia de jovens formados nas tais escolas de "gestão") e elabora um relatório. Destino do relatório? Lixo. Nunca foi aplicado devidamente. Portugal e as ideias que o cavaquismo tinha foram assim mesmo: uma frustração em grande.
Quanto ao tal Mira Amaral que agora aparece bem posicionado na vida, na mesma altura declarava a uma revista de automobilismo que a sua maior ambição em carros era ter um Mercedes classe C. Outro que também aparecia a mostrar o seu desejo automobilístico era um tal Fernando Gomes, um dos tais economistas formados nas antigas escolas industriais e que foi presidente da câmara do Porto. Agora administra uma empresa pública com salário a condizer com o estatuto que então ambicionava: ter um BMW série 5. Está tudo dito...
Não admira nada por isso que a prognose póstuma efectuada pelo Público em 23 de Janeiro de 1995 fosse uma grande, enorme frustração e desencanto. Apenas sobre a Economia ficam duas páginas que mostram que afinal o cavaquismo foi mesmo a génese da nossa destraça colectiva. Alguém duvida? Alguém contesta?
O nosso fado teria mesmo que ser este, com este Cavaco e estas personagens de opereta como dantes se dizia? Não tínhamos melhor? Se calhar não porque a seguir ainda veio pior...
Em 1995, o PS apresentava-nos 100 nomes 100 para nos governar. Deus meu, como foi possível acreditar outra vez nessa desgraça? A História segue dentre de dias.