Como se mostrou no postal anterior, o rádio do final dos anos sessenta e início dos setenta foi alvo de mutações, particularmente em certos programas da "noite" que alteraram radicalmente o modo como se comunicava nas ondas Média e depois em FM.
Os programas mais importantes passaram a ser os que derivaram dessa concepção nova e tinham nomes como PBX, 23ª Hora, Tempo Zip e Página Um, em que a palavra falada dos locutores de serviço tinha mais relevo e acompanhava uma selecção musical mais cuidada e dirigida a um público diverso daquele que escutava o rádio durante o dia. A publicidade em rádio era mais concentrada nos programas diurnos e por isso à noite falava-se mais.
Um dos protagonistas mais importantes nesta renovação radiofónica foi Carlos Cruz, o agora proscrito que antes de ser um senhor da televisão tinha sido um homem do rádio.
Vale a pena ler algumas páginas da sua autobiografia de 2016, livro imprescindível para se conhecer a génese destas coisas e a raiz da mutação linguística operada naquela época.
Antes do Zip-Zip, na televisão, foi assim no rádio e tudo começara em 1965 no Rádio Renascença, com uma 23ª Hora que já existia e passou então a divulgar as músicas da moda pop. Um dos colaboradores já era o nosso conhecido José Duarte, o futuro cicerone de Álvaro Cunhal e Domingos Abrantes e mulher, no aeroporto da Portela, quando estes vieram do lado de lá da cortina de ferro.
Pelo meio os rádios piratas ingleses ( A BBC ainda não admitia concorrência) e até o Mundial de 1966. A Renascença e Igreja Católica interpuseram-se e originaram a dissidência de costumes e linguagem, aliás então já em curso.
Nesta primeira página mostra-se como se processou a mutação de poder e costumes...na RTP:
Aqui começa aventura no rádio:
As páginas seguintes, a par da primeira acima mostrada, dão uma espécie de explicação para a pergunta que coloquei: como é que as pessoas mudaram, ideologicamente, quase da noite para o dia em 25 de Abril de 1974 e começaram a falar outra linguagem?
Repare-se que Carlos Cruz, um indivíduo culto, cosmopolita, informado, confessa nesta autobiografia em 1970 e antes do Zip Zip, a sua total "incultura sobre organização social e política articulada com uma doutrina".
A partir de então tomou outra atitude...e no livro, a guerra que então era do Ultramar já passa a ser escrita como "colonial", Milagres das mutações...
Portanto em 1970 o regresso ao rádio foi à Renascença, com Tempo Zip, programa que começou em Janeiro de 1970.
E o episódio do avião publicitário foi assim comentado na revista Mundo da Canção nº 5 de Abril de 1970. Com foto e tudo:
Será preciso mais explicação a propósito da mutação da linguagem com aqueles nomes acima mostrados, por exemplo Teresa Horta e Urbano Tavares Rodrigues, que liam o Avante às escondidas e iam a reuniões clandestinas onde conspiravam à espera de um amanhã que cantasse como cantou em 25 de Abril de 1974?
Não, parece-me suficiente, apesar de lá estar também uma certa Vera Lagoa ( por sinal casada com um certo Tengarrinha e também antes opositora a Salazar e apoiante de Humberto Delgado), mas é preciso ver quem é que estava mais: Cáceres Monteiro, por exemplo e que depois seguiu para O Jornal.
E na Igreja do Rádio Renascença quem era nessa altura que mandava nestas coisas? A Flama de 20 de Março de 1970 mostrava. O Pe Sezinando chegou a ser, até 2012 quando morreu,
o padre mais velho do país e portanto teve tempo de ver o desenvolvimento da sua obra:
E em Julho desse ano um grupo todo de pessoal da União Gráfica, com destaque para o então bispo de Tigilava e presidente da Comissão Episcopal para os meios de comunicação social, D. António Ribeiro, futuro cardeal patriarca de Lisboa.
Não há milagres nestas coisas e os fenómenos têm sempre as suas causas...
A seguir: os baladeiros e cantores de intervenção mais os cantores populares e o papel do rádio, particularmente os Discos Zip, outro rebento da mesma árvore.
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