O director do Público Manuel Carvalho, escreve hoje no jornal um artigo de quatro páginas com as fotos em grande formato para ampliar espaço, sobre o fenómeno das cunhas.
No início ainda temi o habitual exercício de tiro ao fassismo, por causa de um livrinho recente de um jornalista-voyeur que descobriu na correspondência de Salazar, reunida e agora decifrada como "um regime paternalista e autoritário gera condições ideiais para a prosperidade da mesma". Cunha, entenda-se.
O artigo não passa ao lado de tal petisco mas não se circunscreve a tal exercício, aliás habitual no Público. No fim, para repenicar a ideia feita, o jornalista formado em não sei quê, escreve que " É neste jogo de segredos, sombras e interesses próprios que se vai amarrando o país aos velhos tempos dos caciques ou do salazarismo que continuam na base do atraso". Isso depois de ter aprendido que o fenómeno já tivera expressão em Gil Vicente e ouvir da boca do especialista que sempre foi coisa atávica ao portuguesismo de sempre, incluindo o sec. XIX, a primeira República e por aí fora, até aos dias de hoje. Não obstante, o epicentro calha-lhe sempre no sítio do costume: o do seu facciocismo que coincide sempre com o atávico antifassismo.
A "cunha" estende-se, pois, muito para além disso e o jornalista formado em não sei quê foi buscar um especialista, como é de rigueur nestes artigos do Público, no caso um tal João Ribeiro-Bidaoui, sociólogo e também jurista ( porta-voz do PS de Seguro) que descobri tratar-se deste indivíduo, especialista em cunhas e compadrios, com tratados a preceito e pelo menos não provirá do ISCTE. Mas nunca se sabe, nestas coisas...
Não li o livro-tratado que se propõe fazer a "anatomia da cunha" e por isso pronuncio-me sobre as tiradas expressas neste artigo. A primeira é sobre uma aparente perplexidade: não há ninguém interessado em estudar o fenómeno em Portugal. E qual a razão, para este afoito a tal proeza inédita? Pois será a "natureza da sociologia portuguesa"..."mais estruturalista", tendente a "enquadrar tudo numa onda mais colectivista". Particularmente reduzida ao tempo de Salazar, diria eu.
Outro especialista-instantâneo destes assuntos é o celebérrimo e ilustrérrimo professor de filosofia ou história do ensino secundário, agora prémio Vasco Graça-Moura que aliás foi seu amigo, o nosso sobejamente conhecido Pacheco Pereira.
O palpite dele é mais panóptico: "não tenho dúvida em afirmar que quem não dá um papel central na história social portuguesa à cunha não conhece Portugal". Pacheco dixit! Pacheco conhece Portugal como a história de Álvaro Cunhal: através de relatos alheios. Escolhidos e seleccionados a preceito
Qual a ideia do sociólogo-jurista para definir "cunha"? Simples de expor na sua operacionalidade: serve para "cuidar do outro, para contrariar as injustiças do sistema, para ignorar princípios de igualdade num contexto privado, para fazer favores que desgastem regras tidas como injustas, para fazer dinheiro ou ser reconhecido mais depressa, para ajudar quem não deve ser discriminado pela sua filiação, ou para respeitar regras de fraternidade". Neste último caso poderia esclarecer melhor, escrevendo Maçonarias. O resto toda a gente sabe e sempre soube, não sendo necessário qualquer sociólogo para o explicar.
Pacheco Pereira, perspicaz como sempre, aliás estonteante, aduz: "beneficia quem pede, mas reforça o poder de quem concretiza o pedido". " a cunha é uma parte importante das carreiras políticas: um jovem de uma jota ganha uma secção e depois entra num jogo de trade-off. Ou seja, fica com conhecimentos pessoais, cria redes de influência e troca favores para subir na escala do poder."
Até estas ideias aparecerem ninguém tinha percebido o que era uma cunha. Bem ditos sejam!
Comparando com o tempo do fassismo poderia dizer-se que nessa altura só havia aprendizes. Os profissionais com todo o gabarito estão aí, aqui e agora!
Continuando a análise sociológica, anti-estruturalista do tal Bidaoui, pode aprender-se que " a noção de cunha é uma forma de produzir justiça social, permitindo que os poderosos ajudem os outros através de favores, justificando assim a perpetuação de uma sociedade estratificada e estática, é um mecanismo que leva à normalização da sua prática. Tivéssemos o mesmo grau de intolerância com os que nos são próximos, e a corrupção desapareceria do dia para a noite. Neste sentido, a ideia de inevitabilidade do compadrio não pode estar desligada de uma certa cobardia face ao mundo que nos rodeia".
Conjugando estas ideias com aqueloutras acerca da explicação do fenómeno, como modo de reposição de uma certa justiça social, fica sem se saber se afinal o sistema e o fenómeno não estarão amplamente justificados. Afinal as cunhas não são simplesmente meios de atingir uma maior justiça social? Não é isso que pretendem os políticos e quem neles vota?
E mais uma explicação sociológica, anti-estruturalista, para a cunha: "as pessoas vivem no oficioso justamente porque desqualificam o oficial, ou seja, as políticas e acções do Estado democrático" !
E até o especialista-instantâneo, o bravo Pacheco concorda: "muitas vezes o recursos aos favores resulta apenas da constatação que, perante os obstáculos da administração pública, não há outras formas de resolver o problema"!
E afinal qual é a informação mais relevante do artigo? Talvez esta, no final e depois de todos os lugares-comuns expostos: no estrangeiro, por exemplo na Holanda, nos sites de várias empresas as ofertas de emprego para funções de liderança eram sempre superiores às que existiam em Portugal para o mesmo género de cargos. Aqui reservam-se para quem merece. E até os concursos-públicos ajudam, com os curricula certinhos...
Aqui destinam-se este tipo de cargos, como os deste casal-maravilha: Miguel Prata Roque e Inês Vieira da Silva Ferreira Leite
Ele, já tem vários poisos, incluindo no komentariado "independente" da TVI; ela, já plenamente professora-doutora, vigia activamente o movimento disciplinar dos juízes no CSM, por conta do PS que a nomeou para lá e lutando feroz e radicalmente pelo movimento feminista que a anima, segundo dizem.
Como se pode ver este o carreirismo fulgurante que se passou com o casal-maravilha é fruto de um mero acaso e de um procedimento normalíssimo de concorrência académica e profissional .
Comparando com o tempo do fassismo poderia dizer-se que nessa altura só havia aprendizes. Os profissionais com todo o gabarito estão aí, aqui e agora!
O que irá acontecer, por exemplo ao casal-maravilha, se o PS perder as eleições? Pois, irão ocupar as cátedras de onde nunca deveriam ter saído: as da irrelevância.
E outras cunhas virão, se preciso for!
Sobre o fenómeno das mesmas, fica aqui uma referência a um postal com mais de dez anos, ilustrado com esta entrevista que exprime o mesmo ponto de vista alcançado na tese de doutoramento do sociólogo-jurista:
O artigo é da revista Sábado de 14.6.2007 e a "tese central" é a ideia exposta na entrevista que equivale à do sociólogo: a cunha é o que é e nada se poderá fazer porque nunca ninguém o conseguiu fazer, por ser impossível. Aliás, até se pode justificar ao tentar compreender o seu modo de funcionamento e a sua função social.
O sociólogo poderia ter-se dedicado a outro tema, em vez deste: por exemplo tentar perceber como é que o ISCTE chegou onde chegou, ao ponto de ter uma inenarrável directora, ou presidenta ou lá o que é que foi professora primária e nunca passou mentalmente daí, apesar de ter sido ministra!
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