domingo, janeiro 28, 2024

Dr. Cunha Rodrigues, presumo?

Cunha Rodrigues, há vinte anos afastado das lides judiciárias na PGR e há cerca de dez, das lides como juiz na Comunidade Europeia, jubilado e recatado no lar, decidiu falar publicamente sobre um assunto judiciário esta semana. 

Foi assim:



Confesso que ao ler estas coisas, esta semana, fiquei perplexo. Um antigo PGR, ciente das questões mais candentes com a corrupção em Portugal, sabedor de muitos fenómenos associados, mesmo alguns que não chegaram à barra dos tribunais, espanta-se e indigna-se com uma operação judiciária que envolveu duas centenas de polícias, alguns magistrados e demais logística operacional num caso de corrupção, na ilha da Madeira. 

Sabendo que a ilha não possui meios autónomos, judiciários, para proceder a diligências processuais tidas por necessárias, urgentes e adequadas ( nem Cunha Rodrigues questiona tal coisa...) qual o espanto de ter de se enviar gente do continente para cumprir as tarefas que de outro modo não o poderiam ser? Houve casos no Continente que já envolveram um número de operacionais idêntico e não se ouviu um murmúrio de Cunha Rodrigues e muito menos a questionar o funcionamento das instituições democráticas. 

A questão incidental da habitual violação de segredo de justiça só pode espantar quem não fizer o paralelo com o que sucedeu na operação "Influencer" em que a PJ não participou e em que não houve qualquer violação de segredo de justiça, como agora. Porém, seria demasiado estulto pensar que uma operação com este vulto logístico, envolvendo centenas de agentes e operacionais não fosse conhecida antecipadamente pelos media. Só por ingenuidade tal pode suceder. 

Portanto, o problema não será esse, mas outro. Qual? Confesso a minha perplexidade aumentada. Não seria oportuno, urgente, adequada e proporcional tal operação? E que sabe Cunha Rodrigues sobre isso que outros não saibam? Não me parece que saiba mais ou melhor.

O que me parece é que o dr. Cunha Rodrigues, por qualquer ordem de razões, pessoais inclusivé,  e respeitáveis por isso mesmo, não está na posse plena das suas antigas faculdades de clarividência e autoridade intelectual e que me fizeram admirar o seu percurso na PGR, apesar de tudo o que ocorreu e que esta posição de agora não apaga. 

Tenho até a certeza que perante os factos em curso e já expostos, o PGR Cunha Rodrigues teria mesmo apoiado tal operação. Daí a minha perplexidade. 

Assim, resta ao dr. Cunha Rodrigues explicar melhor o seu pensamento a propósito deste assunto tendo em atenção este aspecto, mostrado por um jornalista, Eduardo Dâmaso, no CM de hoje:


O que se passa na Madeira e em lugares pequenos como o Portugal dos partidos políticos de poder e autarquias associadas é um fenómeno semelhante ao da mafia italiana do tempo da cosa nostra e que o escritor Leonardo Siascia descreve magistralmente num livrinho agora saído ( em reedição, pela Bertrand) e que estou a ler: O dia da Coruja. Em Portugal só falta a violência associada ao uso da lupara e outros artifícios. Mas somos um país de brandos costumes, não somos? A violência exerce-se de outro modo: ostracizando e obrigando à falência quem ousa opor-se ao modelo e o denuncia...

Cunha Rodrigues, um leitor atento e informado, admirador em tempos de Edgar Morin, tem muito a dizer sobre isto e bem gostaria que o fizesse, para ilustração de quem além do mais o admira intelectualmente e até como pessoa.

O que é para si a corrupção que pode e deve ser combatida pelos poderes públicos do Ministério Público português da actualidade, dr. Cunha Rodrigues?

Acha que fenómenos como os da Madeira e o que se passa na generalidades das autarquias nacionais, com sinais de uma corrupção avassaladora, evidente mas legalmente protegida por leis e regulamentos, não se devem combater judiciariamente? 

Esta é para mim a questão do momento. Alguém saberá dar uma resposta satisfatória? Poderíamos começar pelo fenómeno Rui Rio que arrogante e impante de medo oculto fez pouco do poder judiciário que irrompeu pela sua casa adentro para tentar recolher indícios da prática de crimes, associados ao exercício do poder político abusador, desvalorizando regras que jurou respeitar e sabendo que implicavam a prática criminosa, se violadas.

Não deveria ser assim?! O MºPº deverá ficar quieto, mudo e inactivo processualmente perante estes fenómenos? Deverá fazer o que a lei ( ainda) não lhe permite que é o exercício de oportunidade e portanto escolher os crimes que decide combater?

São estas questões que muito gostaria de ver o dr. Cunha Rodrigues responder...


Sem comentários:

O Público activista e relapso