A jornalista Fernanda Câncio justifica o que ganha no DN com artigos como este, no jornal de hoje:
O estribilho é sempre o mesmo: a miséria da ditadura não se compara com a abundância democrática, obra dos modernos fautores da política, incluindo o PS há décadas no poder democrático.
Portanto, a comparação faz-se entre a miséria social, o desemprego, a doença, a velhice e tudo o que é assimilado à "ditadura" em contraponto com a evolução e progresso social garantidos em regime democrático, para evidenciar a excelência de um regime relativamente ao outro.
O sofisma é deste jornalismo de capoeira, em que o cocoricocó é assumido pelos arautos eleitos e cacarejado por estas jornalistas de pena vistosa.
"Alguém se recorda de como era o sistema de segurança social da ditadura"?; "Alguém sabe como viviam, de que viviam, os velhos que já não podiam trabalhar?"; "Alguém sequer pergunta o que sucedia a quem perdia o emprego"? - são perguntas retóricas que se respondem a si mesmas, com a força comparativa de um passado hediondo porque de "ditadura" e por isso com tais problemas inerentes e indiscutíveis para quem estudou Comunicação Social em três anos.
E tudo se modificou, como por encanto, com a "política", ou seja a "democracia" que a ditadura não conhecia tal coisa, era apenas hedionda e basta como definição.
Será escusado mostrar que Portugal não surgiu com a "ditadura" de Salazar. Antes dela, existiu a democracia dos jacobinos, republicados e laicos, da estirpe ideológica da jornalista, com governos sucessivos, inoperantes e com os problemas elencados exacerbados pela "política", ou seja "os velhos que já não podiam trabalhar", os que perdiam o emprego e com o sistema de segurança social inexistente.
Será escusado mostrar, academicamente e não em artigos manhosos de jornalismo de comunicação social instantânea, que afinal, as causas do atraso de Portugal não residem na ditadura mas noutro fenómeno que um certo Nuno Palma explica no seu novo livro, deste anos, mostrando as tais causas que são outras: o ouro do Brasil, Marquês de Pombal e os fundos comunitários são os principais responsáveis. Já Salazar dinamizou o país como poucos.
Ou seja, a "ditadura" dinamizou Portugal como mais ninguém o fez posteriormente do mesmo modo, ao mesmo ritmo e com a mesma coerência e independência. É isso que este jornalismo de comunicação social instantânea nunca perceberá e por isso vive de mitos.
Por exemplo, o do analfabetismo: Na primeira metade do século XVIII, Portugal ainda não estava atrasado a nível educativo, mas no final desse século já estava. Isso não pode surpreender, pois quase todas as escolas do país foram fechadas por Pombal, sem qualquer alternativa a ser posta no terreno em substituição do que foi destruído. Não é possível compreender porque é que Portugal entrou no século XX com 75% de analfabetos, ou porque é que o nível de capital humano, e em particular, de literacia financeira do nosso país é ainda hoje tão baixo, sem se conhecer este contexto.
Quanto às reformas da "política" versus "ditadura" também se diz isto, do tempo dos jacobinos, pais ideológicos do pensamento da jornalista : Um país com contas públicas estabilizadas pode ser um país sem quaisquer perspectivas de crescimento ou convergência. É isso que caracterizou a fase final da Primeira República. Compreender isto nos nossos dias é simples, já que também é a mesma situação que caracterizou os Governos de António Costa: contas certas, mas sem qualquer capacidade de implementar reformas que fizessem o país avançar, pelo contrário.
E a explicação continua, mostrando que não foi a ditadura que parou o progresso, mas sim a "política":
Portugal parou de convergir por uma década a partir do 25 de Abril. Os motivos são evidentes: o PREC, a reforma agrária, as nacionalizações, as fugas de capital, a excessiva intervenção do Estado em certos setores da economia – nada disto foi um ambiente favorável ao crescimento económico, tendo sido necessárias intervenções do FMI em 1977 e 1983. A partir de meados dos anos 80, graças a reformas que então aconteceram, a convergência foi retomada. Mas foi outra vez travada a partir do final do século XX. Estamos atualmente a caminhar para nos tornarmos o país mais pobre da União Europeia.
E como é que este jornalismo de comunicação social instantânea e ignorante prospera? Também há resposta contundente para tal, do mesmo Nuno Palma:
No livro cito estudos internacionais que mostram isso mesmo. Note que no país existe um partido dominante, há décadas no poder, a não ser durante períodos curtos e excecionais. Para além disso, infelizmente, a censura em Portugal está viva e de boa saúde. Não é, evidentemente, a censura prévia do lápis azul como no Estado Novo. É antes uma censura do século XXI, menos violenta mas mais subtil: as pessoas sabem que as represálias para as suas carreiras profissionais existem, por isso autocensuram-se. Não é por acaso que são pessoas com empregos fora de Portugal quem mais frequentemente e com mais veemência criticam de forma independente a gravidade do que se passa no país. Muitas das críticas que aparecem nas redes sociais são feitas de forma anónima. Pedi a alguns académicos mediáticos de esquerda moderada, que trabalham em Portugal, com que normalmente eu me dava bem, um blurb para a contracapa do livro. Três recusaram-se, inventando desculpas. Compreendo os seus motivos, que não querem assumir: receiam a turba, gostam de manter a popularidade, ou pelo menos de manter a paz nas suas vidas pessoais. Ganham dinheiro ao escrever para os jornais e seria aborrecido perder essas benesses, ou ter chatices com colegas nas universidades em que trabalham. Vendem-se por pouco. Penso que é mais isso do que cegueira ideológica, porque deve ser evidente para qualquer pessoa que o meu livro trata de assuntos que estão acima das divisões políticas corriqueiras da espuma. Podiam ter mais coragem para enfrentar o tribalismo, mas enfim. No país que existe, quem está sente muitas vezes que precisa seguir a lógica dominante. Convém não ser incomodado. Em suma, as represálias existem nos nossos dias, e censura também, tendo poucos a integridade necessária para enfrentar as ‘verdades’ estabelecidas, por pouco ou nenhum fundamento científico que possam ter.
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