sexta-feira, julho 03, 2009

O descrédito dos media

O descrédito na Justiça é a conclusão mais crítica no estudo «A Qualidade da Democracia em Portugal: A Perspectiva dos Cidadãos», com a maioria dos portugueses a sentir-se «desincentivada de recorrer aos tribunais para defender os seus direitos», avança o líder da pesquisa, Pedro Magalhães.
De acordo com a edição desta sexta-feira do Público, no estudo do investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, promovido pela SEDES, 37% dos inquiridos estão em desacordo com a ideia de que «os juízes são independentes do poder político no exercício das suas funções», «mais de dois em cada três eleitores (82%) consideram que diferentes classes de cidadãos recebem tratamento desigual em face da lei e da justiça».
A maioria (79%) estão em desacordo com a ideia de que «a justiça trata de forma igual um político e um cidadão comum» e 49% discorda da frase «os processos judiciais não são tão complicados que não valha a pena uma pessoa meter-se neles», adianta ainda a investigação, que teve o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e da Intercampus.
Porque é que isto acontece, ou seja, de onde vem o descrédito dos cidadãos em geral, perante o sistema de Justiça que temos?
Será que há vinte anos esse descrédito era menor? E será que há dez anos os magistrados e demais operadores do sistema de Justiça, incluindo polícias, advogados, tinham o prestígigo tão desgastado como hoje inegavelmente têm?
Para mim, há uma explicação simples: Há dez ou vinte anos, o sistema nem estava melhor nem pio. Estava na mesma e em alguns sectores estaria bem pior, porque se demorava mais tempo em certas decisões.
Portanto, a questão reconduz-se ao modo como a imagem do sistema de justiça foi sendo definida ao longo deste tempo.
Para esse descrédito e erosão de imagem, contribuiram sem dúvida, algumas decisões dos próprios tribunais e do MP. Essas decisões poderiam e deveriam ser entendidas e explicadas de modo a mostrar a verdadeira causa do descrédito que inspiram. O enfoque no sistema legal e no contexto organizacional dependente do poder político não tem sido suficientemente enfatizado e quem apanha com o odioso da situação, são os aplicadores.
O processo Casa Pia e outros que envolveram figuras mediáticas e políticas, são um exemplo, como outros o podem ser, desta sensação de desigualdade básica e grave.
Uma significativa percentagem ( 37% dos inquiridos no caso) não acha que "os juízes são independentes do poder político no exercício das suas funções», e «mais de dois em cada três eleitores (82%) consideram que diferentes classes de cidadãos recebem tratamento desigual em face da lei e da justiça».
O problema da desigualdade dos cidadãos perante a lei não se manisfesta apenas na Justiça, mas é lá que vai desaguar em modo de frustração, ao se verificar que tal asserção corresponde a uma verdade empírica sentida por quase todos (82%) .
Se o descrédito da Justiça, incluindo o desprestígio de magistrados e autoridades judiciais e policiais se acentuou, isso deve-se sem dúvida alguma, também, ao impacto mediático conferido a certos casos e decisões.
Hoje, mais do que há dez ou vinte anos, as decisões judiciais, nomeadamente as polémicas, não são explicadas devidamente, ( porque os magistrados entendem que são suto-suficiente e se reservam nas suas torres ebúrneas, num silêncio incentivado por quem prefere a confusão gerada.
No entanto, essas decisões polémicas e não explicadas devidamente, têm um efeito directo na (des)credibilização do sistema e dos seus agentes, porque os jornalistas se alimentam dessas matérias como o caruncho na madeira velha: vão corroendo lenta mas inexoravelmente a substância interna da matéria, por cada notícia incorrecta que relatam, por cada caso popular que exploram e por cada visão discorcida que apresentam, sem qualquer contraditório ou desmentido decente. Contam sempre com o silência da reserva estatutárias dos magistrados e a imposição de bico calado aos funcionários, mesmo policiais.
Alimentam-se de uma distorção que é a violação do segredo de Justiça, mas não esclarecem depois quem os alimenta verdadeiramente, porque o segredo das fontes é princípio sagrado. E todos aceitam isto pacificamente e sem questionar demasiado.
De repente, todos dão pela falta de crédito na Justiça e seria interessante perguntar a cada um dos entrevistados se formaram a respectiva opinião através de casos pessoais ou pelos media.
Aposto, sem grande medo de errar que a esmagadora maioria formou opinião, pelo opinião avulsa de jornalistas que nem se dão ao cuidado de a esconder nas notícias. Ainda por cima, de certos jornalistas. Meia dúzia deles e delas e sempre nos jornais e media do costume.
É por isso que aqui, neste lugar singelo, não deixarei passar uma ocasião sem denunciar os desmandos, erros, manipulação e constante deslegitimação em que o jornalismo caseiro é useiro e vezeiro, sob o pretexto de que o mensageiro não tem culpa...
O mensageiro não tem culpa se se limitar a entregar a mensagem, o que raramente acontece. O que estes mensageiros fazem é outra coisa bem distinta: transformam-se em agentes de mensagens, eles próprios. Não são meros intermediários, mas sim intervenientes, manipulando e condicionando a opinião pública.
Não entendem as decisões no seu contexto e valia, porque as analisam do ponto de vista do cidadão comum e da parte que perde ou ganha. Tomam partido por uma delas e assim dão a conhecer, não o caso concreto e definido, mas a visão parcial de uma das partes, deixando a outra ao esforço de equilíbrio que poucos estão habiliados a fazer.
Não questionam ou interrogam o sistema do ponto de vista global e "sistémico". Apenas apresentam o resultado enviesado pela sua visão particular e pessoal dos fenómenos.
Por outro lado, valem-se do efeito jornalístico da efemeridade. O que hoje é notícia, amanhã passou à história, mas o efeito fica lá, residual e em acumulação. Ao fim de alguns anos, dá nisto que se vê.
Apetece perguntar se o jornalismo de hoje é melhor que o de há dez ou vinte anos. Então cá vai a minha opinião de leitor compulsivo de jornais: não é. Em Portugal, está pior agora.
O jornalismo português não presta, na generalidade, para contribuir para uma opinião pública mais esclarecida. Engana, manipula e ignora. Impunemente, porque uma instituição chamada ERC é uma vergonha pública de falta de isenção política.
E quem denuncia isto? Ninguém. Um Pedro Magalhães numa sondagem a preceito? Está bem abelha.
Quem desvalorizar ou esquecer isto, como geralmente fazem os tribunais e magistrados, depois não se admire do resultado destas sondagens ad hoc.

Questuber! Mais um escândalo!