Mas um problema que não é em si a origem de todos os males da sociedade portuguesa, como parece decorrer das intervenções de alguns ‘senadores’ e dos ditos diagnósticos. Nesta edição, o juiz António Martins dá uma entrevista em que põe o dedo na ferida. Para muitos a sua voz estará eivada de corporativismo – o que não é verdade. Mas, quer queiram quer não, a razão está com ele. A Justiça é o reflexo das formas de governo que têm sido praticadas em Portugal, sempre assentes numa visão da lei como instrumento de domínio político e não de governo democrático e sério da comunidade. Portugal tem sido o país das leis feitas a correr, sem obedecer à mais elementar técnica legislativa, leis que protegem interesses particulares e poderosos, leis que blindam estratégias delinquentes de gestão do próprio poder.
O mal da Justiça é ter-se transformado no receptáculo passivo e silencioso de políticas desastrosas, carregando o ónus de a sua própria imagem ser atirada para a valeta por estratégias de puro marketing político. Talvez fosse a hora, em tempo de agudo ciclo eleitoral, de dizer um sonoro basta!"
E os dos jornalistas que desinformam e pervertem quotidianamente, o sentido da opinião pública sobre estas questões?
O jornalismo português, mormente o do Correio da Manhã, aparece frequentemente como a fonte de notícias negativas sobre a "Justiça", através de uma informação pouco ou nada rigorosa, tendenciosa em boa parte dos casos e no final de contas contribuindo líquida e eficazmente para este estado de coisas a que chegamos.
Eduardo Dâmaso é um jornalista experimentado nesta área. Frequenta desde há muito, os corredores dos bastidores da máquina judicial, tem apreciado processos concretos e conversado com magistrados e polícias. Sabe geralmente do que escreve quando apresenta um assunto judiciário.
Tem falado publicamente e escrito de igual modo, sobre os fenómenos de Justiça com alguma acuidade que não é lugar comum nos seus colegas de profissão.
Então, porque não se debruça também, por escrito, sobre o papel tremendista e os sucessivos abalos telúricos na credibilidade das instituições e pessoas que as lideram, com epicentro na redacção dos jornais e demais media?
Sempre que uma noticia jornalística que envolva casos judiciais enfrenta a realidade judiciária, normalmente é para lhe desgastar prestígio e credibilidade. Numa boa parte dos casos, de modo injusto, impreciso, incorrecto, faccioso até.
Posso supor e compreender que isso acontece por necessidade jornalística de apresentar notícias que vendam jornais.
Não posso aceitar que esse comércio se faça à conta de mau jornalismo e de errónea percepção de realidades, contextos e explicações.
Por isso mesmo, ao papel dos legisladores, aplicadores e até sujeitos processuais, deve acrescentar-se um factor de relevo no panorama geral da "crise da Justiça": o papel dos media.
Por uma simples razão que pouco tem a ver com a função do mensageiro: os media, em Portugal e neste campo, raramente explicam como deve ser; raramente apresentam o problema do ponto de vista correcto para o leitor julgar por si e raramente se abstêm de comentário e opinião implícita no modo como escrevem a notícia ou reportagem.
Em suma: os media têm grossa responsabilidade no modo como "a crise da Justiça" é percepcionada pelos cidadãos em geral.