O jornal i de ontem noticiava que "ACP processa governo de Sócrates por gestão danosa nas SCUTS", informando que o Automóvel Clube de Portugal participara criminalmente contra responsáveis das obras públicas, a saber, Mário Lino, Paulo Campos e António Mendonça.
A participação fora dirigida ao DIAP e iria ser aberto um inquérito contra aqueles indivíduos por "prática de crime de gestão danosa".
O Público de hoje relata mais: Costa Andrade, catedrático de Direito Penal em Coimbra disse ao jornal que " esta queixa não faz sentido como processo criminal. Não são factos abrangidos pela lei criminal e manifestamente seria um trabalho inútil nos tribunais porque a conclusão seria, inevitavelmente, a de que aqueles comportamentos não realizam um acto ilícito criminal das leis penais."
Costa Andrade refere-se naturalmente ao objecto concreto da participação, ou seja o apuramento de responsabilidades pela gestão danosa, enquanto objecto de crime. Nesse aspecto tem razão porque não há criminalização adequada para o comportamento dos governantes enquanto tal. Os governantes nunca quiseram que isso sucedesse e portanto nunca fizeram leis ou aprovaram medidas de política criminal tendentes a tal efeito. Defendem-se sempre com o chavão da "judicialização da política", um guarda chuva inventado para se protegerem das cargas de água da investigação criminal e das prisões preventivas associadas.
Mas...há outra coisa mais importante que pode ser aproveitara com essa participação e o Professor Costa Andrade deveria saber melhor:
À boleia desta participação há factos que devem ser investigados porque a essência da participação não conduz necessariamente à qualificação jurídica de tais factos como sendo o crime de "gestão danosa". Aliás, como Costa Andrade sabe muito bem, os magistrados e o MºPº não ficam adstritom à investigação segundo a qualificação jurídica que a esses factos foi dada pelo participante. Segundo os participantes, o objectivo é "chegar à verdade" porque se verificou "um prejuízo da ordem de vários milhares de milhões de euros que todos os portugueses têm de pagar", incluindo Costa Andrade, os magistrados que investigam e as polícias e peritos que colaboram nessa investigação.
Os crimes indiciados não são apenas os de eventual "gestão danosa". São outros e mais graves. O de corrupção tem de ser equacionado, mas há também um crime que pode parecer surreal neste contexto mas não é: o de burla. Houve um engano que provocou um prejuízo gravíssimo e um artifício para ludibriar e camuflar esse engano, porque os autores conheciam perfeitamente da natureza e objectivo desse engano, porque não são estúpidos de todo.
Os "maus", ou seja os suspeitos da malfeitoria, já sabemos quem são e estão identificados por nome, embora sejam as pessoas mais visíveis nesta trama. Há outros, evidentemente. Merecem mesmo assim o benefício da dúvida decorrente do princípio da presunção de inocência sendo certo que compete às autoridades judiciárias provar que cometeram crimes, se cometeram.
Assim, implora-se à nona secção do DIAP que investigue tais factos que nem serão muito difíceis de investigar no que às SCUTS se refere.
Por mim, começaria por tentar perceber como começou a aventura das SCUTS. Para tal há várias pessoas para ouvir que explicarão facilmente o que sucedeu. Uma delas é João Cravinho evidentemente, mas não se deve depositar muita fé nas suas declarações. Temo que já não se lembre do que ocorreu e por isso conviria ouvir antes o general Garcia dos Santos que tem falado publicamente sobre o assunto e explicará devidamente aos magistrados o que sabe do assunto porque foi presidente da então JAE...
Depois há uma diligência absolutamente essencial, porventura morosa mas de frutos assegurados: saber quem foram as pessoas concretas que obtiveram os números do tráfego nas estradas nacionais que permitiram elaborar documentos para os famigerados "estudos" e pareceres e projectos de Project-finance, elaborados pelas firmas de advogados do costume e firmas de consultadoria do costume. Refiro-me aos tarefeiros que há quinze anos ou por aí estavam à beira das estradas a recolher números de carros que passavam para elaborar documentos com dados. Sâo esses que sabem o que se passou nessa altura, a quem entregaram esses números, o que lhes recomendaram, como o fizeram, em que suporte físico depositaram os números. Depois disso, saber como e por quem foram tratados. E está feito o trabalho. Seis meses, com trabalho intensivo, bastarão.
Neste universo apontado reside o segredo da maior roubalheira de que há memória na história recente do Portugal democrático. Maior que a do BPN.
Que não doam as mãos a quem escreve nos computadores do DIAP em tais diligências. Se pudesse oferecia-me como voluntário para a tarefa que desempenharia com o maior gosto da minha vida profissional. Se ao chegar ao fim concluísse que afinal tudo não passou de uma gigantesca prova de incompetência governativa, ficaria melhor com a minha consciência se tal ficasse demonstrado publicamente, porque é disse que precisamos: a descoberta da verdade deste fenómeno.